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A' Cerca de Coimbra


Segunda-feira, 22.05.17

Coimbra: Ermida de Santa Comba e a fonte da mesma Santa

Nas múltiplas colinas e vales que formam a orografia secundária da região citadina, nota-se entre a linha de cimos da Cumeada e o largo vale de Coselhas, para o norte de Celas, um modesto vale, o Valmeão, com pequeno morro a reparti-lo, aonde assentam os restos da capelita, que se apresenta, por isso, como capela devocional de altura.

A sua origem repousa na tradição de ter sido aqui martirizada, em época indeterminada, Santa Comba, santa que se representa crucificada, ou antes, ligada a uma árvore em forma crucial.

Há já referência à capela no ano de 1458. Sendo do padroado da Câmara passou, em 1491, para o do cabido catedralício. A capela renovou-se no séc. XVII (pellos annos de 1612). Foi vendida pela Fazenda Pública, cerca de 1925.

Está a desaparecer, tendo findado oito séculos de culto no local; podendo todavia acontecer que o da santa tivesse sucedido a um pré-histórico, de consagração de altos e grutas.

Capela de Santa Comba 04.jpg

Capela de Santa Comba

 Pelo que resta, vê-se que a obra era a da reforma do princípio do séc. XVII.

Era pequena: um corpo retangular tendo a meio da parede da epístola uma breve saliência, que só interiormente se pode ver para que servia. Precedia-a um alpendre, ao qual se subia por quatro degraus. Conserva-se o parapeito mas já desapareceram os dois pilares quadrados dos ângulos da frente, as duas colunas dóricas que ficavam entre eles e ainda a coluna que a cada lado dividia a meio o espaço; só restam as duas meias colunas, encostadas às paredes, do arranque do alpendre.

A fachada era de breves dimensões. A porta, de arco semicircular, sem impostas, de arestas vivas, mostra em duas aduelas laterais: «... VIRGINIS ET MARTI». Ao lado direito da empena está o campanariozinho de duas sineiras, reforma do séc. XVIII, tendo-se-lhe englobado o primitivo, a servir duma ventaria.

Não conseguimos entrar, mas desafeta e arrancados os azulejos, pouco interesse pode ter. Nada podemos dizer por isso da pequena gruta para a qual se descia da sacristia.

 

Já fora do pequeno morro da capela, mais abaixo no Valemeão, dentro duma quinta e na encosta do lado da cidade, ainda existe a fonte de Santa Comba.

Fonte de S. Comba.jpg

 Fonte de S. Comba

In: Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra, pg.76

 Espaço retangular cortado na vertente, tendo o fundo com restos de decoração: uma gárgula com figura humana em meio de largo rótulo, pia em forma de concha circular, nicho singelo a dominar a abertura de mina ou gruta. Inserido neste nicho está um pequeno baixo-relevo, de segunda categoria, com a santa crucificada e vestida, acompanhada de dois soldados a cada lado e vê-se, numa cunha de segurança da cruz, o começo da data: «16...». A estes elementos do princípio do séc. XVII, juntou-se, no XVIII, uma decoração em argamassa de que existem apenas restos. A gente do local ainda presta certo culto, acendendo uma lâmpada junto ao nicho no dia 20 de Julho.

Correia, V., Gonçalves, A.N.1947. Inventário artístico de Portugal. Cidade de Coimbra, Lisboa, ANBA, p. 192-193.

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por Rodrigues Costa às 09:21

Quarta-feira, 10.05.17

Coimbra: Santa Comba, uma santa esquecida 2

Muitas pestes afligiram Portugal no século XVI. A de 1569 matou gentes e causou terrível fome.

Uma cidade se mostrou disposta a acolher pobres e esfomeados: Coimbra. Os seus habitantes tinham fama de serem caridosos, como se a Rainha Santa ainda por lá andasse, a espalhar cuidados, a socorrer necessitados. Até a própria Câmara contraiu grandes dívidas para poder acudir a tanta miséria. De toda a parte afluíam carenciados. Os pobres pagaram-lhe, dando a Coimbra o nome de Cidade Santa – título honroso que ela poderia ostentar, mas que resolveu esquecer.

Cidade Santa, o seria de há muito, desde os primórdios, desde as enceladas da ponte, a virtuosa D. Mor Dias, os nus das procissões de penitência – e tantas se faziam! Santa, sim, mas pelos seus filhos.

Entre os filhos de Coimbra há uma legião de homens e mulheres ilustres, cuja enumeração se tornaria fastidiosa, além de despropositada. A lenda e a história trazem-nos, no entanto, memórias de figuras aureoladas pela santidade, que na cidade nasceram ou nela passaram parte da sua vida, em muito contribuindo para aumentar o perfume da poesia que Coimbra exala.

