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Com esta entrada termina a série sobre tascas de Coimbra da responsabilidade de Carlos Ferrão que geraram um número significativo de visualizações e comentários. Ficamos à espera de mais colaborações
- O TAPA
Localização: Rua das Rãs
O Tapa, na atualidade
O Tapa mantém-se vai para 70 anos, na Rua das Rãs, em plena baixa da cidade. Local muito pequeno, bom para pausas de trabalho ou uma paragem de passeio, beber um copo e andar.
Ganhou o nome, porque nos seus primeiros tempos o copo era acompanhado por uma azeitona que o taberneiro fazia questão de oferecer, retirando-a do pote com uma pequena concha que suportava apenas uma unidade. Ninguém bebia sem um tapa.
Atualmente, tem menu de petiscos e seguindo os princípios da boa dieta mediterrânica há sempre sopa!
O Tapa, publicidade
O lema da casa é: Vir a Coimbra e não ir ao Tapa é o mesmo que ir a Roma e não ver o papa.
- A SENHORA ALEXANDRINA, depois CAROCHA, depois JOÃO BRASILEIRO, hoje RESTAURANTE MONDEGO
Localização: Praça do Comércio n.ºs 109-111
Tasca da Alexandrina, ao fundo, ao lado da torre da Igreja de S. Bartolomeu
Perto da Igreja de S. Bartolomeu, em frente da capelinha do Senhor dos Passos, a senhora Alexandrina, já era matrona madura e muito sabida, começou por se estabelecer com um café, que veio com os tempos a transformar-se em café-restaurante.
A sua ajudante de campo era uma sobrinha que não dava trela a qualquer, mantinha um ar sério e grave.
Tinham uma criada de ordens, a celebrada Marocas, aquela Marocas traquinas… A Marocas era pau para toda a colher, sempre com aqueles sorrisos cativantes metia os fregueses ... na despesa e o caso é que caiam como patos, saindo dali a arrastar-se, envenenados com o absinto requentado no preço, e espatifado na manipulação caseira. Se ficavam mais um momento embalados pelos enguiços da Marocas, retiravam-se depenados. Não era a senhora Alexandrina que lhe incutisse esse espirito de ferrar a unha, a Marocas pagava-se do luxo dos deleites.
A patroa costumava sentar-se numa poltrona na cozinha, que ao mesmo tempo servia de casa de jantar, e a seu lado, por vezes um pouco afastada, a delicada da sobrinha entretida em idílios aéreos com algum estudante idolatrado, meio sentado a seus pés, expondo-lhes as suas paixões assolapadas, que viravam de rumo, apenas ele transpunha os umbrais da porta da rua, fineza que ela retribuía com igual constância!
Mais do que um café, era um autentico club da rapaziada mística, académicos, militares e futricas; palestrava-se, faziam-se sermões laudatórios em cima das mesas, ou recitavam-se poesias improvisadas, onde se testemunhou que Adelino Veiga (o poeta operário), desde tenra idade dos 15 anos, aí iria versejar com facilidade e espontaneidade.
A senhora Alexandrina faleceu em fevereiro de 1886, a sobrinha tinha falecido antes e a Marocas retirou-se para a Beira Alta onde voltou a ter o nome de Maria e ficou o resto da sua vida a recordar algumas das suas paixões!
Passou depois a ser conhecido pelo "Carocha", por atenderem a clientela duas galantes raparigas, tão morenas, como atenciosas, filhas do proprietário, o "Pai Carocha"! Com novo dono, que mal um cliente entrasse dizia sempre: "obrigadinho", ficou conhecido pelo "Obrigadinho".
Tasca do João Brasileiro
Seguidamente entra em cena o Sr. João que vindo do Brasil deu o nome ao estabelecimento de “João Brasileiro” e que não deixou durante a sua gerência que o seu sotaque se perdesse o mesmo fazendo acontecer à qualidade do serviço.
Atualmente é o restaurante "Mondego", sossegado, acolhedor e informal.
Painel de azulegos representando o Calvário aplicado na frontaria do edifício
Carlos Ferrão
- COVA FUNDA DO CAREQUINHA
Localização: Av. João das Regras, um pouco mais a jusante, da antiga ponte de ferro.
Cova Funda, publicidade
À saída da Ponte de Santa Clara, ficava a taberna de Manuel Claro, o conhecido "Carequinha", que possuía magnificas e aprazíveis retiros. O seu proprietário era um homem com muita piada que se tornou popular por mascarar-se todos os anos pelo Carnaval percorrendo as ruas da cidade.
Cova Funda, publicidade
A Cova Funda do “Carequinha” era construída em madeira, género barracão, tinha umas pequenas vitrinas onde expunha brinquedos de lata e de celuloide, bijutarias, alguns artigos religiosos e pequenos livros de histórias que vendia ali e também na Feira de São Bartolomeu. Quem ficasse encantado com o canto dos canários do “Carequinha”, era também ali que os vendia com ou sem gaiola. A taberna, ficava na cave ao fundo de uma escadaria, espaçosa tinha mesas de pinho e bancos. A Cova Funda era um estabelecimento característico, de certa originalidade, em que o cliente encontrava belos petiscos, saborosas frutas, ótimos vinhos das melhores procedências do país e interessantes distrações proporcionadas pelo seu proprietário, Sr. Manuel Fernandes Claro.
