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A' Cerca de Coimbra


Sexta-feira, 01.12.23

Coimbra: Implantação de República 2

Continuando a debruçar-nos sobre a obra Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação, de Carlos Santarém Andrade, abordaremos de seguida o último capítulo, dedicado à Proclamação da República em Coimbra. Primeira parte.

No dia 4 de Outubro, o jornal "Defeza", de Coimbra, dá-nos uma curta, embora destacada, notícia sob o título "Revolução em Lisboa?", sem adiantar desenvolvimentos.

"A Tribuna", do dia 5, dá mais pormenores, no artigo "A revolução de Lisboa", sobre os sucessos na capital, descrevendo vários episódios da luta travada no dia anterior, mas cujo desfecho era ainda desconhecido. Sobre o assassínio de Miguel Bombarda, no dia 3, por um dos seus doentes do foro psiquiátrico, tenente do exército, informa-nos ser o seu autor natural de Coimbra, onde fez os Preparatórios para a Escola do Exército, tendo prestado serviço como alferes no Regimento de Infantaria 23, aquartelado nesta cidade. Sem conhecimento do rumo dos acontecimentos, os republicanos viveram horas de angústia e ansiedade, decidindo enviar a Lisboa um emissário para se inteirar do que se passava.

CR pg. 147a.jpgJornal “Defeza”, de Coimbra. Op. cit., pg. 147

No dia 5, à noite, corre em Coimbra que a República fora proclamada, o que provoca que, na Praça do Comércio (onde se situava o Centro José Falcão) se juntasse muita gente. E quando, cerca das 3 horas da manhã do dia 6 de Outubro, um emissário do governo republicano, entretanto formado, confirma a proclamação da República, há grandes manifestações de regozijo, acompanhadas do lançamento de foguetes, sendo arvorada no edifício da Câmara e na Universidade a bandeira republicana, como nos informa o "Notícias de Coimbra", do dia 8 de Outubro. O mesmo jornal descreve que "a filarmónica «Boa União» toca a «Portugueza», formando-se um cortejo em direcção ao Governo Civil, aonde se encontra já o novo Governador Sr. Dr. Fernandes Costa".

CR O alferes medico sr. João Augusto Ornellas, fa

O alferes medico sr. João Augusto Ornellas, falando ao povo das janellas da Camara de Coimbra, após a notificação da proclamação da Republica. In: Illustracção Portugueza, II-1910, n.º 224, Lisboa, 1910.10.24, p.539.

CR. Op. cit, pg.148.jpg

Dr. Fernandes Costa. 1.º Governador Civil de Coimbra após a implantação da República-Op- cit., pg. 148

Na sede do Governo Civil (então, na Rua Larga, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina) a passagem do testemunho do até então governador, Dr. José Jardim, faz-se com toda a urbanidade, sendo mesmo cumprimentado à saída do edifício. O extenso cortejo regressa à Baixa, ao som de vivas à Liberdade e à República, terminando na Praça do Comércio, cerca do meio-dia.

À uma da tarde desse dia 6 de Outubro estava prevista a proclamação da República nos Paços do Concelho. E essa tem lugar perante o Dr. Fernandes Costa e a vereação que até aí gerira o município, e que então pede a demissão. Como informa o mesmo jornal, no Salão Nobre completamente cheio, "esta cerimónia termina por constantes vivas à Pátria, a Portugal, ao exército e armada e à República, no meio do maior e mais indiscritível entusiasmo", que acrescenta: "Duas bandas de música, a «Boa União» e a «Conimbricense», tocam em frente, no largo, formando-se, em seguida novo cortejo, composto por milhares de pessoas que percorre, com as duas filarmónicas, várias ruas da cidade".

CR- O povo depois do discurso do sr. João Ornella

O povo depois do discurso do sr. João Ornellas a caminho do quartel de infantaria 23. In: Illustracção Portugueza, II-1910, n.º 224, Lisboa, 1910.10.24, p.539.

