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Concluímos esta pequena série, com uma recolha, dos monumentos construídos pelo País para homenagear Torga.
Tendo a nossa opinião – que não deixarei de referir no tempo adequado – aqui e agora, gostaria de ler a opinião dos meus leitores sobre o tributo da nossa Cidade, em resposta ao muito que foi amada por Torga e ao quanto ele engrandeceu Coimbra.
Segue, por ordem alfabética da sua localização as imagens recolhidas.
Boticas. Acedido em Acedido em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_a_Miguel_Torga_-_Boticas
Coimbra. Ladeira do Seminário, Descerramento de placa. Acervo. CF
Coimbra. Largo da Portagem. Foto Augusto Ferreira, acedida em https://www.facebook.com/photo?fbid=6896877433668889&set=pcb.6896878563668776
Coimbra. Troleicarro com pintura de homenagem a Torga. Op. cit.
Leiria. Placa evocativa. Col. CF
Miranda do Corvo. Monumento a Torga. Acedido em https://www.allaboutportugal.pt/pt/miranda-do-corvo/monumentos/homenagem-a-miguel-torga
Oeiras. Parque dos Poetas. Col RA.
Sabrosa. Espaço Miguel Torga. Acedido em https://www.sabrosa.pt/
S. Martinho de Anta. Col. RA
S. Martinho de Anta. Óscar Rodrigues. Escultura do rosto de Miguel Torga na raiz de um negrilho. Col. RA
Rodrigues Costa
Frente ao rio ao longo dos tempos, escreveria mais tarde:
MEMORIA
De todos os cilícios, um, apenas,
Me foi grato sofrer:
Cinquenta
A ver correr,
Serenas,
As águas do Mondego.
Como dramaturgo publica em 1941 «Terra Firme. Mar» e nesse ano inicia o seu «Diário», o primeiro de 16 volumes em que, ao longo de mais de 50 anos, nos deixou as suas reflexões, os seus pensamentos, os seus poemas, as suas angústias e a sua visão de um mundo em constante mutação.
Torga. «Diário. II». Acedido em https://www.bing.com/images/search
O seu consultório era também a sua oficina. de escritor.
O seu consultório era também a sua oficina. de escritor
Um a um, novos livros iam saindo da sua pena; «Rua», «Lamentação, «O Senhor Ventura». A partir de 1944, com «Libertação» é a Coimbra Editora que lhe imprime que lhe imprime os seus livros: «Novos Contos da Montanha», «Vindima», «Odes», «Sinfonia», «Nihil Sibi», «O Paraíso», «Cântico do Homem», e tantos, tantos outros.
Torga. «Contos da Montanha». Acedido em: https://www2.unicentro.br/pet-letras/2017/08/29/resumo-da-obra-contos-da-montanha-de-miguel-torga/
Miguel Torga conhecia profundamente o seu país, desde as agrestes terras do norte às suaves planuras do sul. A sua ligação à terra, às montanhas, aos rios, é uma das suas mais evidentes características. Escritor telúrico, como tão largamente é referido, ele próprio, filho de camponeses transmontanos, aspirava a ser um semeador de poesia:
RASTO
Semeador de versos? Quem me dera!
Não haveria homem mais feliz.
Ter o espírito em flor na primavera,
E o corpo, no inverno, com raiz.
Não.
Retalho apenas a ilusão…
À teimosa procura
Dum singular e único sinal
Que todo me defina e me resuma,
Vou desfolhando a rosa da expressão
E deitando no chão
Caídas as palavras, uma a uma.
O constante peregrinar, o calcorrear do país, estão bem patentes na sua obra. consubstanciados no seu livro «Portugal», um retrato vivo e nítido da terra portuguesa.
Torga. «Portugal». Acedido em https://livrariaultramarina.pt/product/portugal-miguel-torga-1950-1a-edicao/
E nos volumes do «Diário» são constantes as impressões que lhe causam e as reflexões que lhe inspiram as suas viagens de norte a sul do país.
Mas Miguel Torga viajou também por outras paragens. Mais uma vez a Europa, de novo o Brasil da sua adolescência, o México, Angola e Moçambique, a longínqua Macau, deixando-nos de todas essas viagens as suas sensações, os seus poemas.
Numa cidade que mudava, também ele mudara de residência. E na Rua Fernando Pessoa, para os lados da Cumeada, passa a ter o seu novo lar, em 1953, a que, em breve, o sorriso de uma filha vem dar nova vida.
O reconhecimento da sua obra não tardaria, com a atribuição de vários prémios, quer nacionais quer internacionais, e a sua universalidade está bem patente na tradução dos seus livros nas mais variadas línguas e nos mais diversos países.
«Orfeu Rebelde», o título de um dos seus livros, aplica-se com propriedade à sua obra e à sua personalidade. Poeta da rebeldia, avesso a escolas literárias, Torga foi um lutador solitário, usando a caneta como arma para transmitir toda a sua força interior. Que está bem expressa no seu poema
ORFEU REBEIDE
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros felizes, sejam rouxinóis …
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
De moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violência faminta de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo de um poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se um canto é de terror ou de beleza.
