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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 09.04.20

Coimbra: Igreja de S. Martinho do Bispo

A reconquista de Coimbra por D. Fernando Magno, em 1064, foi a viragem decisiva para a região, doravante definitivamente em posse dos cristãos. À frente da cidade de Coimbra e de toda a região, D. Fernando colocou um moçárabe, o alvasil D. Sisnando para que a povoasse e defendesse dos mouros. O sábio governo de D. Sisnando resultou em grande progresso para a região: foram construídos castelos, edificadas casas, plantadas vinhas e arroteadas terras. É neste contexto que surge a figura do abade Pedro, vindo da região em poder da moirama. A 26 de Abril de 1080, D. Sisnando dou-lhe terras a sul do Mondego que ele diligentemente repovoou. O abade Pedro edificou aí, próximo à cidade, a igreja de S. Martinho, dando origem a uma das mais populosas freguesias rurais do país, mas hoje plenamente absorvida no perímetro urbano de Coimbra.
Em 24 de Fevereiro de 1094 o abade Pedro doou os seus domínios à Sé de Coimbra, onde avultava a igreja edificada à sua custa e dotada com as casas necessárias, vinhas e outras árvores e ainda uma torre de defesa. Os bispos continuaram a obra de repovoamento e de valorização da igreja. Em 1104 o bispo D. Maurício concedeu carta de povoação, espécie de foral, reformada por D. Bernardo, em 1141. Aqui mantiveram os bispos de Coimbra uma quinta de veraneio e também se refugiaram das cheias do Mondego, no século XVI, as freiras do convento de Santana, numa quinta doada pelo bispo D. João Soares.
Da igreja medieval, que sabemos ter sido protegida por muros e torres de defesa, praticamente nada resta. Foi renovada em tempos posteriores, com se vê pela porta principal, seiscentista, de frontão curvo interrompido, e pela torre dos sinos, datada de 1733 por um discreto relógio de sol. A torre encontra-se afastada do corpo da igreja e em quase alinhamento com a porta principal. Sabe-se que houve obras na igreja e residência paroquial contratadas pelo carpinteiro de Coimbra Xavier Gomes da Costa em 19 de julho de 1739.
A igreja atual começou a edificar-se em 1754. Em 18 de novembro desse ano a obra das paredes e frontispício foi contratada pelos pedreiros José Ribeiro Facaia e José Francisco Botas, por 780$000 réis. Logo a 20 foi feito contrato com os carpinteiros Custódio Gonçalves, Domingos Gonçalves e José Gonçalves para a obra de carpintaria, por 290$000 réis.

Igreja S. Martinho do Bispo, exterior.jpgIgreja S. Martinho do Bispo, exterior. Foto Nelson Correia Borges

A fachada é de simples traçado, com dois corpos laterais vincados por pilastras unindo-se ao central mais alto por arco decorativo. No corpo central rasga-se um arco de volta perfeita, formando pequeno átrio abobadado. Aqui se encontra sepultado o padre António da Cunha Rebelo, certamente o mentor da renovação da igreja, como o epitáfio de 1780 humildemente deixa entender.
O corpo da igreja é amplo, de larga nave com cobertura lígnea em caixotões retangulares, aparentado com o de S. Bartolomeu de Coimbra, da mesma época.

Igreja S. Martinho do Bispo, capela mor.jpgIgreja S. Martinho do Bispo, capela mor. Foto Nelson Correia Borges

A capela mor profunda segue o mesmo tipo espacial.
O topo da igreja, acima do degrau, constitui um outro espaço, outrora separado por teia, como área mais sagrada. Aqui se encontra o revestimento azulejar, os altares laterais e colaterais e a capela-mor.
O retábulo principal é da primeira metade do século XVIII, com colunas torsas de grinalda no cavado, remate de anjos segurando festões de flores e mostrando as insígnias de S. Martinho. O trono e o camarim incluem elementos anteriores e posteriores.