CR pg. 150a.jpgAuto da Proclamação da República em Coimbra em 6 de Outubro de 1910. Op. cit., pg. 150

Também o quartel do Regimento de Infantaria 23, então na Rua da Sofia, pelas quatro da tarde, se associa à proclamação, hasteando no seu mastro a bandeira do novo regime. Momento registado pelo referido periódico: "Há então um indiscritível entusiasmo, a que se associam os soldados, erguendo vivas à República e confraternizando com o povo. Ouvem-se pouco depois os primeiros acordes da «Portugueza»”. É a banda militar que a toca. Novas manifestações, igualmente calorosas, se ouvem, com vivas ao exército e à armada". À noite seriam iluminados os edifícios públicos e mesmo casas particulares, percorrendo as ruas da cidade grupos de populares em marchas «aux flambeaux». No dia seguinte novas manifestações de alegria teriam lugar em vários pontos de Coimbra.

Uma nota muito curiosa é-nos ainda revelada pelo jornal: "É agora cumprida a disposição testamentária do falecido Dr. Inácio Roxanes, em virtude da qual, no dia da implantação da República, devia ser distribuída a quantia de 100$000 réis pelos pobres da freguesia de Santa Cruz, desta cidade. O respectivo testamenteiro anda cumprindo já a referida disposição".

 Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.

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por Rodrigues Costa às 12:22

Terça-feira, 02.05.23

Coimbra: Carros Americanos. Achegas para a sua história 2

Através de Pedro Rodrigues da Costa chegou-nos uma outra informação relacionada com os transportes, em Coimbra, levados a cabo pelos Carros Americanos.

Trata-se de 3 bilhetes relacionados com o transporte de passageiros em carros americanos, emitidos pela empresa Carris de Ferro de Coimbra, pertencentes à coleção de José Luís Covita e que, seguidamente, divulgamos.

CA. Bilhete 1. Col. José Luís Covita.jpg

Bilhete 1. Acervo José Luís Covita

CA. Bilhete 2. Col. José Luís Covita.jpg

Bilhete 2. Acervo José Luís Covita

CA. Bilhete 3. Col. José Luís Covita.jpg

Bilhete 3. Acervo José Luís Covita

Relativamente aos bilhetes que ora divulgamos, tem de se salientar:

- No bilhete 1 o destino aparece com a designação de “Casa do Sol”, o que deverá ser, muito provavelmente, um erro de escrita, porque o destino deveria ser “Casa do Sal”, ou seja, a zona onde terminava a atual Rua da Figueira da Foz. Segundo José Pinto Loureiro esta designação foi atribuída por deliberação camarária de 2 de Julho de 1903, à rua que ligava a extremidade norte da Rua da Sofia, mesmo em frente da Rua João Augusto Machado, com a extremidade sul da Rua do Padrão, no ponto hoje conhecido por Casa do Sal, no cruzamento com a rua que vem de Coselhas.

CA. Foto Varela Pécurto. In Voar sobre Coimbra -

Casa do Sal e Água de Maias. Foto Varela Pécurto. In: Voar sobre Coimbra

2 – No segundo bilhete surgem os seguintes topónimos atualmente desaparecidos:

. Largo D. Carlos, designação efémera do Largo da Portagem, deliberada pelo Município em 13 de maio de 1886.

CA. Largo da Portagem.jpg

Largo da Portagem, em finais do século XIX

. Infante, dever-se-ia referir à Rua Infante D. Augusto, atual Rua Larga. Ainda de acordo com José Pinto Loureiro esta rua teve, ao longo dos séculos, diversas designações, pois passou por Rua da Alcáçova e por Rua do Colégio Real até de fixar, nos finais do século XVII, no topónimo Rua Larga. Seguiram-se, posteriormente, diversas designações, mais ou menos efémeras: Rua Infante D. Augusto, por deliberação camarária de 17 de julho de 1868; Rua Cândido dos Reis, por deliberação de 20 de outubro de 1910; mas voltou à primitiva designação de Rua Larga por deliberação de 11 de julho de 1929.

CA. R.  Larga 1944 c..jpg

Rua Larga, inícios do século XX

. Gasómetro designaria a zona do atual parque de estacionamento do Palácio da Justiça, com entrada pela Rua Figueira da Foz, no local onde, outrora, funcionou fábrica de produção de gás de iluminação.

CA. Rua da Sofia. 1883 JPEG. Acervo RA.jpg

Fábrica de gás de iluminação, ou o Gasómetro

3 – No terceiro bilhete para além das designações já atrás mencionadas aparece um novo topónimo:

. Largo D. Luís, designação atribuída, em reunião camarária de 24 de outubro de 1889, ao largo do novo bairro de Santa Cruz. Esta nomenclatura viria a ser alterada na já referida reunião de 20 de outubro de 1910, para Praça da República.

