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Depois da implantação da República, as diversas conjunturas nacionais sofreram fortes mutações e a instituição universitária não escapou ao embate; suprimiram-se algumas faculdades e criaram-se outras em sua substituição, ou a preencher lacunas há muito reconhecidas. É neste contexto que o Decreto com força de lei de 19 de abril de 1911 funda a Faculdade de Letras.
… O problema das instalações colocou-se de imediato à nova direcção; como consequência solicitou ao governo a cedência do terreno onde se andava a construir o edifício destinado ao Teatro Académico e que ocupava o sítio do antigo Colégio S. Paulo.
A Faculdade de Letras foi construída no local onde outrora se erguia o Colégio de S. Paulo Apóstolo
Fachada do lado Nascente do Colégio de S. Paulo Apóstolo
A entrega deste espaço, onde atualmente se encontram erguidos, grosso modo, a Biblioteca Geral e o Arquivo da Universidade, verificou-se através da sua concessão outorgada pelo ministro do Fomento, António Aurélio da Costa Ferreira e foi festivamente noticiada pela imprensa local.
Para riscar a nova casa universitária encarregaram o arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto, professor na Escola Industrial de Brotero e que já prestava esporadicamente o seu concurso àquela instituição. O Conselho da Faculdade aprovou as plantas e alçados do novo edifício a 31 de julho de 1913.
O profissional, dada a grande envergadura do imóvel, viu aqui a possibilidade de projetar um edifício capaz de comportar os conhecimentos adquiridos na escola lisboeta e aprofundados no estrangeiro, até porque a especificidade do arquiteto reside na liberdade de escolher entre as diversas formas arquitetónicas; trata-se de uma prerrogativa individual, que brota do sentimento e não é filha da razão.
Silva Pinto projetou uma fábrica que patenteava uma fachada equilibrada e harmónica, onde os volumes e o movimento provocado pelas aberturas, pilastras e colunas jogavam com a luz.
Faculdade de Letras primitiva, construção da cúpula
O espaço exterior do edifício apresentava uma forma entre o retangular e o trapezoidal; quanto ao interior, embora ajustando-se ao fim a que se destinava, aproveitava algumas fundações do inacabado, ou melhor, mal começado, Teatro Académico.
O então Diretor da Faculdade de Letras, Doutor António de Vasconcelos, a 12 de dezembro de 1914, escreveu-lhe uma carta a comunicar “que o Conselho da Faculdade de Letras, (...) em sessão hoje celebrada para inauguração da parte já concluída do seu edifício em construção, resolveu por unanimidade que se lançasse na acta um voto de louvor pelo “zelo, saber, competencia e desvelado carinho com que VEx.ª fez o estudo da modificação e adaptação, para instalação da Faculdade de Letras, do antigo projécto do teatro académico, aproveitando quasi toda a obra que já se achava realizada; e com que tem dirigido superiormente os trabalhos de construção do mesmo edifício.
Fazendo esta comunicação a VEx.cia junto aos louvores oficiais a expressão dos meus sentimentos pessoais de grata admiração.
“Saúde e Fraternidade.”
Anacleto, R.; Policarpo, I.P.L. O arquitecto Silva Pinto e a Universidade de Coimbra, em Universidade(s). História. Memória. Perspectivas, vol. 2, Congresso História da Universidade. 7.º centenário. Coimbra, 1991, p. 327-346.
O Arquivo da Universidade de Coimbra apresenta mensalmente um documento do seu vasto e riquíssimo espólio.
No Boletim do mês de agosto deu a conhecer a interessante folha do rosto do Hymno dos Quintanistas de Direito do anno de 1876 a 1877.
PT/AUC/COL/SG – Salema Garção (COL); Documentos Relativos a Coimbra (SR) - cota AUC – VI-3.ª-1-2-28
A imagem do documento é enriquecida com o seguinte texto explicativo:
A despedida dos alunos da Faculdade de Direito, no seu último ano de curso, 5.º ano, em 1876-1877, foi marcante no conjunto de todas as manifestações congéneres. Foi assinalada por uma récita de despedida e por um hino em cuja autoria participaram os dois condiscípulos, o elvense António Simões de Carvalho Barbas e o brasileiro, natural do Rio de Janeiro, António Cândido Gonçalves Crespo1.