Igreja S. Martinho do Bispo, altar lateral.jpgIgreja S. Martinho do Bispo, altar lateral. Foto Nelson Correia Borges

Os retábulos colaterais e laterais são excelentes exemplares do estilo rococó coimbrão. Os colaterais, geminados, foram executados pelo notável entalhador Domingos Moreira, autor de vários outros trabalhos de igrejas de Coimbra e da região, morador em Santa Clara, com contrato lavrado em 28 de março de 1757. Custaram 215$000 réis. Mostram colunas de capitéis compósitos, concheados sóbrios e remate elaborado de volutas sobrepostas, com querubins e cabecitas aladas.
Os laterais, de idêntica estrutura, têm remates mais movimentados, com volutas em avanço e glórias solares. Todos os retábulos se encontram marmoreados de lápis-lazúli com dourados, o que aliado à azulejaria confere ao conjunto uma interessante nota cromática.

 

Igreja S. Martinho do Bispo, azulejos pormenor.jpgIgreja S. Martinho do Bispo, azulejos pormenor. Foto Nelson Correia Borges

Os painéis de azulejo recortados são de fabrico coimbrão, provavelmente da oficina de Salvador de Sousa Carvalho. Na capela-mor representam S. Martinho celebrando e Aparição de Cristo a S. Martinho. No espaço dos retábulos, S. Domingos, Santo António e Última Ceia e Senhora da Conceição.
Entre as esculturas destaca-se a de S. Martinho, do século XVII e, da segunda metade do século XVIII, as de Senhora dos Remédios e Senhora da Conceição. Há ainda uma bandeira processional pintada por Pascoal Parente, em 1756 com Cristo crucificado e a Senhora do Rosário. A tela que preenchia o camarim do altar-mor, já de 1877, encontra-se agora no corpo da nave da igreja.
Nelson Correia Borges

In: Correio de Coimbra, n.º 4781, de 2 de abril de 2020

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por Rodrigues Costa às 11:35

Quinta-feira, 23.05.19

Coimbra: Mitra Episcopal de Coimbra 2

Originalmente não estava diferenciado o património do bispo e do cabido da Sé de Coimbra. Se inicialmente não existia uma distinção clara entre o que estava na posse da Mitra e o que era administrado pelo cabido, com o tempo esta destrinça formaliza-se, dando, inclusive, origem a conflitos entre ambas as partes, mas concretizando-se finalmente em 1210 numa divisão de rendas do bispado em 2/3 para a Mitra e 1/3 para o Cabido … Da parte atribuída à Mitra, retirava o bispo uma parte para sua sustentação e a outra era destinada a obras necessárias na Sé e para esmolas.
… A administração e a defesa jurisdicional do património episcopal eram feitas por um conjunto de funcionários que diretamente apoiavam o prelado diocesano, como o seu mordomo, procurador, prebendeiro, ecónomo, tabelião privativo, escrivão da receita e despesa e recebedores de rendas e era apoiado pelo escrivão da Câmara Eclesiástica.
A Mitra pagava vencimentos a ministros e oficiais do Juízo Eclesiástico (provisor, vigário geral, promotor, escrivão das armas, solicitador, porteiro, homens da vara, aljubeiro) e do Tribunal da Inquisição, e também a procuradores e agentes da Mitra em Coimbra, Porto e Lisboa, para resolverem questões administrativas e judiciais. Na Sé de Coimbra, pagava ao guarda da Sé, sineiro e guarda-livros e a todos os membros da capela de música (mestre da capela, subchantre, organista, mestre de oboé, charameleiros, etc.).
O bispo D. João de Melo fundou em 1690 um recolhimento para mulheres convertidas que veio a designar-se posteriormente «Recolhimento do Paço do Conde», quando em 1696 ficou instalado no antigo paço do conde de Cantanhede.

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D. João de Melo

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Recolhimento do Paço do Conde

… O bispo D. Miguel da Anunciação fundou o Seminário de Jesus, Maria, José, que teve estatutos confirmados por breve do papa Bento XIV de 18 de Dezembro de 1748.

D. Miguel da Anunciação. Pascoal Parente.jpg

D. Miguel da Anunciação

Esteve inicialmente localizado, em 1741, em casas da freguesia de S. João de Almedina e depois em casas na freguesia de S. Martinho do Bispo, ficando definitivamente instalado em edifício próprio construído entre 1748 e 1765.