CA. Praça da República antiga.jpg

Largo D. Luís, nos finais do século XIX

 

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 11:57

Quinta-feira, 07.02.19

Coimbra: Evolução do Espaço Físico 2

No contexto ibérico, o sítio de Coimbra – cartograficamente assinalado com um caprichoso meandro do rio Mondego – é um módulo de importância nevrálgica entre o norte e o sul, o interior e o litoral. Já ao nível do território de transição entre o Baixo e o Alto Mondego, especificidades da colina que hoje designamos por «Alta» ou «Almedina» ditaram um precoce despontar do aglomerado que, desde logo, o processo de romanização fez florescer como cidade. Eram elas as características defensivas naturais, o domínio do Mondego, e dos vales nele concorrentes, a exposição ao rio pelos quadrantes mais favoráveis em termos solares, o fácil acesso fluvial ao mar e ao interior, os recursos aquíferos do subsolo, etc.

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Réplica da pedra gravada do MNMC, 395 ou 396 da era cristã

… Hoje estável e controlado, o rio foi de facto até há pouco menos de dois séculos um rebelde elemento de perturbação do quotidiano e [do] desenvolvimento urbanos de Coimbra. Correndo sobre um leito cujo perfil ainda não se encontrava estabilizado, o Mondego autoproduziu esse incontornável equilíbrio através de consecutivas, torrentosas e, por vezes, trágicas cheias, condicionando durante séculos – em especial durante a Idade Moderna –, todo o desenvolvimento urbanístico da «Baixa» da cidade e, por reflexo, o da própria «Alta». Em média, a cota do seu leito subiu até então 8 centímetros por década, destruindo e/ou açoreando diversos conjuntos edificados nas suas margens durante a Idade Média e, claro, a ponte instalada pelo menos desde a fundação da nacionalidade.

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620.jpg

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620

…. Sabemos, por exemplo, que é a cerca de uma dezena de metros de profundidade que, sob o Largo da Portagem, jaz o pavimento de acesso à ponte primitiva.

Illustris Ciutatis Conimbria.JPG

Illustris Ciutatis Conimbria in Lusitania. Georg Hoefnahel/Hogenbeerg, colorida por Braun, 1598

… Mas a influência da plasticidade global do suporte territorial na evolução morfológica da cidade torna-se particularmente relevante se melhor nos focarmos sobre a própria colina (…) tem ela uma expressão morfológica planimétrica algo em ferradura com abertura a poente (…) Continuando, inevitavelmente, a acentuar as principais características topográficas da colina, da dinâmica da dualidade habitante-invasor acabou por resultar do penúltimo dos casos da ocupação estranha – o do invasor islâmico nos últimos séculos do primeiro milénio – uma estrutura palatina sobre o extremo mais proeminente da tal virtual ferradura. Também então se reformava o perímetro defensivo que, de uma forma geral, consistia na linha definida pela intersecção entre as encostas de declives praticáveis e impossíveis. No fundo a muralha acabou por acentuar a já clara individualidade da colina, da cidade ou, se assim o quisermos, da «Almedina». Mas complementarmente também salvaguardou o aceso seguro às zonas baixa e ao rio.

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo de Coimbra

Protegendo a retaguarda e simultaneamente o acesso mais fácil ao topo pelo festo do Aqueduto [de S. Sebastião], implantou-se e desenvolveu-se também pela primeira dobragem do milénio o castelo, o qual em articulação com o palácio, clarificou o desenvolvimento daquele que ainda hoje é o principal eixo viário da «Alta», a Rua Larga.

Rossa, W. O Espaço de Coimbra. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 17-42.

 

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por Rodrigues Costa às 22:26

Terça-feira, 21.11.17

Coimbra: Colégio de S. Paulo I Eremita

É o mais recente dos Colégios universitários de Coimbra. Fundou-se já depois da reforma pombalina da Universidade, em virtude da provisão... de 27 de Setembro de 1779... a fim de fundar em Coimbra um Colégio para os religiosos universitários da «Ordem de S. Paulo I Eremita».

