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Natural de Lisboa, onde nasceu a 28 de Fevereiro de 1703, descendente de uma família nobre (seu pai era Tristão da Cunha e Ataide, primeiro conde de Povolide, e sua mãe pertencia à família dos Távoras), viria a escolher Coimbra para lugar dos seus estudos. Foi porcionista do Real Colégio de S. Paulo e frequentou Cânones na Universidade.
D. Miguel da Anunciação. Pintura de Pascoal Parente
Mas depois resolveu entrar para o Mosteiro de Santa Cruz, tendo recebido o hábito a 26 de Abril de 1728, sendo em 1737 eleito geral da congregação.
Em 1739 era apresentado no bispado de Coimbra por D. João V, recebendo a sagração episcopal em Santa Cruz no dia 9 de Abril de 1741.
… Deixou várias Pastorais e atribui-se-lhe uma obra (com o pseudónimo de Pedro Bembo) sobre o sigilismo, intitulada Fundamentos... (Madrid,1768), impressa numa tipografia clandestina de S. Martinho do Bispo.
… Ao tempo de D. Miguel da Anunciação as coisas no Cabido não funcionavam da melhor maneira. Havia discórdias constantes entre o Cabido e os beneficiados, como aliás, embora em menor proporção, noutras diocese do reino.
… a questão só terminou quando Pio VI, pela Bula Christus Dominus Dei Filius, de 20 de Junho de 1778, a pedido do bispo de Coimbra, extinguiu e aboliu perpetuamente as meias conezias e tercenárias da sé de Coimbra e mandou erigir outra nova ordem de benefícios em que aqueles ficassem.
Seminário de Coimbra
Pedra-de-armas de D. Miguel da Anunciação conservada no Seminário maior de Coimbra.
In: Santos, M.M.D. 2010. Heráldica eclesiástica - Brasões de Armas de Bispos-Condes, pg. 140
…. A acção pastoral de D. Miguel da Anunciação foi notável. Visitou amiúde a diocese e incrementou imenso a prática da vida cristã. A ele se deve a criação do Seminário Maior de Coimbra. um dos monumentos mais grandiosos levantados na cidade. e a publicação de várias pastorais. Foi ele o criador da Academia Litúrgica do Mosteiro de Santa Cruz.
Tendo publicado em 8 de Novembro de 1768 uma pastoral-em que condenava a leitura e o uso de certos livros· de autores franceses, isso serviu de pretexto para que em 8 do mês seguinte fosse preso e levado para Pedrouços, onde esteve detido até 1777.
… A 21 de Fevereiro de 1777, três dias antes de morrer, D. José por seu próprio punho escreveu uma ordem em que perdoava ao prelado e autorizava a sua libertação. A 7 de Julho dirigiu D. Maria I a D. Miguel da Anunciação uma carta muito honrosa.
A entrada solene em Coimbra teve lugar no dia 22 de Agosto de 1777. Foi um momento alto da vida de D. Miguel que se via de novo na diocese que Bento XIV lhe atribuira.
Enquanto estivera detido governou a diocese como bispo coadjutor e futuro sucessor, D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, reformador-reitor da Universidade.
… D. Miguel da Anunciação veio a falecer no convento de Semide em 29 de Agosto de 1779, tendo sido sepultado em Santa Cruz.
Rodrigues, M.A. 1982. D. Miguel da Anunciação e o Cabido da Sé de Coimbra. Separata do Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, vol. V.
Originalmente não estava diferenciado o património do bispo e do cabido da Sé de Coimbra. Se inicialmente não existia uma distinção clara entre o que estava na posse da Mitra e o que era administrado pelo cabido, com o tempo esta destrinça formaliza-se, dando, inclusive, origem a conflitos entre ambas as partes, mas concretizando-se finalmente em 1210 numa divisão de rendas do bispado em 2/3 para a Mitra e 1/3 para o Cabido … Da parte atribuída à Mitra, retirava o bispo uma parte para sua sustentação e a outra era destinada a obras necessárias na Sé e para esmolas.
… A administração e a defesa jurisdicional do património episcopal eram feitas por um conjunto de funcionários que diretamente apoiavam o prelado diocesano, como o seu mordomo, procurador, prebendeiro, ecónomo, tabelião privativo, escrivão da receita e despesa e recebedores de rendas e era apoiado pelo escrivão da Câmara Eclesiástica.
… A Mitra pagava vencimentos a ministros e oficiais do Juízo Eclesiástico (provisor, vigário geral, promotor, escrivão das armas, solicitador, porteiro, homens da vara, aljubeiro) e do Tribunal da Inquisição, e também a procuradores e agentes da Mitra em Coimbra, Porto e Lisboa, para resolverem questões administrativas e judiciais. Na Sé de Coimbra, pagava ao guarda da Sé, sineiro e guarda-livros e a todos os membros da capela de música (mestre da capela, subchantre, organista, mestre de oboé, charameleiros, etc.).