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Seminário de Coimbra

O bispo de Coimbra tinha a sua residência no paço episcopal também designado Paço do Bispo, local onde estava instalado o cartório da Mitra. O edifício teve origem em casas compradas na freguesia de S. João de Almedina em 1164, por D. Miguel Salomão, e sofreu diversas alterações nos episcopados de D. Jorge de Almeida e de D. Afonso Castelo Branco, estando nele localizado, desde 1912, o Museu de Machado de Castro. … Possuiu também paço episcopal em Coja e em Arganil, e a quinta de recreio de S. Martinho do Bispo que também foi designada quinta da Mitra.
… Os bens da Mitra eram compostos de rendas dominiais (recolhidas em foros, pensões, rações e laudémios) e rendimentos eclesiásticos (dízimas e primícias). A administração destes bens não deixou de atravessar alguns períodos conturbados, em sede vacante, em que o bispado era administrado por um vigário capitular, sobretudo nos períodos das duas grandes vacaturas, entre 1646-1670 e 1717-1739.

Bandeira, A.M.L., Silva, A.M.D., Mendes, M.L.G. 2007. Mitra Episcopal de Coimbra: descrição arquivística e inventário do fundo documental. Acedido em 2019.04.29, em https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/DIO_MitraEpiscopalCoimbra  

 

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por Rodrigues Costa às 10:08

Terça-feira, 11.12.18

Coimbra: Sé Nova, o quadro de S. Tomás de Vila Nova

AINDA S. TOMÁS DE VILA NOVA NA SÉ DE COIMBRA
Na sacristia da Sé Nova pode ver-se um quadro de pintura que facilmente se relaciona com a mudança de titular na capela da nave da igreja, de S. Francisco Xavier para S. Tomás de Vila Nova. Representa o santo bispo de Valência e está datado de 1676, ano em que o seu culto já devia ser bem conhecido dos cónegos da Sé e das gentes de Coimbra.

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Sé Nova, quadro de S. Tomás de Vila Nova

Tomás de Vila Nova é uma das figuras gradas da igreja espanhola do século XVI, a par com outros místicos. É designado como o “S. Bernardo espanhol” pela sua teologia sobre a Virgem Maria, o amor divino e a pastoral. Nasceu em Fuenllana em 1486, mas a sua juventude decorre em Vila Nova dos Infantes, donde adotou o nome quando ingressou na congregação dos agostinianos. Desde a meninice deu provas de comovente caridade, privando-se de tudo pelos pobres. Em 1518 foi eleito superior dos agostinianos e em 1545 bispo de Valência, cargos que aceitou com relutância. Organizou várias formas de assistência a donzelas pobres e sem dote, doentes e crianças abandonadas. Para estas criou um orfanato dando-lhes o abrigo, cuidados e carinho. Chegou ao ponto de dar a sua própria cama, pois não tinha, de momento, outra coisa que dar. Mas não se limitava a dar esmolas: procurava combater a pobreza de uma forma ativa, dando trabalho aos desprotegidos. Dono de uma formação cultural fortíssima, é autor de belos sermões e obras místicas, como o Sermão do Amor de Deus e o Comentário ao Cântico dos Cânticos.

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Sé Nova, quadro de S. Tomás de Vila Nova, pormenor

Gaspar de la Huerta, um dos mestres do Século de Ouro espanhol. Nasceu em 1645 e morreu em 1714. A sua vida decorre sobretudo em Valência, onde desenvolveu atividade e foi muito apreciado. Lamentavelmente grande parte das pinturas que executou para igrejas e conventos já não existe, pelo que a tela da Sé alcança um valor reforçado.

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S. Tomás de Vilanova 1

As excelentes relações entre os cabidos das sés de Coimbra e Valência poderão justificar a existência do quadro de 1676 e do culto ao santo valenciano. Aproveitando essa maré, o cabido de Coimbra pediu ao de Valência uma relíquia do santo. Este não só ofereceu a relíquia como a própria imagem, também de cunho realista. Uma e outra chegaram a Coimbra em 18 de janeiro de 1687, sendo conduzidas em solene procissão, presidida pelo bispo D. João de Melo, desde S. Francisco da Ponte até à Sé. Nesse mesmo ano de 1687 se erigiu na Sé a Irmandade do Glorioso Santo Tomás de Vila Nova. A imagem encontra-se no altar da Sé Nova, com vimos, e o relicário foi parar ao Museu Machado de Castro.

