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AINDA S. TOMÁS DE VILA NOVA NA SÉ DE COIMBRA
Na sacristia da Sé Nova pode ver-se um quadro de pintura que facilmente se relaciona com a mudança de titular na capela da nave da igreja, de S. Francisco Xavier para S. Tomás de Vila Nova. Representa o santo bispo de Valência e está datado de 1676, ano em que o seu culto já devia ser bem conhecido dos cónegos da Sé e das gentes de Coimbra.
Sé Nova, quadro de S. Tomás de Vila Nova
Tomás de Vila Nova é uma das figuras gradas da igreja espanhola do século XVI, a par com outros místicos. É designado como o “S. Bernardo espanhol” pela sua teologia sobre a Virgem Maria, o amor divino e a pastoral. Nasceu em Fuenllana em 1486, mas a sua juventude decorre em Vila Nova dos Infantes, donde adotou o nome quando ingressou na congregação dos agostinianos. Desde a meninice deu provas de comovente caridade, privando-se de tudo pelos pobres. Em 1518 foi eleito superior dos agostinianos e em 1545 bispo de Valência, cargos que aceitou com relutância. Organizou várias formas de assistência a donzelas pobres e sem dote, doentes e crianças abandonadas. Para estas criou um orfanato dando-lhes o abrigo, cuidados e carinho. Chegou ao ponto de dar a sua própria cama, pois não tinha, de momento, outra coisa que dar. Mas não se limitava a dar esmolas: procurava combater a pobreza de uma forma ativa, dando trabalho aos desprotegidos. Dono de uma formação cultural fortíssima, é autor de belos sermões e obras místicas, como o Sermão do Amor de Deus e o Comentário ao Cântico dos Cânticos.
Sé Nova, quadro de S. Tomás de Vila Nova, pormenor
Gaspar de la Huerta, um dos mestres do Século de Ouro espanhol. Nasceu em 1645 e morreu em 1714. A sua vida decorre sobretudo em Valência, onde desenvolveu atividade e foi muito apreciado. Lamentavelmente grande parte das pinturas que executou para igrejas e conventos já não existe, pelo que a tela da Sé alcança um valor reforçado.
S. Tomás de Vilanova 1
As excelentes relações entre os cabidos das sés de Coimbra e Valência poderão justificar a existência do quadro de 1676 e do culto ao santo valenciano. Aproveitando essa maré, o cabido de Coimbra pediu ao de Valência uma relíquia do santo. Este não só ofereceu a relíquia como a própria imagem, também de cunho realista. Uma e outra chegaram a Coimbra em 18 de janeiro de 1687, sendo conduzidas em solene procissão, presidida pelo bispo D. João de Melo, desde S. Francisco da Ponte até à Sé. Nesse mesmo ano de 1687 se erigiu na Sé a Irmandade do Glorioso Santo Tomás de Vila Nova. A imagem encontra-se no altar da Sé Nova, com vimos, e o relicário foi parar ao Museu Machado de Castro.
S. Tomás de Vilanova 2
Quando se fez a mudança da Sé Velha para a igreja dos jesuítas, o forte culto a S. Tomás de Vila Nova impôs a nova entronização da sua imA pintura que se guarda na sacristia da Sé, não obstante se encontrar em mau estado de conservação, é um documento expressivo da vida e obra deste santo. Num primeiro plano é representado Tomás de Vila Nova, sentado, paramentado de pluvial e mitra episcopal, como homem de idade madura e de face bem vincada, exprimindo afeto. Estende as mãos para dar esmola a uma criança que a recebe de olhar ansioso. A seu lado e um pouco mais à frente vê-se um velho pedinte, arrimado a um bordão e de joelhos em terra. Completam a cena cinco outros pobres de aspeto sofredor. Por detrás do santo, eleva-se um clérigo ancião, de cruz alçada. Todas as figuras são de notável vigor e realismo nas feições e atitudes, autênticos retratos, exprimindo expectativa, sofrimento, compaixão. Por fim o cenário cria o ambiente com formas arquitetónicas austeras, donde emergem ainda dois outros vultos humanos.
Trata-se de uma composição notável de um grande artista. Infelizmente o estado de conservação da tela não deixa perceber todos os pormenores, designadamente a tão importante expressão da cor. O pintor encontra-se identificado, pois o quadro está assinado: agem. O quadro integrou a sacristia, onde convive bem com as cenas das vidas de Santo Inácio e S. Francisco Xavier. Possa esta chamada de atenção para a pintura de Gaspar de la Huerta permitir que se encare como obra prioritária o seu restauro.
Nelson Correia Borges
In: Correio de Coimbra, n.º 4714, de 8 de Novembro de 2018
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