Coimbra tem também a sua mártir lendária, em tempos longínquos do imperador Aureliano: Santa Comba.

Santa Comba MNMC.jpg

Santa Comba, imagem atribuída a Mestre Pêro existente no Museu Nacional Machado de Castro

Filha de gente ilustre, foi instruída na fé cristã por uma ama, contra a vontade de seu pai. Donzela feita, é pretendida para esposa por um príncipe vizinho, mas ela tinha escolhido consagrar-se a Deus, e perante a pressão que lhe era feita, preferiu fugir de casa e ir refugiar-se no bosque, onde uma pastorinha lhe indicou uma gruta para esconderijo. O príncipe é que não desarmou. Lançou o fogo aos matos, até descobrir a gruta. Vendo-se assim desprotegida, Comba pediu a Deus «que lhe mudasse a formosura de modo que, ou não fosse conhecida, ou desagradasse tanto ao príncipe que antes quisesse tirar-lhe a vida do que violar a sua castidade». Deus opera a metamorfose e o príncipe, despeitado, ficou-lhe com tal ódio que a mandou açoitar e crucificar numa árvore, que a tradição diz ser uma oliveira. Assim costuma ser representada a sua imagem.

Santa Comba de Celas.jpg

 Santa Comba de Celas

Muitos anos mais tarde foi o corpo encontrado no local. Construíram aí uma ermida.

Borges, N. C., 1987. Coimbra e Região, Lisboa, Presença, p. 61-62.

 

 

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por Rodrigues Costa às 09:51

Segunda-feira, 08.05.17

Coimbra: Santa Comba, uma santa esquecida 1

Contavam as antigas tradições, que a Virgem cristã Comba (Columba-Coomba-Comba), em tempos em que esta região era dominada pelos mouros, fora requestada por um poderoso príncipe crente de Mafoma, a qual, para se escapar às suas ternuras e solicitações, fugira para estes sítios, então ocupados por floresta inextricável, onde conseguiu ocultar-se algum tempo. Descoberta um dia pelo príncipe apaixonado, quando ela ia ao fundo da colina, buscar água à fonte, que ainda hoje se chama da Santa, novas tentativas de sedução a envolveram.

Como fosse inabalável a resistência da donzela a apostar da fé em Cristo, e a romper o seu voto religioso de virgindade, arrastaram-na encosta acima até uma clareira, onde os cristãos haviam erguido uma grande cruz de madeira para aí se reunirem e orarem; nesta cruz a fixaram os do séquito do príncipe, e, assim exposta, foi alvejada com setas, até exalar o último suspiro, invocando, com os olhos no céu, o divino Esposo.

Depois os cristãos tiraram da cruz o corpo da Mártir, e sepultaram-no naquele mesmo local, onde sofrera o martírio, e que ficou a ser muito frequentado de gente piedosa, que vinha junto da sepultura suplicar as intercessões da Santa.

Tempos decorridos, passou Coimbra ao domínio dos cristãos, sendo então construída uma capelinha modesta, da invocação de S." Comba, que ficou a abrigar a sepultura.

Até aqui o que nos dizem as lendas.

Esta capelinha existia, é certo, no século XII ... nos princípios do 2.° quartel daquele século, foram procuradas as relíquias de S.ta Comba na cripta da sua capela, onde a tradição dizia haver sido sepultada. Lá encontraram o esqueleto, que pelos monges da Caridade foi trasladado para a sua igreja de S.ta Justa, de cujas ruínas ainda hoje restam vestígios no local conhecido pela denominação de terreiro da herva.

Decorridos alguns anos, foram as venerandas relíquias segunda vez trasladadas, agora para a igreja de S. João, contígua ao templo de S.ta Cruz.

Ainda há anos se via numa parede da casa, que atualmente está transformada em café ou restaurante, uma lápide com inscrição a designar o local, onde as relíquias estiveram depositadas. Dizia em belos caracteres do século XII, onciais de mistura com capitais: HIC QVIESCVNT OSSA BEATE COLVMBE

Mais tarde, no século XIII, fez-se nova trasladação, desta vez para o templo do mosteiro crúzio, donde vieram a ser cedidas relíquias para algumas igrejas, indo uma relíquia insigne para a Catedral, onde se erigiu um altar na nave da Epístola em honra de S." Comba.

 

Sé Nova St. Comba.jpgPor fim as relíquias restantes da Virgem e Mártir de Coimbra foram recolhidas no Santuário de S.ta Cruz, e ali se guardam.

... Considerava-se S.ta Comba especial advogada contra as maleitas ou sezões, doença que atacava e dizimava os habitantes dos campos do Mondego, então pantanosos e muito insalubres.

Vasconcelos, A. A ermida de Santa Comba. In “Correio de Coimbra”, 227, Coimbra, 1926.09.25.

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por Rodrigues Costa às 11:34


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