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S. Tomás de Vilanova 2

Quando se fez a mudança da Sé Velha para a igreja dos jesuítas, o forte culto a S. Tomás de Vila Nova impôs a nova entronização da sua imA pintura que se guarda na sacristia da Sé, não obstante se encontrar em mau estado de conservação, é um documento expressivo da vida e obra deste santo. Num primeiro plano é representado Tomás de Vila Nova, sentado, paramentado de pluvial e mitra episcopal, como homem de idade madura e de face bem vincada, exprimindo afeto. Estende as mãos para dar esmola a uma criança que a recebe de olhar ansioso. A seu lado e um pouco mais à frente vê-se um velho pedinte, arrimado a um bordão e de joelhos em terra. Completam a cena cinco outros pobres de aspeto sofredor. Por detrás do santo, eleva-se um clérigo ancião, de cruz alçada. Todas as figuras são de notável vigor e realismo nas feições e atitudes, autênticos retratos, exprimindo expectativa, sofrimento, compaixão. Por fim o cenário cria o ambiente com formas arquitetónicas austeras, donde emergem ainda dois outros vultos humanos.
Trata-se de uma composição notável de um grande artista. Infelizmente o estado de conservação da tela não deixa perceber todos os pormenores, designadamente a tão importante expressão da cor. O pintor encontra-se identificado, pois o quadro está assinado: agem. O quadro integrou a sacristia, onde convive bem com as cenas das vidas de Santo Inácio e S. Francisco Xavier. Possa esta chamada de atenção para a pintura de Gaspar de la Huerta permitir que se encare como obra prioritária o seu restauro.

Nelson Correia Borges
In: Correio de Coimbra, n.º 4714, de 8 de Novembro de 2018

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por Rodrigues Costa às 09:24

Terça-feira, 03.01.17

Coimbra: A Refundação da Universidade em 1308

A Universidade estabeleceu-se em Coimbra no ano de 1308.

Não é agora difícil a reconstituição dos factos.

A Universidade não dera em Lisboa os resultados que D. Dinis esperava ... A rapaziada distraia-se muito e estudava pouco, por isso o aproveitamento não podia ser grande.

... Para atalhar estes males, e tirar do seu querido Estudo as maiores vantagens, lembrou-se então D. Dinis de criar uma «cidade universitária», um meio especial apropriado ao desenvolvimento das letras e das ciências. No qual se implantasse o Estudo «irradicabiliter», como parte integrante, essencial e característica do seu organismo.

... Olhou para todo o país ... e neste relancear de olhos fixou-se-lhe desde logo a vista numa cidadezinha minúscula mas cheia de encantos, emoldurada num quadro surpreendente de verdura, com recamos e matizes de frutos e de flores, por onde serpeava o mais poético de todos os rios: um quadro esse tão belo, qual a sua viva imaginação de trovador nunca sonhara outro que mais lindo fosse.

Coimbra era a terra portuguesa, que melhores condições reunia para poder ser a cidade universitária.

Situada no centro do país, a sua posição geográfica facilitava à juventude de uma e de outra extremidade de Portugal o virem ao Estudo. O Mondego que lhe corria ao pé, de leito estreito e fundo, ainda não entulhado pelas areias, navegável umas poucas de léguas para o interior, e dando fácil acesso pela foz aos barcos de navegação costeira, que aproveitavam as marés que então se faziam sentir até Coimbra, era uma boa via de comunicação a aproveitar no transporte de géneros e manutenções para a população académica.

A suavidade do clima, que aqui se gozava, muito superior à de hoje, efeitos das grandes florestas que vestiam as montanhas e serranias, próximas ou distantes, que cerravam o horizonte; o encanto desta terra e da sua paisagem, iluminada por uma luz suavíssima, de tons infinitamente variados ; a poesia do seu rio, orlado de belos arvoredos, irrigando campos fertilíssimos e matizados de flores, o que, tudo junto, fez exclamar a um estrangeiro visitante, fr. Vicente Justiniano, geral da ordem de S. Domingos, depois de ter contemplado a cidade e seus arrabaldes - «Vidimus urbem úndique ridentem»; as lendas poéticas, graciosas ou heroicas, a ela vinculadas; as tradições de valor, de virtude, de patriotismo, que entreteciam a sua história gloriosa: todos estes predicados reunidos faziam de Coimbra uma terra eminentemente apta a ser transformada em cidade universitária, onde a juventude encontraria um meio admirável para o estudo das ciências e das letras, para a educação das faculdades intelectuais e afetivas, para formação do caráter.