Ambos os autores, um na colaboração musical e outro em colaboração poética, manifestavam já o que haveria de ser a sua vida futura, em que não singraram tanto pela carreira do direito, mas sim pela artes.
Efetivamente Simões de Carvalho que adotaria o nome de Carvalho Barbas, viria a ser professor da cadeira de Música que estava anexa à Capela da Universidade, lecionando a partir de 1888, sendo também o fundador, nesse ano, da Estudantina Académica.
Estudantina de Coimbra no ano de 1888 (Photo Moderna. Porto)
Quanto a Gonçalves Crespo, que já era casado com a poetisa Maria Amália Vaz de Carvalho, quando estudante, percorreria junto com sua mulher uma carreira literária e a animação do seu próprio salão literário, até falecer tísico, prematuramente, tendo apenas 37 anos, em 1883. Neste salão conviveram escritores ilustres como Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, etc.
Muitas das récitas de finalistas2 tinham lugar no Teatro Académico que existia no local onde hoje se encontra a Biblioteca Geral e onde antes estivera edificada a antiga Faculdade de Letras.
Colégio real de S. Paulo Apóstolo. Fachada norte (Des. de Giacomo Azzolini)
Sebastião Sanhudo, apontamento de «As festas do Centenário de Camões em Coimbra», in “O Sorvete”, Porto, nº 157, 14.05.1881.
Mas os alunos deslocavam-se também para Teatros fora de Coimbra, no sentido de angariar pecúlio que lhes permitisse organizar as suas festas de finalistas ou contribuir para atos de filantropia. Não esqueçamos que foi com o contributo de donativos angariados com récitas do Orfeão Académico que, em 1882, foi possível inaugurar a construção do primeiro Jardim Escola João de Deus, em Coimbra.
Jardim Escola João de Deus em construção
Este bifólio, de quatro páginas, do qual se apresenta a folha de rosto, contém a partitura para piano, com indicação das vozes e coro, que foi regido por Simões Barbas. É hoje um raro exemplar, pois estes folhetos apenas sobreviveram na posse de bibliófilos e amantes das tradições coimbrãs, como é o caso do colecionador Eng.º Salema Garção que o doou ao Arquivo da Universidade, integrado num acervo conimbricense3.
Por último, uma chamada de atenção para o belo trabalho litográfico, com motivos vegetalistas e grinaldas de flores pendentes, muito ao gosto da época. É visível uma pasta de estudantes, fitada, e decorada, podendo interpretar-se que seja a “pasta de luxo” que começou a ser usada, no final do séc. XIX.
PT/AUC/COL/SG – Salema Garção (COL); Documentos Relativos a Coimbra (SR) – cota AUC – VI-3.ª-1-2-28. Pormenor
Pasta de luxo de um quartanista de Direito. 1934 (Coleção particular)
1 Foi já divulgado um exemplar desta récita de sua autoria, existente na BGUC. Foi representada no Teatro Académico, intitulada Phantasias do Bandarra, e ficou registada na exposição A Universidade de Coimbra e o Brasil: percurso iconobibliográfico. Coimbra: IUC, 2010. p. 176.
2 SILVA, Armando Carneiro da – «As Récitas do V ano». Arquivo Coimbrão (1955), vol. 13, pp. 149-281.
3 PAIVA, José Pedro (coord.) - Guia de Fundos do Arquivo da Universidade de Coimbra. Coimbra: IUC, 2015, pp. 150-151.
Hymno dos Quintanistas de Direito do anno de 1876 a 1877 / Música de A. Simões de Carvalho; Poesia de A. Gonçalve[s] Crespo. Coimbra: Lith. Academica, 1877.
O Orfeão Académico, cuja fundação se deve a João Arroio, em de Outubro de 1880, apresentou-se pela primeira vez em público a 7 de Dezembro, no Teatro Académico.