O bispo D. João de Melo fundou em 1690 um recolhimento para mulheres convertidas que veio a designar-se posteriormente «Recolhimento do Paço do Conde», quando em 1696 ficou instalado no antigo paço do conde de Cantanhede.
D. João de Melo
Recolhimento do Paço do Conde
… O bispo D. Miguel da Anunciação fundou o Seminário de Jesus, Maria, José, que teve estatutos confirmados por breve do papa Bento XIV de 18 de Dezembro de 1748.
D. Miguel da Anunciação
Esteve inicialmente localizado, em 1741, em casas da freguesia de S. João de Almedina e depois em casas na freguesia de S. Martinho do Bispo, ficando definitivamente instalado em edifício próprio construído entre 1748 e 1765.
Seminário de Coimbra
… O bispo de Coimbra tinha a sua residência no paço episcopal também designado Paço do Bispo, local onde estava instalado o cartório da Mitra. O edifício teve origem em casas compradas na freguesia de S. João de Almedina em 1164, por D. Miguel Salomão, e sofreu diversas alterações nos episcopados de D. Jorge de Almeida e de D. Afonso Castelo Branco, estando nele localizado, desde 1912, o Museu de Machado de Castro. … Possuiu também paço episcopal em Coja e em Arganil, e a quinta de recreio de S. Martinho do Bispo que também foi designada quinta da Mitra.
… Os bens da Mitra eram compostos de rendas dominiais (recolhidas em foros, pensões, rações e laudémios) e rendimentos eclesiásticos (dízimas e primícias). A administração destes bens não deixou de atravessar alguns períodos conturbados, em sede vacante, em que o bispado era administrado por um vigário capitular, sobretudo nos períodos das duas grandes vacaturas, entre 1646-1670 e 1717-1739.
Bandeira, A.M.L., Silva, A.M.D., Mendes, M.L.G. 2007. Mitra Episcopal de Coimbra: descrição arquivística e inventário do fundo documental. Acedido em 2019.04.29, em https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/DIO_MitraEpiscopalCoimbra
Deu-se neste edifício (o do Colégio dos Grilos)... um facto extraordinário e estrondoso, que muito deu que falar, e que eu descrevi há anos num periódico de Coimbra. É interessante. Aqui reproduzo quase integralmente esse meu artigo, com o título que o encimava. Ei-lo:
«Uma tempestade num copo de água»
Entre os numerosos Colégios universitários, suprimidos em 1834, contava-se o dos eremitas descalços de S.to Agostinho, vulgarmente chamados «Grilos», erguido na rua deste nome. Expulsos os proprietários ... foi depois alugado a uma república de estudantes ... Foi em 1844 que o Dr. Forjaz realizou a compra da casa dos Grilos, onde imediatamente se instalou com a sua família, adaptando o vasto edifício a vivenda particular, na qual recebia fidalgamente. Eram afamados, em especial, os bailes que todos os anos dava na noite de Natal.
Querendo aproveitar devidamente a referida sala, que havia sido capela, e que se achava desfeada por um tabique, erguido pelos frades a vedar a janela fronteira à porta de entrada, mandou demolir essa vedação, mas qual não foi a surpresa quando, por trás dela, no grande vão cavado na espessura da parede, se encontrava um altar, cuja urna tinha à frente um vidro, pelo qual se via a gentil figura, ricamente vestida de brocados, de um jovem reclinado, cingindo espadim, bela máscara de cera, abundante cabeleira negra, caindo-lhe em anéis sobre os ombros! Através dos coturnos, das luvas, das vestes divisavam-se os ossos de um esqueleto, embutidos na massa que dava a forma ao corpo.
Era evidentemente um desses esqueletos de Mártires, retirados as catacumbas de Roma, admiravelmente preparados como só lá o sabem fazer, e remetidos de presente pela Santa Sé a algumas igrejas beneméritas.
Martírio de Frutuoso, Eulógio e Augúrio. Séc. XVIII. Pintura catalã
Guardou-se em segredo o precioso achado... Eram as relíquias de S. Frutuoso Mártir, com este nome enviadas de Roma no meado do século XVIII para o Colégio dos Grilos, ao mesmo tempo que vieram também... para o Seminário, as relíquias de S. Liberato, S. Fortunato e S. Clemente, igualmente preparadas, e igualmente autenticadas.
... durante alguns dias observou relativo segredo; mas foram-se abrindo algumas exceções... Rapidamente alastrou pela cidade o rumor de que no colégio dos Grilos aparecera um autêntico Santo de carne e osso; da sensacional notícia irrompeu naturalmente o desejo, em toda a gente, de ir ver por seus olhos tamanha maravilha.
