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É sabido que os mosteiros e conventos ocupam os melhores troços de paisagem: vales férteis, outeiros com vistas soberbas, e, em regra geral, assegurando a presença de água dentro das suas cercas – bem cumprida no caso do Mosteiro de Santa Cruz.
... sempre seguro na sua excelente localização ao longo do vale da Ribela, vale largo de terras férteis para onde corriam águas de nascentes, formando um pequeno afluente que terminava no Mondego.
Vale da Ribela, atual Av. Sá da Bandeira
A escolha do lugar merece ser contada e Ilídio de Araújo transcreve-a de D. Nicolau de Santa Maria, que, por sua vez, conta como D. Tello, varão amigo e contemporâneo de D. Afonso Henriques, escolhe o sítio: «(...) achou hum fora da cidade, nos arrabaldes dela, onde chamavam os Banhos da Rainha, que lhe contentou mais que todos, por ter da parte Norte hum monte coroado de oliveiras, árvores bem afortunadas e ditosas que sempre pronosticavão grandes felicidades; porém a principal razão que o moveu a escolher este sítio foi aver nelles hua Igreja antiga de invocação de Sta. Cruz, que no tamanho e no estar fundada junto de hua horta se parecia com o Santo Sepulcro, que D. Tello trazia estampado na alma (...)». Razões da qualidade física e espiritual da paisagem misturam-se na origem da escolha do lugar.
Planta do Mosteiro de Santa Cruz em meados do séc. XIX
Os espaços exteriores deste convento foram mantidos intactos até meados do século XIX, garantindo séculos de utilização ao serviço da comunidade monástica. É certo que a área a área construída em redor da igreja passou de uma unidade com um claustro a três claustros com os respetivos edifícios em redor, mas a horta que comovera D. Tello, o parque e o cabeço das oliveiras mantiveram-se intactos de cima abaixo do vale.
É certo, também, que neste longo percurso de séculos, outros monarcas representado por outros religiosos deixaram a sua marca no convento e na cerca.
Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 108-121
Em Telo, nesta importante fase «pré-nacional», vê Afonso Henriques o potencial e carismático chefe religioso capaz de conseguir a adesão e o controlo de consideráveis energias, isto é, de uma grande parte da população e consequentemente de recursos e espaços. Com ele e à sua volta, poderia Afonso Henriques constituir uma cerrada rede de resistências, ao mesmo tempo que reforça o seu próprio poder.
... Por isso, nele se apoiará Afonso Henriques na luta contra a igreja institucionalizada – hierarquizada e temporal -, assim limitando mais facilmente o poder desta. Através dele, na base da confiança entre iguais, à sombra dos desejos da Igreja e mediante a infusão do amor divino, pretenderia o príncipe unir os cavaleiros e associá-los ao seu poder. Deste modo, alargando o grupo dos seus vassalos contrabalançaria, consequentemente, o poderio dos magnates nortenhos e reforçaria o seu próprio.
O projeto de uma nova sociedade laica e o de uma nova sociedade eclesiástica, entrecruzavam-se e interpenetravam-se, já pela influência das estruturas sociais globais sobre a instituição monástica, já pela intervenção e controlo do rei.
... A consciência da pertença a uma mesma unidade territorial, a uma mesma unidade política (sobretudo desde que D. Fernando Magno deu a D. Sesnando todo o território do Mondego ao Douro e do litoral até Lamego), a consciência da mesma identidade cultural (que é também moral e ideológica) ou a ânsia de aproximação (ou reaproximação) dos centros do poder sagrado e profano (ou da conexão entre estes) fazem associar os cavaleiros de Coimbra ao movimento eclesiástico em criação.
... Criar uma subsociedade, uma subcultura dentro dos limites da Sé, seria difícil senão impossível. E a renovação exigia um sítio novo, se possível não muito longe do palácio real (lugar de apoio)... Como doador destes banhos (os banhos régios), D. Afonso Henriques liga-se assim cultural e materialmente à fundação do Mosteiro de Santa Cruz.
... Adentro do projeto expansionista de Afonso Henriques, programar a e realizar a colonização de toda a margem (a retaguarda da fronteira) era primordial. O repovoamento da mesma fronteira, no interior, impunha-se-lhe do mesmo modo. Tinha então que, direta ou indiretamente, prolongar e culminar a ação já iniciada por
D. Sesnando e prosseguida, em parte, por D. Henrique e D. Teresa. Ação cujo elemento fundamental de orientação era o mesmo: o Rio Mondego nas suas duas direções, para montante e para jusante de Coimbra.
Ventura, L. e Faria A.S. 1990. Livro Santo de Santa Cruz. Cartulário do Séc. XII. Edição de Leontina Ventura. Transcrições de Leontina Ventura e Ana Santiago Faria. 1990. Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, pg. 19-22, 26-27
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