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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 28.11.17

Coimbra: Rua da Sofia, ou o porquê do surgimento desta rua 2

A primeira referência à intenção de abertura da Rua da Sofia surge numa carta régia, de 17 de Abril de 1535 ... Nela ficou clara a intenção e o partido topográfico-urbanístico da iniciativa. De 20 de Março de 1538 é o primeiro documento onde surge a sua designada extensa: «Rua de Santa Sofia». Trata-se de um dos contratos com que nesse mês e no seguinte se fizeram as cedências para construções de casa na sua frente poente ... Nesses contratos ficam expressos não só a obrigação de construir num curto espaço de tempo uma «arquitetura de programa» desenvolvida em três pisos, mas também outras normas com vista a assegurar a sua regularidade formal - «a formuzura».

A construção de casas foi lenta, tendo sido frequente a reversão dos lotes e a sua revenda.

... Tanto quanto até hoje foi possível apurar, o plano inicial para a nova rua era bem simples e regular. O seu traçado conjugou as condicionantes impostas pela topografia com um alinhamento sobre a frente colegial do Mosteiro de Santa Cruz, escamoteando a igreja.

... Um dos lados da Rua da sofia, o nascente arrimado a Montarroio, foi destinando à instalação de colégios... O outro lado da Sofia destinava-se à construção de casas, prioritariamente para professores, mas também para estudantes e funcionários, regra depois completamente ultrapassada.

Rua da Sofia esquema programático.jpg

Rua da Sofia, diagrama do esquema compositivo e programático (executado por Sandra Pinto)

 ... Interessante e disciplinarmente relevante é o rigor geométrico-compositivo com que, tudo o leva a crer, o conjunto foi planeado. Ainda que na execução se não tenha caprichado tanto e algumas preexistências tenham imposto ajustamentos. Para tal terá sido usado um módulo quadrado com 6 braças (13,2 metros) de lado. Para cada colégio, num total previsto de cinco, foram deixados cinco módulos de frente e quatro de fundo, o que, com o módulo para a largura da rua, perfaz quadrados de 5x5 módulos.

... No fundo, o sistema previra 5+1 propriedades de 5x4 módulos de base 6 braças, tendo ainda mais quatro módulos de fundo.

... As igrejas eram o interface com o público de três dos quatro colégios ... o mais inovador e coerente espaço dos colégios universitários da Rua da Sofia reside nos seus claustros de dois pisos. Nele podemos encontrar a evolução portuguesa para o apuramento de um tipo que já não é o do «horto conclusus» medieval, mas sim o elemento central de composição e de distribuição da arquitetura e da vida comunitária.

Rua da Sofia excerto da gravura Hoefnagel.jpg

 Rua da Sofia, excerto da gravura de Coimbra de Georg Hoefnagel, c. 1567

 Um dos aspetos que tem sido menos valorizado no processo e realidade da Rua da Sofia é o facto de a sua abertura ter consistido numa ação urbanística verdadeiramente revolucionária para o urbanismo da cidade, em especial por ter ocorrido no momento em que a lenta, mas inexorável, subida do leito do Mondego ditava uma cada vez mais frequente e perniciosa invasão das suas margens... Quando as águas invadiam o Arnado, a já de si apertada e única saída norte da cidade, a Rua Direita, ficava intransitável.

A abertura e nivelamento da Rua da Sofia, implicaram a remoção de um considerável volume de aterro, o reacerto dos acesos a Montarroio ... A «rua nova» desde logo se constituiu coimo novo aceso norte da cidade, vendo erguida no seu extremo torre e porta com funções aduaneiras e de instauração de quarentenas, a Porta de Santa Margarida. 

Rossa, W. A Sofia. Primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade portuguesa. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg.19-22

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por Rodrigues Costa às 11:58

Quinta-feira, 23.11.17

Coimbra: Rua da Sofia, ou o porquê do surgimento desta rua 1

A pedra de toque da reforma do ensino empreendida por D. João III, nas décadas de 1530 e 1540, foi a criação de um nível propedêutico à universidade para o ensino das Artes.

... Numa fase prévia ... assistimos à consubstanciação planeada das novas instalações universitárias na Baixa de Coimbra dentro e a partir do Mosteiro de Santa Cruz. Depois, já no curso assumido da reforma, esse processo deu lugar ao estabelecimento da universidade em ensanche segundo uma «rua nova», a de Sofia, mas também à súbita necessidade de se ocuparem estruturas preexistentes na alta e de para ali se planear a ocupação de terrenos vagos, designadamente em todo o setor nordeste. Em Outubro de 1537, meio ano após a transferência de Lisboa para Coimbra, o rei decidiu que, afinal, a Universidade propriamente dita – os «estudos« ou os «gerais» - ficavam na Alta e que na «rua nova» da Baixa se fixariam colégios de religiosos e habitações.

No lugar inicialmente previstos para os «estudos», à cabeça dessa «rua nova», acabariam por se erguer os colégios crúzios de S. Miguel e de Todos os Santos, que, em 1544, sofreriam, por sua vez, uma profunda reforma com vista a albergarem a instituição propedêutica laica, o Colégio das Artes... O desenvolvimento e a consolidação do «campus» («avant-la-lettre») na Alta, a necessidade de instalações maiores para o Colégio das Artes ... acabaram por determinar a mudança do Colégio das Artes da Sofia, primeiro (1566) para o Colégio da Companhia de Jesus, depois para o edifício próprio iniciado em 1568.

... Pouco mais de três décadas depois de ter sido concebida como expoente urbano, urbanístico e até ideológico da reforma e concomitante instalação da Universidade em Coimbra e após ter sido reformada em sede dos estudos propedêuticos, a Rua da Sofia acabou relegada para um desempenho urbano distante do conceito e programa de «campus» universitário que a determinara.

Rua da Sofia ortofotomapa.jpg

 Rua da Sofia, ortofotomapa com a localização dos colégios

 ... Em rigor, a universidade nunca chegou a estar na Rua da Sofia, ainda que para tal tenha a rua sido aberta. Isso faz com que para um qualquer processo de avaliação patrimonial ou de valoração nos domínios da teoria e história urbanísticas, o seu programa original e a sua expressão material atual primeiro se devam isolar para então se lerem em conjugação. A Rua da Sofia vale mais pela sua materialidade arquitetónica e urbanística, pelo seu papel de ensanche de uma cidade atrofiada, pelo seu longo e rico processo de transformação sedimentada, do que pelo frustre plano funcional e ideológico que determinou a sua conformação, mas acabou longe de concretização plena.

Rossa, W. A Sofia. Primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade portuguesa. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 16-19

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por Rodrigues Costa às 08:11


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