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Mas os indivíduos que deviam repetir com melhor fortuna os ataques contra a coroa já ocupavam as duas principais sés do reino, a de Braga e a de Coimbra: aquela metropolita; esta a da capital
… Por morte do célebre Estêvão Cabral, o cabido de Braga elegera arcebispo Silvestre Godinho, que partindo para Roma a receber o pálio, só de lá voltara em 1231. Entretanto, o bispo D. Pedro, que no meio da sua loucura fora mais prudente que os outros prelados, evitando as lutas com o poder civil, evitava também agora as consequências da animadversão do clero contra ele por esse facto, dirigindo-se à Itália a depor perante o pontífice o báculo pastoral. Como metropolita de Coimbra, o sucessor de Estêvão Soares foi então incumbido de executar o castigo que o papa resolvera dar àqueles membros do clero conimbricense que com o seu bispo haviam preferido a tranquilidade a correrem os riscos que o resto da sua classe afrontara sem titubear. Gregório IX, encarregando este negócio ao novo arcebispo, ordenava-lhe que expulsasse dos respetivos benefícios todos aqueles que houvessem sido providos pelo bispo depois da sua traição à causa da Igreja; que restituísse os que tinham sido expulsos e atrozmente perseguidos por não quererem obedecer aos ímpios mandados do seu chefe; que desse por nulas as excomunhões fulminadas por D. Pedro depois da sua deslealdade a Estêvão Soares; que, finalmente, privasse do governo da diocese dois sobrinhos do arrependido prelado que este, partindo para Itália, deixara por seus vigários. Se o arcebispo executou à risca as determinações da Cúria ou se na aplicação as modificou, é o que ignoramos. Sabemos só que, falecendo D. Pedro em 1233, antes de dois anos um novo bispo, mestre Tibúrcio, estava eleito para aquela diocese. Era este prelado um dos que no futuro deviam preparar com a queda do trono (deposição de D. Sancho II) a vingança que por anos debalde tentara obter a Igreja.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. IV. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 59 e 60.
Diz-se que, nos últimos tempos, de todas as povoações importantes do reino apenas restava ao rei a capital. Uma tradição, cujos fundamentos são, aliás, incertíssimos, vai acorde com este sucesso, que também carece de certeza absoluta. Refere-se que, partindo Sancho II para Castela, deixara por alcaide de Coimbra um certo Martim de Freitas. Pôs o conde de Bolonha estreito assédio ao castelo. Nem as promessas, nem os combates puderam reduzir os cercados, que no meio das maiores privações resistiram por largo tempo, até que chegou a nova da morte de Sancho em Toledo. Então o leal alcaide, pedindo seguro a Afonso de Bolonha, passou pelo campo dos sitiadores e, dirigindo-se à antiga capital de Espanha, fez abrir o túmulo do rei para com os seus próprios olhos saber se, na verdade, morrera. Certificado do triste sucesso, meteu no braço do cadáver real as chaves do castelo, cuja guarda lhe fora confiada. Depois, tirando-lhas de novo, voltou a Portugal e entregou-as a Afonso, abrindo as portas aos seus soldados; e como o príncipe, admirado de tanta fidelidade, quisesse conservar-lhe a alcaidaria, ele, longe de aceitar, amaldiçoou qualquer dos seus descendentes que recebesse castelo de rei algum e por ele fizesse menagem. A história do cerco de Coimbra, sem ser impossível, não é, porventura, mais que uma destas lendas em que o povo costuma resumir os factos que caracterizam uma época notável e atribuir a um indivíduo só, poetizando-as, as ações que diversos praticaram. Martim de Freitas é o símbolo dos homens que, na queda de Sancho, souberam respeitar o pundonor de cavaleiro e a religião do juramento. Que importa se o cerco de Coimbra foi como a tradição o refere ou se o povo o moldou pelas formas da sua rude mas generosa poeira? Que importa, sequer, que Martim de Freitas existisse, quando os monumentos nos asseguram que Afonso encontrou naquela obra de usurpação a repugnância de muitos ânimos firmes na sua lealdade?