... Não se tratava já do cadáver incorrupto dum Santo: era um Santo vivo, autenticamente vivo, que passava os dias a dormir na urna do seu altar, mas de noite acordava, erguia-se e passeava pelos corredores, umas vezes vestido com o hábito de eremita agostiniano, outras vezes de guerreiro; e ai do atrevido que se arriscasse a aproximar-se, para curiosamente o apalpar! Uma tremenda bofetada do Santo castigava o atrevimento curioso.
Então começam a vir ranchos, multidões, não só da populaça de Coimbra, mas de muitas léguas ao redor; estacionam junto ao edifício dos Grilos, e em gritaria desordenada, e em tumulto ameaçador, exigem que as portas se lhe abram. Tornou-se necessário consentir, dando ingresso, por turnos de doze visitantes; depois duma turma ter visto e orado, saía, e então entrava outa dúzia.
Mas o povo não se sujeitava de boa mente a estas entradas a conta-gotas, e forçavam a porta, e invadiam tumultuariamente a casa, vexando os seus proprietários. Por esta forma o Santo misterioso ia dando ocasião a tumultos graves, a sedições populares perigosas .. Era insuportável a situação... começam a afluir ao paço episcopal requerimentos de várias paróquias e confrarias de Coimbra, a pedirem que lhes seja confiado o corpo milagroso do Santo; pois deve saber-se que já a esse tempo se atribuíam ao famoso Santo grandes milagres, e as ofertas dos beneficiados começavam a afluir em abundância, que prometia rápido aumento.
... resolveu que o Santo fosse trasladado solenemente para o Seminário, onde ficaria exposto à veneração na igreja. Marcou-se para o ato de trasladação o dia da festa da Ascensão do Senhor, 16 de maio daquele ano de 1844.
Foi um ato soleníssimo, que entusiasmou os habitantes de Coimbra, e trouxe muitos milhares de pessoas dos arredores.
... E daí em diante todos os anos, em quinta-feira da Ascensão, vinham numerosos ranchos dos arredores de Coimbra ao Seminário, visitar S. Frutuoso, orar junto dele... esta romaria anual era ainda muito concorrida nos meus tempos de estudantes, e muito depois, até há poucos anos.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 282-286, do Vol. I
Assisti no passado domingo, dia 4 de Junho, pela segunda vez, a um concerto dos seis órgãos da Basílica de Mafra.
Tomei então conhecimento da existência da ECHO (Europae Civitates Historicorum Organorum) que foi fundada em 1997 e tem como objetivo desempenhar um papel unificador em projetos a nível europeu das cidades com órgãos de valor histórico e de origem europeia.
Integram esta rede Alkmaar (Holanda), Bruxelas (Bélgica), Freiberg (Alemanha), Fribourg (suíça), Innsbruck (Áustria), Mafra (Portugal). Toulouse (França), Treviso (Itália) e Trondheim (Noruega).
Órgão da Igreja de Santa Cruz
Coimbra, por direito próprio, podia e devia pertencer a este Rede, porque:
- Dispõe de três grandes órgãos históricos – Igreja de Santa Cruz, Universidade e Sé Nova – recentemente recuperados, e ainda o órgão do Seminário de Coimbra de muito boa qualidade e operacional e o da Igreja do Colégio Novo que foi objeto de recuperação no início da segunda metade do século passado;
Órgão da Capela da Universidade
- Existem ainda nos Concelhos limítrofes dois outros órgãos recentemente recuperados e de valor inestimável: o do Mosteiro de Lorvão (Penacova); e o do Convento de Semide (Miranda do Corvo);
- Teve Coimbra duas escolas de música de referência do nosso País, com produção organística própria: a do Mosteiro de Santa Cruz; e a da Universidade.
De tudo o que atrás refiro sugiro o seguinte conjunto de perguntas:
- Quantas cidades do Mundo se podem orgulhar de um património organístico desta dimensão?
- Depois dos vultuosos investimentos feitos e sendo condição necessária para a boa manutenção destes instrumentos o seu uso regular, o que se tem feito a Cidade para que a mesma aconteça?
- Não tem Coimbra capacidade económica para ter um organista residente que assegure aquele uso regular?
- Não será este um elemento muito importante não só para a vida cultural de Coimbra e da Região onde se insere, bem como para o desenvolvimento do turismo cultural que todos defendem?
- Não é possível a conjugação de vontades entre os Municípios de Coimbra, de Penacova, de Miranda do Corvo, da Diocese, da Universidade, da Misericórdia de Coimbra, da Direção Regional de Cultura do Centro e da Região de Turismo Centro de Portugal, tendo em vista a potenciação do património organístico aqui existente?
Eu tenho as minhas respostas. Acho que todos devem ter as suas.
Rodrigues Costa
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