O tempo corria, inexoravelmente. Para trás iam ficando as longas jornadas de caça, o subir dos montes, a descida dos vales. O médico usaria menos vezes o bisturi, daria maior descanso ao estetoscópio. E um dia o velho consultório da Portagem deixaria de ser o ser o seu posto de observação. Estávamos em 1992: "Desfiz-me do escritório. Mil circunstâncias adversas conjugaram-se encarniçadamente nesse sentido. E adeus, meu velho reduto, onde durante tantos anos lutei como homem, médico e poeta". Mais do que uma porta que se encerrava era uma vida que se escoava, fechadas que estavam as janelas por onde o mundo entrara pelos seus olhos iluminando as paredes do que fora espaço de tertúlia. alívio de dores e oficina de poesia.
Longa fora a sua vida. Grande é a sua obra. Por fim, a doença que lhe debilitou o corpo, não o impediu de escrever, escrever sempre. O último poema que publicou, no 16° volume do «Diário», em 1993, é uma despedida comovente:
REQUIEM POR MIM
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morte em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.
Torga na sua Casa de Coimbra, da Rua Fernando Pessoa
Estava a chegar ao fim a luta desigual que Miguel Torga travava, há anos, com coragem e estoicismo. E um dia, a 17 de janeiro de 1995, termina uma vida de interrogações e ansiedades. Só ficava a poesia. E no dia seguinte era a despedida de Coimbra, o fim da jornada em que a cidade, ao longo de sete décadas, se habituara a ver o seu perfil de granito transplantado para a suavidade do seu calcário. S. Martinho de Anta reclamava o seu filho, para o afagar no seu húmus materno.
Andrade, C. S. Passear na Literatura, A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego. Sem data. Coimbra. Edição do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra.
Formado em Medicina. regressa a S. Martinho de Anta. Mas não cabiam na terra natal as suas ambições.
Torga em S.Martinho de Anta. Imagem Col. CF
E pouco depois está de novo em Coimbra.
Op. cit., s/ numeração
Sem uma situação profissional definida, numa terra em que abundavam os médicos, a escrita continuava, e mais uma vez a «Atlântida» lhe iria imprimir um novo livro. Escritor e médico, como depois escreveria, "servira devotadamente a dois amos". Mas sentia que era necessário separar os nomes de quem empunhava o bisturi e de quem maneja a caneta. Adolfo Rocha seria o clínico, cuidando dos corpos. Para o escritor iria buscar na admiração por Cervantes e por Unamuno o nome de Miguel, a que acrescentaria Torga, matriz transmontana das urzes selvagens das suas origens. E quando em 1934 sai o livro «A Terceira Vez», encimava o título o seu nome literário, “Com um ósculo vo-lo entrego. Chama-se «Miguel Torga", escreveu pela última vez Adolfo Rocha no prefácio.
No mesmo ano vai substituir, temporariamente, o médico de Vila Nova, no concelho de Miranda do Corvo, tornando todos os fins de semana, quando as obrigações médicas não o impediam, o comboio para Coimbra. onde tinha um quarto para as suas pernoitas na A. C. E. (hoje A C. M.), na Rua Alexandre Herculano. E do convívio à mesa da «Central», bálsamo semanal para o isolamento da aldeia, nascia mais uma revista «Manifesto», que finda em 1936 com Albano Nogueira.
Pastelaria Central, onde acontecia a “Tertúlia do Torga” que também tinha lugar nos cafés da ”Brasileira” e do “Arcádia”. Imagem da Col. CF. Op. cit., s/ numeração.
Nesse ano, mais um livro, «O Outro Livro de Job». Não se demoraria muito em Vila Nova. O regresso do médico permanente, as intrigas aldeãs e a falta de saúde fazem-no regressar à cidade do Mondego.
Mais uma vez em Coimbra procura um destino profissional duradouro, tirando uma especialidade: "Dispus-me, finalmente, a meter o corpo aos varais. Comecei a praticar no consultório de um colega otorrinolaringologista". Mas, ao mesmo tempo, a escrita não para. E, assim, em 1937, publica «A Criação do Mundo. Os Col. CFDois Primeiros Dias», biografia romanceada dos seus primeiros anos de vida, até aos primeiros tempos no Brasil. Ainda nesse ano colabora na «Revista de Portugal», dirigida por Vitorino Nemésio. E em Dezembro faz uma viagem a Espanha (em plena guerra civil), França e Itália, dando um salto a Bruxelas, para visitar o seu amigo Nemésio, então professor na capital belga. Em 1938, novo livro da «Criação do Mundo, o Terceiro Dia» relato da sua vida, desde o regresso do Brasil até à partida para a viagem à Europa.