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. IV. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 113 e 114
O argumento, porém, mais decisivo de que todos os meios serviam aos inimigos de Sancho (II) para o oprimir e assegurar a seu irmão a posse do supremo poder, não transitória, mas irrevogável, seria o que se refere acerca do rapto de D. Mécia dos paços de Coimbra, acontecimento que, a ser verdadeiro, devia ocorrer durante a guerra civil de 1246 … Diz-se que Raimundo Viegas de Portocarreiro, um dos irmãos do arcebispo de Braga, acompanhado, provavelmente de outros, entrara disfarçado em Coimbra de envolta com alguns esquadrões de homens de armas do valido Martim Gil de Soverosa. A plena confiança que o rei tinha na gente de guerra deste nobre e valente fidalgo facilitava aos conjurados o acesso do paço, e eles puderam uma noite arrancar dali a rainha e, fugindo, conduzi-la à forte vila de Ourém. Debalde marchou o rei a libertar sua mulher: as tropas do conde de Bolonha, já assenhoreadas do castelo, responderam com tiros e arremessos às intimações do príncipe que, sem forças para os combater, teve de retirar-se. Foi a rainha verdadeiramente roubada? A liberdade com que nos fins deste ano, quando já a Estremadura e boa parte de Portugal obedeciam ao conde de Bolonha, ela dispunha pacificamente em Ourém de várias propriedades, rodeada de parentes e compatrícios seus, um dos quais exercia aí o mais alto cargo militar, a omissão da menor referência a Sancho no diploma que nos instrui do facto, a dificuldade, enfim, de arrancar uma mulher do leito conjugal legitimam as suspeitas de que, a ser exata a tradição, a sua partida de Coimbra fosse mais fuga que rapto. Não devia Afonso (III) poupar os meios de todo o género para assegurar para si a herança do trono, no que, como vimos, logo pensara, e as restrições impostas pela bula de deposição tornavam indispensável, para obter esse fim, impedir que Sancho tivesse um sucessor. Embora o seu primeiro passo na conjuração a que se associara houvesse consistido em promover contra o rei um processo de divórcio, a conclusão da causa seria em todo o caso demorada, e se, antes disso, Sancho tivesse um filho este poderia de futuro invocar contra o conde ou contra a sua dinastia direitos que mais de um exemplo nos diversos reinos de Espanha lhe asseguravam.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. IV. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 107 e 108
João de Abbeville (Cardeal, legado do papa Gregório IX para a Península) tentava reparar os males morais do reino, no parlamento ou cúria solene convocada em Coimbra nos fins de 1228, e cuja reunião, talvez, em parte se deveria à sua influência, induzia o moço e inexperiente príncipe (Sancho II) a cuidar seriamente na repovoação de Portugal. Foi, pelo menos ele que naquela assembleia, em que se achavam juntos os prelados, os barões e a máxima parte da fidalguia, contribuiu principalmente para se tratar da restauração de Idanha-a-Velha, antiga sede do bispado egitaniense; restauração que indiretamente ia promover o aumento da população não só na Beira Baixa mas também no Alto Alentejo, para onde essa diocese se dilatava então.
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O poder achava-se nos princípios de 1229 definitivamente constituído, em grande parte com os elementos do reinado anterior, o que tudo indica ter-se devido à assembleia de Coimbra, onde não podiam deixar de patentear-se na sua nudez os danos que os bandos civis haviam causado ao reino. Durante este ano e o seguinte vemos Sancho dedicar-se especialmente à repovoação dos territórios mais próximos das fronteiras do Alentejo e aos preparativos para novas expedições contra os muçulmanos.
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Tomadas as providências para realizar o estabelecimento de novas colónias no Norte do Alentejo, o rei partiu (em 1232) de Coimbra e, dirigindo-se àquela província, abriu a campanha, renovando os melhores dias do reinado de Afonso I.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. IV. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 32, 34 e 51
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