Nos dias das feiras dos 7 e 23 a casa estava particularmente cheia, mas era um local muito escolhido para se organizarem almoços de datas comemorativas de formatura e outros.
A Cova Funda do “Carequinha” como era conhecida a casa, acabou em 1951.
- ZÉ NETO
Localização: Rua das Azeiteiras
No princípio, era uma taberna e casa de pasto.
Um dia, em 1956, para melhor receber os clientes, Zé Neto decidiu transformar a taberna e abrir um restaurante.
O Zé Neto. pintura de S. Harrison, 1965 (Coleção Particular)
Eram vários os fatores que tornaram o "Zé Neto" um local de referência. A qualidade e frescura dos produtos, a cozinha familiar e, claro, a presença simpática e diária do Senhor Zé Neto, um homem simples, que faleceu em 2017 com 89 anos e que muito acarinhava todos os que visitavam a sua casa.
O Zé Neto
O ambiente familiar e acolhedor, manteve-se com a sua única filha, D. Esmeralda, licenciada em Engenheira Química, que abdicou da carreira para apoiar os pais no restaurante, e garantia na cozinha, a melhor comida tradicional portuguesa, que marcava todos os clientes e os obriga a voltar.
A sala sempre foi pequena, mas nunca faltou espaço para acolher os amigos que se reuniam em jeito de tertúlia, onde as conversas fluíam entre uma petinga frita ou jaquinzinhos, a famosa açorda de coentros e um bom copo de vinho tinto.
A 3 de Agosto de 2019, foi o último dia que o número 10 da rua das Azeiteiras abriu as portas para servir os clientes.
A alma da Baixa da cidade ficou mais pobre. O Restaurante “Zé Neto” fechou!
Carlos Ferrão
- TIAS CAMELAS
Localização: Ruas Larga e do Borralho, hoje desaparecidas
Rua do Borralho, onde se localizava a tasca das Tias Camelas. In: A Velha Alta … Desaparecida
As Tias Camelas, eram consideradas as Mães da Academia. Tinham a sua taberna na esquina oposta da Associação Académica na Rua Larga também com entrada pela Rua do Borralho.
Sede da AAC, na Rua Larga. In: A Velha Alta … Desaparecida
Um cubículo onde apenas cabia a pipa do vinho, o fogareiro e com dificuldade se acomodavam os frequentadores. Ali, comia-se e bebia-se à farta. Quem não tinha dinheiro não pagava, ou pagava quando podia, às vezes no fim do mês, quando chegava a mesada. As Tias Camelas só recomendavam é que não se esquecessem de pôr um pataco para o Azeiteiro. O Azeiteiro era um Santo António de barro, sempre alumiado por uma torcida de candeia de azeite!
Apesar de ser uma lojinha escura e cheia de fumo, celebrizou-se pelo seu bom peixe frito, vinho e os rapazes literatos e boémios que ali se juntavam. Certamente não faltaram às diversas noites de tertúlia Camilo, Guerra Junqueiro, Trindade Coelho, Gonçalves Crespo ou Silva Gaio. António Nobre deixou-a para sempre imortalizada no seu livro Só e Eça de Queirós recordaria na sua obra A Correspondência de Fradique Mendes.
… tias Camelas, essas encantadoras velhas, que escrupulosamente, através de lascivas gerações de estudantes, tinham permanecido virgens, para poderem no Céu, ao lado de Santa Cecília, passar toda uma eternidade a tocar harpa... Era uma das suas memórias melhores de Coimbra essa taverna das tias Camelas, e as ceias desabaladas que custavam setenta reis, comidas ruidosamente na penumbra fumarenta das pipas, com o prato de sardinhas em cima dos joelhos, por entre temerosas contendas de Metafísica e de Arte. E que sardinhas! Que arte divina em frigir o peixe!”.
A tasca das Tias Camelas foi por assim dizer o cenáculo literário da academia da segunda metade do séc. XIX e João Penha era na Tasca das Tias Camelas o pontífice máximo. As suas palavras de conforto e salvação sossegavam Maria Camela que era uma velhinha magra, um pouco corcovada, de cabelos brancos, olhos grandes e orbitas vermelhas e humedecidos pelo fumo da frigideira. Nunca sentira amor mundano e não sabia para que servissem os homens, a não ser para fregueses de peixe frito e vinho. Acreditava piamente na existência de um coro celeste de onze mil virgens, entre as quais sabia que tinha um lugar... Lamentou-se um dia de já não ser jovem e, assim, não poder candidatar-se ao celeste coro. Para a tranquilizar, João Penha confortou-a com os seus obscuros conhecimentos, dizendo-lhe: sossegue, Tia Maria, eu garanto-lhe que terá o seu lugar reservado num coro muito distinto. Acredite no que lhe digo: há o coro das virgens que o foram por acaso, e o das virgens pelas forças das circunstâncias...