 

Colégio de S. Paulo I Eremita.jpg

 Colégio de S. Paulo I Eremita

 ... Ficou o edifício situado em frente do Colégio de S. João Evangelista tendo fachadas para as ruas Larga, do Borralho, e do Guedes.

Andando ainda em obras o prédio, foi este Colégio incorporado na Universidade pela provisão de 28 de maio de 1782.

O projeto do edifício era importante, mas não chegou a ser concluído, sendo executada apenas uma parte. Fez-se a metade ocidental, e a portaria de entrada, que ficava ao centro da fachada Norte.

Após a extinção, em 1834, foi a casa do Colégio... entregue à Universidade... a portaria de 10 de outubro de 1859 destinou o edifício... para depósito dos livros dos extintos conventos, e para casa de detenção académica; mas esta 2.ª aplicação não chegou a ser-lhe dada... os livros numerosos que restavam do espólio das casas regulares, e lá ficaram arrumados no rés-do-chão até 1870, ano em que foram vendidos ao livreiro francês Demichelis pela quantia de 9.000$000 reis.

No andar nobre achava-se então instalado o «Instituto de Coimbra».

Haviam tido berço comum a «Academia Dramática» e o «Instituto»

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 286, do Vol. I

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por Rodrigues Costa às 10:30

Terça-feira, 12.09.17

Coimbra: Colégio Real de S. Paulo Apóstolo

Foi primitivamente destinado a clérigos pobres, que quisessem vir formar-se na Universidade.

... D. João III mandou preparar-lhe edifício condigno, aproveitando o terreno e parte das casas arruinadas dos «Estudos-velhos», isto é, da Universidade dionisiana. Seria demolido o velho edifício, e far-se-ia nova construção. Nesse local ergue-se atualmente... o novo edifício da Faculdade de Letras.(o espaço aqui referido é hoje ocupado pela Biblioteca Geral da Universidade)

Colégio Real de S. Paulo, fachada setentrional.jp

Colégio Real de S. Paulo, fachada setentrional

 Principiou a construção do Colégio em 1550, e sobre a porta principal, a meio da fachada norte, que olhava para a rua Larga de acesso à Universidade, esculpiu-se o escudo das armas reais.

... Foi incorporado na Universidade por carta-régia de 23 de outubro de 1562.

Fez-se com toda a pompa a inauguração solene a 2 de maio de 1563 ... ficou ele sendo um Colégio secular de doutores e licenciados, que se propunham ascender ao magistério universitário, ou a outras posições sociais categorizadas.

... O trajo distintivo dos colegiais ... era, no feitio, perfeitamente igual ao dos de S. Pedro ... mas, desde o século XVII, diverso na cor das becas ... os de S. Paulo também a princípio as tinham roxas, mas depois, no século XVII, para se não confundirem ... passaram a usá-las azuis, e mais tarde, a 9 de janeiro de 1699, deliberaram substituir esta cor pela vermelha, quase cardinalícia, que conservaram até à extinção do Colégio..

Colégio Real de S. Paulo, fachada oriental.jpg

Colégio Real de S. Paulo, fachada oriental

Foi funesto ao edifício do Colégio de S. Paulo o terramoto de 1 de novembro de 1755, que se fez sentir com grande violência no bairro alto da cidade de Coimbra. Ficou muito danificado este edifício, e a parte média do seu lanço oriental derruiu. Havia grande perigo em continuarem a habitá-lo.

... Não se demorariam as providências, em breve estava reparado este edifício.

... Depois da extinção do Colégio em 1834, o edifício foi entregue à Universidade... Ali funcionou o Teatro Académico durante quase meio século.

... Por volta da era de 1888 ... foi totalmente demolido ... e principiou-se desde os alicerces a construção dum novo Teatro Académico ... (fevereiro de 1889), pararam as obras, e depois só de longe em longe iam prosseguindo morosamente, Por fim desistiram da continuação, e, decorridos anos de abandono, foi entulhada a parte construída, transformando aquele espaço num terreiro.

... portaria ... de 25 de julho de 1912 ... manda que seja cedido à mesma Faculdade (de Letras) o edifício em construção ... que se destinava ao Teatro Académico ... a Faculdade construiu para si, no lugar do Colégio Real de S. Paulo Apóstolo, aproveitando e adaptando parte da obra já feita, e fabricando de novo tudo o mais.