Orfeão Académico sob a direção de João Arroio
... No programa dos festejos académicos para a inauguração do monumento a Camões, em 1881, constava a 5 de maio, um passeio fluvial até à Lapa dos Poetas. Os barcos largavam do cais da Portagem e, em homenagem à Rainha e a todas as damas que auxiliaram os bazares académicos, partia uma segunda embarcação “conduzindo a sociedade choral do orphéon académico, cantando o hymno de sua Magestade a Rainha e canções populares portuguezas”.
No dia 6 de Maio, teria lugar o ”grande concerto da sociedade choral, orphéon académico” e, nessa noite, no pátio da Universidade iluminado a “sociedade choral do orphéon academico, e uma orchestra de cem a cento e vinte executantes, executarão musicas de compositores portuguezes, canções populares do Minho e Douro, hymnos patrioticos, etc.”.
É no entanto efémera a vida desta primeira formação orfeonista considerada o primeiro grupo coral académico e primeiro orfeão português, já que em 21 de Maio de 1881, realiza a sua última exibição pública.
... Em 1899, o Orfeão Académico, agora sob a fugaz direção de Luís Pinto de Albuquerque, participava no sarau realizado por ocasião do “Centenário da Sebenta”.
... Animado de novo impulso, o Orfeão, em 1908, agora com a entrada de novos estudantes, retomava o ritmo dos ensaios, e, sob a regência de António Joice, então um brilhante aluno do 5.º ano de Direito, tem nesse ano a sua primeira atuação no Teatro Circo em Coimbra... Realizaram ainda viagens a Lisboa, Paris e participaram nas festas comemorativas do centenário de Alexandre Herculano.
Esta segunda formação acabaria igualmente por se dispersar... No entanto, uma importante obra, que felizmente perdura, ficou para testemunho da sua existência, pois aos donativos recolhidos nas suas diversas atuações se deve a edificação do Jardim Escola João de Deus, inaugurado em 2 de Abril de 1911.
O Orfeão ressurgirá de novo, sob a direção de Elias de Aguiar, em 1915.
Orfeão Académico em 1918
... É a partir de 1919 que adquire um caráter de existência permanente, desenvolvendo grande atividade através de inúmeros recitais; nos programas dos concertos consta com regularidade que “o produto das festas organizadas pelo Orfeon Académico de Coimbra reverte a favor do seu cofre de beneficência”, atestando a mesma persistência na ação benemérita em favor de tantas instituições de carácter assistencial.
Arquivo da Universidade de Coimbra. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol XI e XII.1989/1992. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 317-318
Foi primitivamente destinado a clérigos pobres, que quisessem vir formar-se na Universidade.
... D. João III mandou preparar-lhe edifício condigno, aproveitando o terreno e parte das casas arruinadas dos «Estudos-velhos», isto é, da Universidade dionisiana. Seria demolido o velho edifício, e far-se-ia nova construção. Nesse local ergue-se atualmente... o novo edifício da Faculdade de Letras.(o espaço aqui referido é hoje ocupado pela Biblioteca Geral da Universidade)
Colégio Real de S. Paulo, fachada setentrional
Principiou a construção do Colégio em 1550, e sobre a porta principal, a meio da fachada norte, que olhava para a rua Larga de acesso à Universidade, esculpiu-se o escudo das armas reais.
... Foi incorporado na Universidade por carta-régia de 23 de outubro de 1562.
Fez-se com toda a pompa a inauguração solene a 2 de maio de 1563 ... ficou ele sendo um Colégio secular de doutores e licenciados, que se propunham ascender ao magistério universitário, ou a outras posições sociais categorizadas.
... O trajo distintivo dos colegiais ... era, no feitio, perfeitamente igual ao dos de S. Pedro ... mas, desde o século XVII, diverso na cor das becas ... os de S. Paulo também a princípio as tinham roxas, mas depois, no século XVII, para se não confundirem ... passaram a usá-las azuis, e mais tarde, a 9 de janeiro de 1699, deliberaram substituir esta cor pela vermelha, quase cardinalícia, que conservaram até à extinção do Colégio..