Carlos Ferrão
- JOAQUINA CARDOSA
Localização: R. do Paço do Conde
Tasca da Joaquina Cardosa, finais do séc. XIX
A Joaquina Cardosa, do Paço do Conde foi um dos mais procurados lugares da Coimbra boémia e noctívaga.
A Piedade, a criada da tia Joaquina, uma doce morena de olhos tristes e magoados, punha naquele ingénuo cenário uma nota cheia de pureza e gravidade. Não houve poeta que por lá fosse que a não cantasse e aí está, entre tantas outras, a atestá-lo, essa deliciosa quadra de Afonso Lopes Vieira:
Maria da Piedade
Que nome te foram por,
Tu que não tens piedade
De mim que te tenho amor.
A Piedade, ouvia indiferente todos os galanteios, afável e carinhosa, entre condescendente e compassiva, mas se alguém soltava algum dito mais forte logo discretamente ela desaparecia, silenciosamente.
Tasca da Joaquina Cardosa, inícios do séc. XX
A boa e prazenteira tia Joaquina (Cardosa Marques) retirou-se do negócio nos primeiros anos do século XX, descansando de uma vida de trabalho e retirando-se para uma aldeia nos arredores da cidade. Tão amorável para todos, ainda mais para os seus “filhos” da academia, bem merece, que em sua memória, fique a notabilidade quase glorificadora dos admiradores da sua culinária e da sua resignada paciência…
- MANEL DO SEMINÁRIO
Localização: Rua dos Militares, já desaparecida
Tasca do Manel do Seminário
Em 1896 um antigo “moço de recados” do Seminário Episcopal montou, a meio da Rua dos Militares, por baixo da Real República Ribatejana, a “Loja do Povo”, mercearia, taberna e carvoaria que veio a ser uma das mais famosas tascas da Alta desaparecida e conhecida como “O Manel do Seminário”.
Rua dos Militares, hoje desaparecida. In: A Alta Desaparecida
Após a sua morte, o filho, que ficou com a alcunha do pai manteve o negócio que incrementou e uma das iniciativas de modernidade que tomou foi comprar em 1939 um rádio (novidade nas tascas da Alta) na altura da II Grande Guerra para o fregueses ouvirem os noticiários da BBC. Fechou, já nos anos 50, aquando das últimas demolições da Velha Alta.
Carlos Ferrão
Com esta, iniciamos aqui uma série de entradas que publicaremos às 5.ªs feiras, dedicadas às tascas de Coimbra. Trata-se de um trabalho de Carlos Ferrão que recolheu as imagens e coligiu os textos.
O A’Cerca de Coimbra fica aberto – como sempre está – a acrescentos e outras eventuais participações.
- TASCA DO PRATAS
Localização: R. José Falcão, edifício do antigo Colégio da Trindade
Tasca do Pratas, anos 50 do Séc. XX
Não era uma extensão da Biblioteca Geral como alguns lhe chamavam, nem tão pouco o um lugar onde se preparasse as frequências.
Numa dependência do Colégio da Trindade, com frente para a rua José Falcão, a famosa tasca “O Pratas” deixou mil estórias envolvendo estudantes, professores, funcionários e futricas.
Ana e Armando Pratas
A D. Ana e o Sr. Armando Pratas estavam sempre de sorriso pronto para acolher quem os escolhia para uma "bucha e um copo". Não lhe faltava uma paciência de santo para a estudantada que ali fazia alguns rituais praxistas a mando dos “doutores”, mas sempre de olho nos excessos, nunca deixando ferir a dignidade do caloiro.
Tasca do Pratas, finais do século XX
E assim foi até 2001, quando os "jaquinzinhos", as pataniscas ou as sandes de queijo da Idanha, servidos no “Pratas”, ficaram para a memória!
- JOÃO DE BRITO
Localização: R. de Baixo
Tasca do João de Brito
Nos finais do séc. XIX, o João (Francisco) de Brito era um maravilhoso retiro junto do velho mosteiro de Santa Clara. Era um verdadeiro cenário de balada!
Uma latada, quatro mesas de pinho, uma nora gemente. Ao fundo o rio sereno e doce e lá no alto erguendo-se dominadora a cidade.
Os poetas Eugénio de Castro, Manuel da Silva Gaio, Afonso Lopes Vieira, Guedes Teixeira, D. Tomás de Noronha e tantos outros foram durante anos os seus mais assíduos frequentadores.
Só mesmo quem por lá passou, nos conseguiu deixar com fidelidade uma ideia da poesia estranha nas tardes no João de Brito!
Carlos Ferrão
Fontes: Vicente Arnoso, Tascas de Coimbra em Ilustração Portuguesa, nº 101 de 27 de Janeiro de 1908, citado por Manuel Alberto Carvalho Prata em A Academia de Coimbra (1880-1926): contributo para a sua história.
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