Pequena, de vida tranquila e pouco movimentada. Esta cidade não continha no seio, como Lisboa, elementos perturbadores, que arrancassem os estudantes às suas lucubrações escolares.

A índole boa, pacífica, ordeira dos habitantes prometia que a conjugação dos dois elementos heterogéneos, o antigo elemento popular, e o elemento universitário que de novo nela se introduzisse, se realizaria naturalmente, sem atritos de gravidade. Escolas havia já aqui, onde se professavam as ciências eclesiásticas com mais ou menos desenvolvimento, na catedral, no mosteiro de S. Cruz, e nos conventos de S. Domingos e de S. Francisco: eram elementos de valor a aproveitar, para complemento da instituição universitária, que até agora, em Lisboa, vegetara pobre e raquítica.

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 78-82, do Vol. I

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por Rodrigues Costa às 09:44

Terça-feira, 13.09.16

Coimbra: o tempo de gestação de Portugal 3

O facto de Afonso Henriques em 1128 ter derrotado a mãe em São Mamede pode não ter acontecido apenas com o assentimento dos magnates portucalenses que o promoviam, nos quais o arcebispo de Braga se incluía, mas ainda com o apoio tácito ou talvez mesmo formal do próprio rei de Leão, Afonso VII, com quem ... numa primeira fase do seu domínio, parece ter mantido excelentes relações ...pelo menos antes da mudança do infante para Coimbra, em 1130, não se detetaram hostilidades ou problemas.

... durante o reinado de Afonso Henriques, parece-me inegável a influência determinante que os arcebispos e o seu cabido tiveram na nomeação e no tipo de chanceleres do rei. Talvez não seja uma coincidência que a maioria destes homens provenha do cabido da sé de Braga, e que possam ser relacionados de uma forma ou de outra com os meios crúzios de Coimbra, o mosteiro em cuja fundação e vida o arcebispo João Peculiar teve papel tão destacado ... pelo menos cinco dos chanceleres de Afonso Henriques saíram do cabido de Braga, e muitos dos seus notários e escribas tinham sido recrutados nos meios conimbricenses, na sé de Coimbra e no Mosteiro de Santa Cruz.

... parece provado, que os documentos da chancelaria eram guardados em Santa Cruz de Coimbra nesta primeira fase, a hipótese de que, embora os arcebispos de Braga não exercessem a chancelaria régia diretamente, deveriam ter em Santa Cruz de Coimbra um reduto de influência considerável.

Coimbra é sem dúvida o ponto focal do reinado de Afonso Henriques, quer por ser o núcleo urbano para onde o jovem infante vai transferir o centro de ações quer pelo que representa culturalmente e intelectualmente, na confluência de uma fortíssima tradição moçárabe com os representantes das novas correntes filosóficas e religiosas, encarnados nos cónegos da sé, nos crúzios de Santa Cruz de Coimbra e na influência crescente dos cistercienses de Alcobaça.

Branco, M.J. Antes da independência de Portugal. In Portugal e Espanha. Amores e desamores. Volume I. Coordenação de Matos, A.T., Costa, J.P.O. e Carneiro, R. 2015. Lisboa. Círculo de Leitores. Pg. 84, 80, 90 e 91, 93

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por Rodrigues Costa às 13:33

Terça-feira, 14.06.16

Coimbra: Primórdios da Universidade 1

Depois da “Reconquista Cristã” de Coimbra e ainda no tempo de Fernando Magno, cerca do ano de 1070, surgiu a primeira escola catedralícia instituída em Portugal, fruto da vontade do Conde Dom Sisnando e do Bispo Dom Paterno. Esta “Escola de Santa Maria”, funcionando à sombra da Catedral (hoje a Sé Velha), destinava-se a jovens que pretendessem seguia a carreira eclesiástica. E, na esteira desta, outras escolas episcopais se fundaram até finais do século XI, nomeadamente em Braga e Lisboa.