Colégio Real de S. Paulo, fachada oriental
Foi funesto ao edifício do Colégio de S. Paulo o terramoto de 1 de novembro de 1755, que se fez sentir com grande violência no bairro alto da cidade de Coimbra. Ficou muito danificado este edifício, e a parte média do seu lanço oriental derruiu. Havia grande perigo em continuarem a habitá-lo.
... Não se demorariam as providências, em breve estava reparado este edifício.
... Depois da extinção do Colégio em 1834, o edifício foi entregue à Universidade... Ali funcionou o Teatro Académico durante quase meio século.
... Por volta da era de 1888 ... foi totalmente demolido ... e principiou-se desde os alicerces a construção dum novo Teatro Académico ... (fevereiro de 1889), pararam as obras, e depois só de longe em longe iam prosseguindo morosamente, Por fim desistiram da continuação, e, decorridos anos de abandono, foi entulhada a parte construída, transformando aquele espaço num terreiro.
... portaria ... de 25 de julho de 1912 ... manda que seja cedido à mesma Faculdade (de Letras) o edifício em construção ... que se destinava ao Teatro Académico ... a Faculdade construiu para si, no lugar do Colégio Real de S. Paulo Apóstolo, aproveitando e adaptando parte da obra já feita, e fabricando de novo tudo o mais.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 225-232, do Vol. I
... nesta cidade desde o remoto ano de 1526 (data em que Gil Vicente pela primeira vez aportou a esta cidade, para representar uma das suas farsas) até ao meado do século XIX, muitas informações se acumularam ...a Coimbra tocou a honra não só por três vezes haver acolhido dentro das suas muralhas o glorioso fundador do teatro popular português, mas de ter sido o genuíno berço do teatro clássico, personificado nos seus mais altos representantes: Jorge Ferreira de Vasconcelos, nascido nos campos do Mondego (em Montemor-o-Velho), que casou nesta cidade, nela escreveu e provavelmente viu representar a sua comédia «Eufrosina», cuja ação aqui decorre; Francisco de Sá de Miranda, natural desta cidade e nela criado, onde escreveu e possivelmente fez também representar as suas comédias «Estrangeiros» e «Vilhalpandas»: e António Ferreira, lente da faculdade de leis, que ensinou e aqui escreveu e viu representar na Universidade a sua tragédia «Castro», de tema medularmente coimbrão, como é a morte de Inês de Castro.
Focando-se a época do renascimento do teatro, no segundo quartel do século XIX, em que – como seu reformador – coube a Almeida Garrett o papel de maior relevo, pode também entrever-se que fora em Coimbra... como autor e ator curioso, preparara as suas primeiras armas para triunfar na difícil tarefa que mais tarde havia de tomar sobre os seus ombros; e foi de Coimbra que, designadamente a partir da fundação da Nova Academia Dramática (1838), o notável escritor recebera o mais apreciável impulso para com êxito acometer o ingente empreendimento da renovação do teatro português que tão felizmente logrou iniciar.
E mais se apurou que nesta cidade se apresentaram, como dramaturgos ou atores amadores, para fainas que os alçapremaram a beneméritos da arte dramática nacional: António Feliciano de Castilho... famoso autor e tradutor de obras da literatura dramática; João de Lemos... autor de um drama famoso; os jurisconsultos Paulo Midósi e António Joaquim da Silva Abranches, autores de peças que tiveram retumbantes sucessos; Francisco Palha, António da Costa, Francisco Soares Franco e Francisco Soares Franco Júnior, e tantos outros, todos filhos da Universidade de Coimbra e aqui tendo estagiado em teatrinhos particulares de amadores ou no Teatro Académico.
... É certo que já nos reinados de D. Sancho I e D. Afonso II aparecem referências a determinada forma dramática, pois que no ano de 1193 o primeiro desses monarcas fez doação de um casal aos dois bobos «Bonamis» e «Acompaniado»... os quais por sua parte se consideraram na obrigação de dar um «arremedilho» ao doador.
Loureiro, J.P. 1959. O Teatro em Coimbra. Elementos para a sua história. 1526-1910. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 3, 4,14
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