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 225-232, do Vol. I

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por Rodrigues Costa às 08:24

Quinta-feira, 07.09.17

Coimbra: Colégio dos Loios ou de S. João Evangelista

Pertencia à Congregação dos Cónegos seculares de S. João Evangelista, denominados vulgarmente «os Loios», em virtude da cor azul dos seus hábitos.

... D. João III atraiu a Coimbra os Cónegos regulares de S. João Evangelista, e confiou-lhes a provedoria e administração do hospital real (Hospital Real de Nossa Senhora da Conceição, na praça de S. Bartolomeu, ao qual se deu princípio no ano de 1503), para cujo edifício foram viver.

Colégio dos Loios.jpg

Colégio dos Loios

 ... Em 1597 obtiveram umas casas, perto do castelo e não longe da Universidade, para onde logo mudaram. Auxiliou-os a boa-fortuna; viram em breve ampliada a área do seu terreno, e angariaram recursos para a construção dum edifício amplo e majestoso, a defrontar-se com o magnifico templo, então em via de construção, do vizinho Colégio de Jesus.

A 6 de Maio de 1631 ... foi solenemente benzida e colocada a primeira pedra do edifício ... Correram rápidas as obras, e assim, em 1638, colocava-se sobre a fachada príncipe, que olha ao Norte, a estátua colossal do «Discípulo dileto», sob a qual se lê em grandes carateres a indicação daquele ano.

Colégio dos Loios claustro.jpg

Colégio dos Loios claustro

Ficou o edifício com três fachadas: - a do Norte é voltada para o largo da Feira, a do Sul com a rua Larga que dá acesso direto à Universidade, e a do Poente acompanha a rua dos Loios, cujo nome se refere aos colegiais desta casa.

... Extinto o Colégio de S. João Evangelista em 1834, foi logo o edifício abandonado pelos seus proprietários.

... Hoje (em 1938) lá funcionam: o Governo Civil, a Auditoria Administrativa, a Junta de Província da Beira Litoral, a Direção de Finanças, e a Policia de Segurança Pública.

 Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 222-225, do Vol. I

Nota: Este edifício viria a ser destruído por um violento incêndio que ocorreu em 18 de Novembro de 1943.

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por Rodrigues Costa às 09:02

Segunda-feira, 27.03.17

Coimbra: a Questão Académica de 1907 1

... a grande aglomeração de rapazes, que descia a escadaria, (da Via Latina) soltando frases de indignação, encabeçada por um pequeno grupo que erguia em ombros o licenciado José Eugénio Dias Ferreira. Aquela multidão de estudantes saiu pela Porta Férrea, meteu pela Rua Larga e desceu para a Baixa e, sempre a engrossar, seguiu para a Arregaça, para casa de José Eugénio, onde se ouviram discursos inflamados.

Dias Ferreira fora tratado de forma indigna e reprovado por unanimidade no ato de conclusões magnas, o que já se prenunciava, pois corria na cidade o rumor de que o doutorando – que na sua tese adotara uma metodologia positivista e exarara uma dedicatória a Teófilo Braga – seria reprovado.

 Esse foi o rastilho que fez rebentar o grave conflito que ficou conhecido como a questão académica de 1907.

A assembleia magna da academia, reunida nessa noite, deliberou a falta às aulas no dia seguinte. O Governo de João Franco, reagindo desproporcionadamente, fez publicar, logo no dia 2 de Março, um decreto que suspendeu as atividades académicas até que fossem julgados os processos disciplinares a instaurar, relativos aos acontecimentos. O subsequente encerramento da Universidade e o envio de fortes contingentes policiais para Coimbra transformou aquilo que começou por ser apenas um incidente referido à reprovação de Dias Ferreira em um movimento reivindicativo de âmbito muito mais vasto, que se insurgia contra o anquilosamento da instituição universitária e reclamava a reforma profunda dos estudos.