A este primeiro surto do ensino no território que hoje é Portugal, seguiram-se, desde logo... as escolas monásticas, de que se destacam as escolas de Santa Cruz de Coimbra, dos cónegos regrantes de Santo Agostinho... que havia sido fundado pelo nosso primeiro rei, ela em pouco tempo se transformou num verdadeiro difusor de cultura. Foi efetivamente do Mosteiro dos Crúzios que saíram alguns dos maiores expoentes da intelectualidade portuguesa naquela época, como são os casos de Fernando de Bulhões, o nosso Santo António, que se tornou um dos maiores teólogos do seu tempo e que levou a sua sabedoria até Montpellier, Pádua e Tolosa, e Frei Gil de Santarém.

Poderá dizer-se que neste período pré-universitário o Real Mosteiro de Santa Cruz funcionou como uma autêntica universidade, continuando a atuar nesse sentido ao longo de vários séculos, mesmo depois da fundação da universidade portuguesa.

Desde muito cedo começaram os monges de Santa Cruz a enviar os seus religiosos mais distintos à Universidade de Paris e, estes, ou ficavam por aquelas paragens ensinando, ou regressavam especializados em várias ciências, desde a Teologia à Medicina.

... D. Sancho I tinha estabelecido a sua corte em Coimbra e haveria nesta cidade, naquela época, “Mestres de boas artes e ciências” ... É neste sentido mesmo sentido que se orienta a carta de doação de 14 de Setembro de 1192, onde D. Sancho I afirma: “Dou e concedo ao Mosteiro de Santa Cruz quatrocentos morabitinos da minha fazenda para sustentação dos cónegos do dito mosteiro que estudam em França”.

Assim, não será de admirar que, nesta nossa Idade Média, o Mosteiro de Santa Cruz se constituísse como o grande aglutinador da cultura e da intelectualidade, podendo ombrear, ao nível do ensino que ministrava e dos seus Mestres, com algumas das universidades que gradualmente iam surgindo na Europa. E, para um melhor aproveitamento do ensino, criou a sua própria escola de calígrafos que produziu e reproduziu muitas obras de valor, num tempo em que os códices eram tidos como coisa valiosa e rara.

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 13 a 15

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por Rodrigues Costa às 22:23

Terça-feira, 26.04.16

Coimbra: o Cabido e o Bispo na aclamação de D. João IV

A 4 de x.bro de 1640 chegou a esta Cidade noua q a Cidade de lx.a tinha levantado e aclamado ao Serenissimo s.or Dom Joaõ Duq de Brag.ca Por Rey destes Reinos de Portugal, e deste Successo teue o Illmo sor Bispo Conde nosso prelado huã Carta dos Ill.mos s.res Arcebispos de lx.a e Bragua Como governadores levantados pello pouo a qual naõ comunicou ao Cabido e a 7, do mesmo mandou o Cabido Dous s.res Capitulares a uizitar o s.or Bpõ. e consultar o q deuiamos fazer por esta Cidade ter feito o mesmo levantamento e acclamaçaõ de q naõ resultou couza alguã nem uerem os ditos s.res capitulares a Carta q tinha S. Ill.ma dos s.res Arcebispos governadores; So q se esperasse mayor certeza; e aos 8. dias do mesmo tornaraõ os mesmos s.res de parte do Cabido a dizer a S. Ill.ma q pareceria bem fazerse logo a demonstracaõ de Alegria ... e q nada queria o Cabido sem o Comunicar a S. Ill.ma respondeo o s.or Bpõ q assi lhe pareçia bem, q tinha mandado hu próprio q em uindo cõ noua certeza se faria a demonstração; e logo o Cabido ordenou q se continuasse o fogo de poluara q se estaua fazendo. e preparassem mtas luminárias para se porem na See e cada s.or Capitular as poria também em suas Cazas. e se chamou para nomear senhores q fossem beijar a mão e dar a obediencia a S. Mag.de ... os quais estaraõ na Cidade de lx.a ate fim deste mês de dezembro ... e logo tornaraõ outros dous senhores capitulares comunicar ao s.or Bpõ a demonstração q se hauia de fazer de luminárias e procissão; e o s.or Bpõ assentou com os ditos s.res q 5ª fr.a 13. Deste mês, poriaõ luminárias, e na 6.a fr.a pella tarde fariaõ pcissaõ.

