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A bela Capela de São Miguel – planeada e dirigida pelo arquiteto-pedreiro Marco Pires entre 1517 e 1522, e ainda com o belíssimo portal de estilo manuelino – oferece ao olhar do visitante, além do órgão barroco com «chinoiserie» (1737) e outras preciosidades de arte móvel, um dos melhores retábulos portugueses da «Contra-Maniera».
Universidade. Capela de S. Miguel, retábulo. Imagem acervo RA.
Universidade. Capela de S. Miguel, portal estilo manuelino. Imagem acervo RA.
Universidade. Capela de S. Miguel, órgão. Imagem acervo RA.
A documentação remonta a 4 de Agosto de 1612, quando a Reitoria encomenda a Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão a pintura do «Retabollo novo que ora a Univ.de mãda fazer na sua capella». Uma das recomendações especificadas respeita ao retábulo do Mosteiro de Santa Cruz, ao pedir-se que «as quaes pinturas elles farão com toda a perfeição e industria posivel de muito bons óleos & tintas tudo muito fino & de muito espírito de tal maneira que eiscedam as pinturas do retabollo de stª Cruz que ora fizerão».
…. Existe no Museu de Arte Sacra da Universidade de Coimbra, procedente do Colégio da Companhia de Jesus, onde deu entrada por oferta sua, um ciclo de oito tábuas da transição do século XVI para o XVII com a História de Tobias, de alto interesse iconográfico: a viagem de Tobias à Terra dos Medos (no ano 705 a C. segundo a tradição) constitui tema fascinante do maravilhoso bíblico.
Vida de Tobias 1. Op. cit., pg. 37
Vida de Tobias 2. Op. cit., pg. 38
Vida de Tobias 3. Op. cit., pg. 39
…. Neste ciclo da Vida de Tobias, pintado acaso por Mateus Coronato, o seu criado pintor. As razões que levaram a escolher tema tão complexo, afastado dos ditames tridentinos de decoro e clareza, revelam-se no seu simbolismo, que se prestava a cor relações na retoma do maravilhoso pré-cristão e a fórmulas gratulatórias ligadas a ex-votos propiciatórios de boas viagens.
…. A obra que encomenda em fim do século XVI com passos do Livro de Tobias seguiu um esquema de narração contínua, ciclo narrativo didascálico em sucessivos desdobramentos, apto a contar uma história de imagens em sequência, com acúmulo de detalhes que se distribuem em subtemas necessários à compreensão.
Serrão. V. A Universidade de Coimbra e as Artes. Uma dimensão do sublime. Acedido em:
O Professor Doutor Vítor Serrão publicou um livro que intitulou A Universidade de Coimbra e as Artes. Uma dimensão do sublime, no qual analisa de uma forma aprofundada, o todo – nas suas diversificadas formas de expressão – do acervo artístico da Universidade de Coimbra.
Com esta entrada e com a seguinte, procuramos chamar a atenção dos leitores, mais interessados, para uma obra que importa ler e estudar.
Em Coimbra, cidade sábia, sob a tutela ou inspiração da sua Universidade secular, o que existe de mais requintado e erudito na criação e na produção artística portuguesas encontra um acervo sólido, absolutamente valorativo de testemunhos dos diversos estilos e épocas na evolução da arte portuguesa, do mesmo modo que se impõe sempre a dimensão da fruição, da convivialidade da festa, da troca de experiências e ensinamentos, a incorporar os traços de um quotidiano moldado por vários séculos de História.
A coleção de arte móvel da Universidade testemunha, a meu ver de maneira eloquente, esse património de conquistas e de perdas, de qualidade e de diversidade, de radicalidades e de expressões do sublime, tão bem atestado em peças que agora se expõem como traço da muito referida sublimidade artística gerada no seio da Universidade. A pintura de Santa Luzia, acompanhada pelos símbolos do seu martírio, que se encontra no Museu de Arte Sacra, anexa à Capela de São Miguel, mostra um discurso pictórico dos anos centrais do século XVI muito em sequência dos modelos dos chamados ‘Mestres de Ferreirim’, mas que traduz, ao mesmo tempo, um sentido de mudança estética a animar o pincel deste anónimo artista de Coimbra, no modo como alteia o figurino e enfoca em moldes ‘irrealistas’ os panejamentos e os fundos, na busca de outros paradigmas imagéticos plausíveis. Quando comparada com uma quase coeva tábua da Prisão de Cristo do mesmo Museu, ainda muito presa a modelos tradicionalistas da ‘escola’ viseense, torna-se evidente que o sopro da inovação não era apanágio de todos os artistas ao serviço da Universidade…
Prisão de Cristo [sic.]. Op. cit., pg. 25
Santa Luzia. Op. cit., pg. 30
Custódia. Op. cit., pg. 31
À luz das pesquisas da História da Arte, as encomendas custeadas pela Universidade vêm mostrar, o alinhamento desta modalidade artística pela inovação e a busca de novidade em termos de estilo, programas e modelos estéticos. O estudo desses ciclos pictóricos permite preencher algumas páginas importantes no quadro da evolução da produção nacional, com especial ênfase em fases prestigiantes da sua vivência como já fora o caso do Renascimento na primeira metade do século XVI, e é caso exemplar o Maneirismo no final da mesma centúria, ou ainda o ciclo do Barroco nos séculos XVII e XVIII.
Serrão. V. A Universidade de Coimbra e as Artes. Uma dimensão do sublime. Acedido em:
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