Greve de 1907.jpg

... a deslocação a Lisboa de uma delegação da academia de Coimbra, encabeçada por António Granjo e composta por mais de quatrocentos estudantes, mandatada para apresentar ao Governo e ao presidente da Câmara dos Deputados exposições críticas sobre o ensino universitário, deram projeção nacional à questão académica. A causa coimbrã foi secundada pelas instituições universitárias de Lisboa e do Porto e pelos estudantes dos liceus. Os deputados republicanos, especialmente António José de Almeida, levaram o debate sobre a crise académica e sobre o ensino à Câmara dos Deputados e Hintze Ribeiro interpelava o Governo sobre a questão na Câmara dos Pares ... Bernardino Machado, figura de grande prestígio, que, por solidariedade para com os estudantes expulsos, pedira a exoneração do seu cargo de professor catedrático da Faculdade de Filosofia ... Confiando no efeito dissuasor das penas disciplinares decretadas, João Franco determinou que a Universidade reabrisse no dia 8 de Abril.

Enganou-se. A greve geral foi plenamente retomada a partir desse dia e a solidariedade com a Academia de Coimbra estendeu-se às escolas superiores de Lisboa e do Porto. Na semana seguinte, o Governo mandou encerrar todos os estabelecimentos do ensino superior e técnico do país. E, em 18 de Abril, foi nomeado ... um novo Reitor.

 ... O decreto de 23 de Maio veio definir os termos para encerramento de matrícula e admissão a exame. O mesmo diploma vedava a permanência na cidade de Coimbra aos estudantes que aí não residissem com as suas famílias ou que não frequentassem os cursos livres, então improvisados. Oitocentos e oitenta e seis estudantes, submetidos a pressões de múltipla ordem, acabaram por requerer exame. Os que se negaram até ao fim a fazê-lo – os Intransigentes – foram cento e sessenta.

O decreto de 26 de Agosto de 1907 veio comutar as penas de expulsão em repreensão e censura e permitir a submissão a exames a todos os que o pretendessem. Apesar da sua meia-derrota, a luta generosa desta geração de estudantes ficou gravada na memória da Academia.

Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 19 a 21

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por Rodrigues Costa às 10:19

Quinta-feira, 10.11.16

Coimbra: O Fio da Navalha e as Cordas da Guitarra

 

Mais de meio século depois, é preciso puxar pela memória. E voltar a entrar no Palácio dos Grilos, ou melhor, no antigo Colégio de Santa Rita, então, desde a destruição da antiga “Bastilha” em plena Rua Larga, a sede da Associação Académica.

No pátio da entrada os restos do monumento a Luís de Camões, em que sobressaia o Leão, que, inaugurado em 1881, fora também vítima do camartelo, vindo muitos anos mais tarde a ser reconstituído junto ao CADC, e atualmente colocado ao fundo da Avenida Sá da Bandeira.

Ultrapassada a porta principal entrava-se no que fora a igreja do Colégio Universitário. Sobre a porta, uma espécie de coro, com uma mesa de pingue-pongue; nas paredes algumas glórias do futebol, de separatas do “Mundo de Aventuras”, entre as quais Azeredo, ao que consta, hoje o mais antigo jogador da “Briosa” ainda vivo.

A antiga igreja era ampla. No que fora o altar-mor com os seus ornatos, um longo balcão corrido do qual o senhor Álvaro, qual comandante de navio, dirigia as operações, auxiliado pelo senhor Xico, satisfazendo o pedido dos académicos espalhados pelas mesas.

E, julgo que a memória não me trai, o bilhar completava o quadro.

Do lado direito de quem estava virado para o antigo altar, uma porta que dava para a sede propriamente dita, onde se situavam o Salão Nobre, a sala da direção da A.A., as várias secções, o Orfeão e a Tuna Académica, que aí tinham os seus ensaios, a sala e o pátio onde tantas e acaloradas assembleias magnas tiveram lugar nesses primeiros anos da década de 60. Isto sem esquecer o refeitório da Sociedade Filantrópica, num tempo em que as cantinas universitárias eram uma miragem.

Do lado contrário, à esquerda, uma porta semelhante dava entrada para uma insólita barbearia. De vez em quando ouvia-se o tic-tac de uma tesoura ou o som de uma navalha a ser afiada na tira de sola existente para o efeito.

Mas, sobretudo, ouviam-se os sons de uma guitarra ou de uma viola, sublinhados pela voz de um “sol maior” ou de um “ré menor”, um “outra vez” ou um “está melhor”, proferidas pelo senhor Fernando, o barbeiro que ensinou sucessivas gerações de académicos a acompanhar com os seus instrumentos a canção coimbrã.