 

... Aos quinze de desembro de 1640 assentou o Cabido q se passassem prouizois paras as Camaras dos nossos Coutos a saber Tauarede, Villa noua de Mocarros. Agim, Paredes, e Val de todos, fazendo-lhe saber em Como nosso sor fora seruido darnos por Rey o serenissimo senhor Dom Joaõ o quarto Duq de Brag.ca

 

Almeida, M.L. 1973. Acordos do Cabido de Coimbra. 1580-1640. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XXVI. Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra. Pg. 375 e 376

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:40

Segunda-feira, 25.04.16

Coimbra: conflitos do Cabido da Sé com o bispo D. João Mendes de Távora 2

Aos vinte, E hum dias do mês de Dezembro de 1638... acabada a prima E terça no Choro de sima E decendo o Cabido, E mais Beneficiados pera a Cappella mor, e Estando todos assentados nella; subio ao púlpito hum Cappellaõ do senhor Bispo Conde, E antes de se começar a Missa leo hum papel, que continha o seguinte.

... fazemos saber, que desejando nós que se guarde inteiramente o Ceremonial Romano, julgamos, que era coueniente atalhar alguns abuzos, que de poucos anos a Esta parte se tem começado a introduzir nesta nossa Igreja. E porque hum deles he vzarem de murça os Dignidades, Conegos, E meos Conegos da nossa See despois do falecimento do ... nosso predecessor , sendo o vzo de murça taõ preuiligiado, que so podem vzar della os Bispos nas suas próprias dioceses: Mandamos sob pena de excomunhão ipso facto incurrenda, que de hoje em diante Nenhuã pessoa de qualquer qualidade, ou dignidade, que seia possa vzar mais de murça, E em particular o mandamos a todos os Ecclesiasticos da nossa See sob a ditta pena de excomunhaõ ipso facto incurrenda, E pera podermos ao diante proceder, lhes assinamos desde logo tes horas distinctas pelas três Canonicas admoestacois: E alem da ditta penna de excomunhaõ ipso facto incurrenda, mandamos ás sobreditas pessoas que assi o cumpraõ sob penna de cem cruzados aplicados pera a Bulla da Cruzada por cada uez, que qualquer das ditas pessoas puzer murça; E pera vir á noticia de todas, mandamos que esta se lea na nossa See, E se fixe o treslado nas portas della.

... Chegando quem lia este papel às palavras, que na lauda atrás estaõ assinadas, se leuantaraõ todos os senhores Beneficiados dizendo que ante omnia appellauaõ de todas E quais quer Censuras, ou Ordens, que o Snõr Bispo mandasse notefiquar no ditto papel E se sahiraõ do Choro E se fez Cabido aonde se ... assentou que este negocio se cõmunicasse ao Sñor Doutor Goncalo Aluo Godinho E aos letrados da caza pera que com seu parecer se rezoluer de todo este negocio.

O secretário deixou largo espaço em branco para registar a resolução do Cabido, mas nunca a lançou.

Informação : Murça é uma veste era usada pelos cónegos por cima da sobrepeliz.

Almeida, M.L. 1973. Acordos do Cabido de Coimbra. 1580-1640. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XXVI. Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra. Pg. 358 e 359

 

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por Rodrigues Costa às 10:02

Sexta-feira, 22.04.16

Coimbra: conflitos do Cabido da Sé com o bispo D. João Mendes de Távora 1

Aos dous dias do mez de Outubro de 1638 ... chamado pera Cabido ... que o senhor Bispo Conde Dom Joanne Mendez de Tauora tinha intento de vzar de docel na Capella mor desta See, sendo assi que se seguiaõ dahi muytos incouientes como era alterarsse o Costume antiquíssimo, que nesta Igreja há do contrário; e juntamente naõ se poder por commodamente este docel sem grande indecencia das Imagens Sagradas pella estreiteza da Capella mór, como também poder acontecer que Sua mg.deestranhe semelhante vzo, visto ser a Capella mór desta See sua...se assentou que se desse em primeiro lugar deste negocio ao senhor Bispo Conde escreuendoselhe a Carta...

... Aos 16 dias do mez de Outubro de 1638 Estando os senhores Capitulares juntos em Cabido pera se ver a resposta do Senhor Bispo Conde ... que tal couza naõ mandei propor a VMs. Desejando saber quem foi a pessoa, que sem ordem minha fez esta accaõ pera lho mandar estranhar; porque os Prelados naõ tem assento diferente nas suas Sees nos dias em que fazem Pontifical aos outros, em que soo assistem... o assento, que eu tomar nessa See, quando seia o mesmo, que aquelle, que eu tive Sempre na de Portalegre...