Concluída a especialidade, nova fase surge m sua vida. Como não era fácil abrir consultório cm Coimbra, vai para Leiria, onde "montou a sua tenda", segundo as suas próprias palavras. Foi determinante para a escolha da cidade a proximidade de Coimbra o que lhe permitia ir aí todas as semanas, para o convívio literário de que necessitava e pela proximidade das livrarias, das tertúlias e da tipografia onde imprimia os seus livros. E um deles, saído em 1939, «O Quarto Dia da Criação do Mundo», narração da sua viagem pela Europa, da Espanha franquista e da Itália de Mussolini, bem como do encontro em Paris com os exilados do regime salazarista, iria levá-lo à prisão do Aljube, em Lisboa, onde passou o Natal desse ano e escreveu alguns dos seus mais significativos poemas.
Liberto da prisão, regressa a Leiria. No ano de 194 a vida de Miguel Torga iria tomar um novo rumo, com o casamento com Andrée Crabbé, uma jovem belga que conhecera em Coimbra em casa de Vitorino Nemésio, de quem era aluna em Bruxelas.
Andrée Crabbé Rocha e Torga. Acedida em https://www.bing.com/images/search
E nesse ano publica um livro de contos, «Bichos», um dos mais representativos da sua obra A censura não dormia e, no ano seguinte, um outro livro do escritor, «Montanha» é apreendido.
Torga. «Os Bichos». Op. cit., s/ numeração
Continua a viver, agora casado, em Leiria. Mas a cidade não preenchia os seus anseios. E quando pensa em mudar de ares, a resposta surge naturalmente: "Coimbra como não podia deixar de ser. Era ela, quer eu quisesse quer não, a minha Agarez alfabeta, o húmus pavimentado que os meus pés pisavam com mais amor".
E assim, mais um nome vinha juntar-se aos clínicos da cidade. Num primeiro andar do Largo da Portagem estava agora o seu consultório. Na parede uma placa: "Adolfo Rocha - Ouvidos, Nariz e Garganta".
Op. cit., s/ numeração
Em frente, o pequeno jardim, com a estátua de Joaquim António de Aguiar, mais além o Mondego e, em fundo, o verde do horizonte de Santa Clara.
Não longe, no nº 32 da Estrada da Beira, num caminho bordejado pelo Parque da Cidade, instalara-se o casal. Nas traseiras, a vista descia até ao Mondego numa paisagem inspiradora
O seu consultório era não só um local de alívio para os seus doentes, mas também um ponto de reunião com os seus amigos e com sucessivas levas de estudantes, onde tudo se discutia, da política à literatura, e sobretudo, as suas janelas eram os olhos com que Miguel Torga viu, no decorrer dos anos, o mundo à sua volta e as alterações que se iam desenrolando e de que, observador atento, deu conta nos seus livros.
Adolfo Rocha no seu consultório. Op. cit., s/ numeração
Andrade, C. S. Passear na Literatura, A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego. Sem data. Coimbra. Edição do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra.
Um dos itinerários pela cidade que Carlos Santarém Andrade, um Amigo que cedo partiu, organizou e designou, Passear na Literatura, foi o dedicado a Miguel Torga, com o sugestivo subtítulo de um verso do Poeta … A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego.
Passear na Literatura. Miguel Torga. Capa
Para além de uma breve biografia do Mestre, foram então recordados os lugares mais marcantes da sua presença em Coimbra. Breve biografia e imagens, algumas com legendas de Carlos Santarém Andrade, que agora recordamos.
Adolfo Correia da Rocha nasceu em São Martinho de Anta, em Trás-os-Montes, em 1907. Depois de concluir a escola primária na sua terra natal e após uma breve passagem pelo Seminário de Lamego, ruma ao Brasil, com 13 anos de idade. Em 1925 regressa a Portugal, chegando a Coimbra no Outono desse ano, a fim de tirar um curso.
Para ingressar na Universidade precisava primeiro de fazer o curso liceal. Instalado num pequeno colégio na Estrada da Beira (hoje Rua do Brasil), faz os cinco primeiros anos em apenas dois.
Morando depois numa casa ao fundo da Ladeira do Seminário, conclui num só ano os dois que lhe faltam, frequentando o Liceu José Falcão, então sediado no antigo Colégio Universitário de S. Bento, sobranceiro ao Jardim Botânico.
Matriculado na Faculdade de Medicina, em 1928, publica então o seu primeiro livro, «Ansiedade».
Frequentador da tertúlia literária da «Central» hão tarda a sua colaboração na «Presença», em 1929, altura em que muda para a república «Estrela do Norte» (na sua ficção «Estrela de Alva»), também na Ladeira do Seminário, n.º 6.
Com a chancela da «Presença» vem a lume o seu segundo livro, «Rampa», em 1930. No entanto, em breve se dá a sua cisão com o movimento presencista. juntamente com Edmundo Bettencourt e Branquinho da Fonseca. Com este, que usa o pseudónimo de António Madeira, edita a revista «Sinal», de que apenas sai um número. A par dás estudos médicos a sua obra literária prosseguia, com os contos de «Pão Ázimo» e os poemas de «Tributo», em 1931, ou «Abismo», também de versos, saídos dos prelos da «Atlântida». Em todos eles usa ainda o seu nome civil, Adolfo Rocha. Finalmente, conclui o curso, em dezembro de 1933.
Andrade, C. S. Passear na Literatura, A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego. Sem data. Coimbra. Edição do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra.
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