Era, pois, aquele cubículo, um minúsculo conservatório onde, entre duas barbas e um corte de cabelo, estudantes aprendiam a tocar, e tantos foram, tendo como mestre Fernando Rodrigues da Silva, tal como o seu irmão Flávio, exímios executantes, na tradição familiar de seu pai, o violinista António Rodrigues da Silva.

No desenrolar da crise académica de 1962 a sede da Associação Académica viria a ser invadida pela polícia e os estudantes que nela se entrincheiraram presos, sendo então encerrada, e onde não mais voltaria a ter lugar.

Calaram-se assim os acordes melodiosos da velha barbearia. E o mestre Fernando passaria e fazer barbas e a cortar cabelos ao domicílio, continuando a dar lições na sua casa na Rua da Matemática.

Pouco tempo depois, em 2 de Dezembro de 1964, viria a falecer, com 49 anos apenas. Dir-se-ia que os deuses do Olimpo e os santos o chamavam para o Paraíso, não para lhes aparar as barbas ou cabelos, do tamanho de séculos, mas para, cansados da música celestial das liras e das harpas dos querubins, ouvirem algo de novo, mais vivo e vibrante: a viola e a guitarra de Coimbra, percorridas pelas mãos ágeis de Fernando Rodrigues da Silva.

Andrade, C. S. 2012. O Fio da Navalha e as Cordas da Guitarra. In: Músicos Salatinas. 1880-1947. Exposição Fotográfica e Documental. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, pg. 8

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por Rodrigues Costa às 21:07

Terça-feira, 04.10.16

Coimbra: a Implantação da República 2

Nos dias seguintes, correu pela cidade que Belisário Pimenta fora nomeado Comissário da Polícia ... No Domingo, dia 9, ... ao descer as escadas do Governo Civil, já com a posse tomada e com o alvará dobrado no bolso, deu ordem ao primeiro guarda que viu para que houvesse, daí a pouco, formatura geral do corpo de polícia, para fazer a sua apresentação. A corporação esperava-o, formada por esquadras no claustro, com a Judiciária à esquerda e os chefes à frente ... Depois dos lugares comuns, fez-lhes “uma antevisão do que seria o serviço policial com o regime democrático, simples missão de cordura e de paz, com prestígio e força moral, com delicadeza e respeito.”

 ... Teve também visitas de vários oficiais da guarnição, de gente dos jornais e de um ou outro professor da Universidade ... Para além de toda esta gente, que lhe tirava tempo, mas cujas felicitações aceitava com agrado, caíram-lhe no gabinete os que queriam aparecer às janelas que davam para a Rua Larga no “tu cá, tu lá com uma autoridade republicana” e alguns monárquicos, que, com à-vontade, pediam emprego ou compaixão. E até a Júlia, patroa de meretrizes, vestida à moda e com um grande chapéu de plumas, se apresentou ao novo Comissário.

 ... Governo Provisório, já no dia 8 de Outubro, havia decretado a repristinação das leis anti congreganistas do Marquês de Pombal e de Joaquim António de Aguiar, revogado o decreto de 18 de Abril de 1901 (que permitira a reconstituição, sujeita a condições restritivas, das ordens religiosas

... Em Coimbra, o povo, cioso da Revolução, via inimigos em todo o lado. Corria que padres jesuítas fugidos se acoitavam em vários pontos da cidade. 

Logo ao fim do dia em que tomara posse ... constava que, à uma da manhã, haveria assaltos de populares à Quinta de São Jorge e ao Convento de Santa ... Perto da meia-noite, meteram-se num carro fechado, a caminho de Santa Clara. Logo no Largo da Portagem, à entrada da ponte, um grupo armado fê-los parar. Estudantes, operários, comerciantes, caixeiros, todos com as golas dos casacos levantadas, que a noite estava fria, e apalpando o bolso das calças onde tinham o revólver, cercaram o carro. Alguns, de arma na mão, meteram a cabeça pela portinhola. Ao verem o Governador Civil e o Comissário, perderam o ar feroz que haviam tomado e deixaram seguir o carro. Umas dezenas de metros mais à frente, surgiu outro grupo ameaçador e a cena repetiu-se. Já na escuridão do rossio de Santa Clara, de trás das árvores e das sebes dos taludes, saíram vultos, que rodearam o carro, agitados e afagando as coronhas das pistolas. Depois de um deles se ter chegado à portinhola a inquirir, tudo sossegou. Mas, nesta altura, Fernandes Costa, já impaciente, não resistiu a perguntar: “Olhe lá: para que é tanta coisa?”. O cabecilha do grupo de vigilância, quase indignado, respondeu-lhe: “Então não sabe que há tanto padre fugido e escondido? Por aqui, não passam eles!”.