 ...No ditto dia, mez E anno a tarde ... visto o Senhor Bispo  Conde naõ querer superseder no intento, que tinha de vzar de docel na Capella mor desta See ... se desse de tudo conta a Sua Mg.de ...

 ... 22 diaz do mez de outubro de 1638 ... se esperua por horas pello senhor Bispo Conde Dom Joanne mendez de Tauora, E que seria necessario preuenir de antemaõ todas as couzas pertencentes à sua entrada  ... em cazo, que vindo com o ditto acompanhamento se ache docel no ditto lugar; o Cabido entre em comunidade ate o Choro sem subir ás cadeiras delle, nem ao altar os assistentes per obrigação a Este acto; mandando-se dizer ao senhor Bispo, que o naõ faz, porquanto acha na Capella mor aquella nouidade do docel contra o Costume antiquíssimo desta See ...

 ... Aos onze dias do mez de nouenbro de 1638 ... Carta de Sua Mg.de... ao Bispo, que não alterasse nella, em quanto se naõ tomaua rezolucaõ ...

 ... Aos 2. dias do mez de Nouembro de 1638 ... ler huã carta, que o Senhor Bispo Conde escreuia a Este Cabido ... Há oito dias, que cheguei a Esta Quinta (casa do Bispo, junto à Escola Superior Agrária de Coimbra) E vendo, que passados tantos dias nada se tem ajustado; me rezolui a fazer hoje a entrada ás duas horas ...

...Chegada a procissão a Esta See achamos na Capella mór posta huã cadeira debaixo de docel ...

 ... Aos 13 dias do mez de Dezembro de 1638 annos ... tratar do modo, com que o Cabido se hauia de hauer no intento, que o Senhor Bispo Conde tem de por docel na noyte de Natal ...

 ... Aos vinte dias do mez de Dezembro de 1638 annos ... chamado pera Cabido ... pera nelle seler huã carta de Sua Mg.de ... com que o Bispo Conde estaua no particular do docel ... lhe mando escreuer que cumpra o que na matéria tenho resoluto, naõ innouando, nem alterando nella couza alguã ate se ver o que mais conuem ...

 Almeida, M.L. 1973. Acordos do Cabido de Coimbra. 1580-1640. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XXVI. Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra. Pg. 341 a 357

 

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por Rodrigues Costa às 09:47

Quinta-feira, 21.04.16

Coimbra: A Sé de Coimbra e os fugidos à justiça que a ela se acolhiam

Aos 14. dias do mes de Julho de 631) sendo prim.ro chamado p.a Cabido p.a se tratar se conuinha q os homiziados, q se recolhiaõ a esta Se temendose de sere presos pellos ministros da iustica per seus crimes, se se deuiaõ de admitir. e deixar andar nesta Sé como ate agora tinha acontecido, em algus q a ella se recolheraõ, e de psente inda oie estaõ recolhidos, assentou o Cabido, q os tais homiziados naõ pudessem estar nesta Sé mais q tres dias, e passados eles naõ fossem mais consentidos nella, saluo se dentro desse tempo, ou de mais, os ministros da iustica estiuesem de fora, e tiuesse cercada a Sé pa prendere o dito omiziado tanto q saísse, e naõ sendo nesta forma, fosse passado o dito tempo lansado fora, porq nesta forma, se atalhaua, a algu escândalo, se os ministros da iustica tiuese de uere os omiziados passear pelo ladrillo da Sé huã e m.tas uezes sem os podere prender, e iuntamte  naõ socedese q uendo a larguesa, e liberdade q os omiziados tiueraõ nesta Sé, ou possaõ uir a ter, se naõ incite alguns ministros da iustica, a quebrabre, ou em algu modo diminuire a imunidade da igreja, e pa lembrança mandaraõ a mim secretario o Dtor Anto frz de Caruo q fizesse em q me assinei.

 

Almeida, M.L. 1973. Acordos do Cabido de Coimbra. 1580-1640. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XXVI. Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra. Pg. 298

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:16


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