... o carro seguiu até à Quinta de São Jorge. No “jesuítico casarão”, tudo era sossego e escuridão e nada denunciava que alguém por ali estivesse escondido.

... No dia 10, já o povo de Coimbra murmurava por as autoridades não terem dado ainda cumprimento ao decreto de 8 de Outubro ... Na tarde desse dia 10, Fernandes Costa e Belisário Pimenta foram a Santa Clara. Depararam-se com uma multidão, que, de má catadura e debaixo de chuva, enchia o pátio do convento. Ao passarem em direção à portaria, do ajuntamento popular vinham frases de advertência: “Tenham cuidado, que há padres! Acautelem-se com as traições!” ...  A vistoria demorava já mais de uma hora, quando o polícia que ficara de guarda à portaria mandou recado a Belisário Pimenta, pedindo-lhe que viesse à entrada. A multidão que se comprimia no exterior do convento soltou um brado de alívio e satisfação, ao ver aparecer ao portão o Comissário. A demora fizera imaginar uma emboscada traiçoeira, na escuridão dos infindáveis corredores ... foram recebidos com vivas e manifestações de alegria. Fernandes Costa tranquilizou a multidão, informando que as freiras partiriam, mas que, por razões humanitárias, se lhes daria tempo para arranjarem as suas coisas. Daí a três ou quatro dias, todas as freiras de Santa Clara foram embora, para Vigo.

 

Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 57 a 61

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por Rodrigues Costa às 10:33

Terça-feira, 01.03.16

Coimbra, origens 6

O traçado das ruas da cidade romana é indeterminável, pois os únicos edifícios romanos descobertos – o criptopórtico e a cave em frente da Sé Velha – são insuficientes para nos determinarem orientações.
A mediévica Porta do Sol era provavelmente, já no período romano, umas das entradas da cidade; ficava situada ao cimo da rampa natural que o aqueduto romano acompanhava. Do facto de quase todas as inscrições funerárias romanas de Coimbra terem sido achadas metidas nos muros do Castelo, ou nos panos da muralha entre este e a Couraça de Lisboa, V. Correia concluiu que o cemitério romano deveria ficar situado na encosta de S. Bento e do Jardim Botânico, isto é a poente da ladeira que subia até à Porta do Sol.
Desta entrada da cidade, divergiam muito possivelmente duas vias: uma delas, que na Coimbra moderna (mas anterior à demolição da Alta da cidade) era chamada Rua Larga, conduzia ao sítio que o edifício antigo da Universidade presentemente ocupa. Aqui, não pode deixar de ter existido um edifício romano importante, provavelmente publico … Outra via descia do sítio da Porta do Sol ao antigo Largo da Feira e daqui, pelo Rego de Água e Rua das Covas ou de Borges Carneiro, ao largo da Sé Velha. Se este era o principal arruamento da cidade romana no sentido leste-oeste, é tentador ver, na Rua de S. João ou de Sá de Miranda e na de S. Pedro, o eixo principal norte-sul. Nogueira Gonçalves, porém, considera esta última um corte artificial, talvez operado no século XVI.
Se o monumento romano à Estrela era um arco honorífico, devia marcar o início de uma rua da cidade. Esta seria a do Correio ou de Joaquim António de Aguiar, que António de Vasconcelos representa na sua planta de Coimbra no século XII. Na mesma planta, um outro arruamento, de antiguidade bem provável, é definido pelas ruas da Trindade, dos Grilos ou de Guilherme Moreira e da Ilha. Da antiguidade da Rua do Cabido, representada ainda na mesma planta, duvidamos algum tanto; inclinamo-nos mais a ver na Rua do Loureiro outra das principais vias antigas.
Tudo isto, porém, é conjetural.

Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 39 a 40

 

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por Rodrigues Costa às 10:31


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