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Terminamos esta pequena série de entradas relacionadas com os carros americanos que circularam em Coimbra, republicando o que sobre o tema escrevemos para a comunicação que apresentámos ao I Encontro Nacional sobre o Património Industrial, trabalho que se encontra publicado nas Actas e Comunicações. Volume I, daquele evento, editado em 1989, a páginas 265-278.
I Encontro Nacional sobre o Património Industrial. Actas e Comunicações. Volume I, capa
A referida comunicação insere, entre outros, o subtítulo, Os primórdios dos transportes urbanos em Coimbra e o excerto que se segue foi adaptado a partir do que ali se encontra mencionado:
Carro Americano. Aguarela de Autor não identificável. Acervo RA
A história. dos transportes urbanos em Coimbra inicia-se em fevereiro de 1873 quando Evaristo Nunes Pinto e Camilo Mongeon, a quem já tinha sido concedida licença para explorarem, na cidade, através da utilização de carros americanos, os transportes públicos, solicitaram à Câmara a autorização, acompanhada da planta do projeto, destinada a instalarem uma linha que ligasse a estação do caminho de ferro do Norte ao centro da cidade.
O município, a 20 de fevereiro, deu o seu aval. Todavia, o processo, forçosamente, teria de se arrastar, a fim de permitir a sua montagem, e, apenas em setembro de 1874, a empresa entretanto criada – a Rail Road Conimbricense – comunica ao Município «a abertura à exploração da linha desde a Calçada à estação do caminho de ferro do Norte».
Na cidade, a inauguração do início da circulação dos carros americanos aconteceu a 15 de setembro de 1874 e, no dia seguinte, foi assim noticiada pelo jornal o Tribuno Popular:
“Partiram da Calçada 3 carros americanos. No primeiro seguiam os diretores, as autoridades de Coimbra e demais convidados. No segundo carro seguia na Imperial [deduz-se que, pelo menos um dos carros tinha segundo piso, a chamada «Imperial»] a Filarmónica de Conimbricense que tocava o hino da Carta. Muita gente a assistir, muitos foguetes. Pelas 3 horas da tarde foi servido um opíparo jantar na sede da Sociedade Terpshicore”.
Mas a vida da Rail Road Conimbricense não foi fácil, e o pedido de autorização apresentado em 1885, «Para estender a sua linha da Portagem ao Cais das Ameias» (a atual Estação Nova) e para efetuar «um abatimento de 40 a 60 reis nos preços dos bilhetes», não passou de uma tentativa frustrada destinada a combater uma concorrência mais forte: a entrada em funcionamento do ramal do caminho de ferro de Coimbra B ao Centro da Cidade.
Carro americano na Praça 8 de Maio. Acervo RA
Uma segunda fase de utilização dos carros americanos em Coimbra inicia-se em 30 de outubro de 1902, quando «Augusto Eduardo Freire de Andrade pede a concessão duma linha férrea, sistema americano, nas ruas da cidade, para tração animal».
Este processo só seria concretizado pela Companhia de Carris de Ferro de Coimbra, entretanto criada, em 1 de janeiro de 1904, e permitiu o «estabelecimento da ligação da atual estação de Coimbra-B com o Largo da Portagem, a que se seguiu, em 4 de fevereiro do mesmo ano, a abertura de um novo troço entre a Praça 8 de Maio e a Rua Infante D. Augusto» (junto à Universidade).
Carro americano aos Arcos do Jardim, puxado por 6 cavalos. Acervo Henrique de Melo
Todavia, este último troço cedo se verificou não ser operacional em função do acidentado do percurso e consequente agravamento de custos, como bem se pode comprovar pela observação da gravura anexa.
A derradeira notícia conhecida relacionada com a atividade desta Empresa, data de 3 de fevereiro de 1916, quando o Município reconheceu que «estando o transporte de malas do correio para os comboios da noite a fazer-se no antigo carro americano puxado a muares» decidiu autorizar que o mesmo transportasse também passageiros.
Ainda neste período deve assinalar-se a efémera existência – com início em janeiro de 1907 – da primeira carreira de autocarros em Portugal que, nesta Cidade, ligava a zona da alta à zona da baixa, iniciativa da Empresa Automóveis Tavares de Mello Coimbra, que para o efeito utilizava carros «de 4 cilindros com a força de 24 cavalos e transportavam 20 pessoas».
Autocarro em Coimbra. In: «Ilustração Portuguesa», II Série, n.º 50, de 4 de fevereiro de 1907.
A terminar, uma curiosidade: na Figueira da Foz, cerca de 1880, também já circulavam carros americanos.
Carro Americano da Figueira da Foz, c. 1880. Acervo RA
Rodrigues Costa
Através de Pedro Rodrigues da Costa chegou-nos uma outra informação relacionada com os transportes, em Coimbra, levados a cabo pelos Carros Americanos.
Trata-se de 3 bilhetes relacionados com o transporte de passageiros em carros americanos, emitidos pela empresa Carris de Ferro de Coimbra, pertencentes à coleção de José Luís Covita e que, seguidamente, divulgamos.
Bilhete 1. Acervo José Luís Covita
Bilhete 2. Acervo José Luís Covita
Bilhete 3. Acervo José Luís Covita
Relativamente aos bilhetes que ora divulgamos, tem de se salientar:
- No bilhete 1 o destino aparece com a designação de “Casa do Sol”, o que deverá ser, muito provavelmente, um erro de escrita, porque o destino deveria ser “Casa do Sal”, ou seja, a zona onde terminava a atual Rua da Figueira da Foz. Segundo José Pinto Loureiro esta designação foi atribuída por deliberação camarária de 2 de Julho de 1903, à rua que ligava a extremidade norte da Rua da Sofia, mesmo em frente da Rua João Augusto Machado, com a extremidade sul da Rua do Padrão, no ponto hoje conhecido por Casa do Sal, no cruzamento com a rua que vem de Coselhas.
Casa do Sal e Água de Maias. Foto Varela Pécurto. In: Voar sobre Coimbra
2 – No segundo bilhete surgem os seguintes topónimos atualmente desaparecidos:
. Largo D. Carlos, designação efémera do Largo da Portagem, deliberada pelo Município em 13 de maio de 1886.
Largo da Portagem, em finais do século XIX
. Infante, dever-se-ia referir à Rua Infante D. Augusto, atual Rua Larga. Ainda de acordo com José Pinto Loureiro esta rua teve, ao longo dos séculos, diversas designações, pois passou por Rua da Alcáçova e por Rua do Colégio Real até de fixar, nos finais do século XVII, no topónimo Rua Larga. Seguiram-se, posteriormente, diversas designações, mais ou menos efémeras: Rua Infante D. Augusto, por deliberação camarária de 17 de julho de 1868; Rua Cândido dos Reis, por deliberação de 20 de outubro de 1910; mas voltou à primitiva designação de Rua Larga por deliberação de 11 de julho de 1929.
Rua Larga, inícios do século XX
. Gasómetro designaria a zona do atual parque de estacionamento do Palácio da Justiça, com entrada pela Rua Figueira da Foz, no local onde, outrora, funcionou fábrica de produção de gás de iluminação.
Fábrica de gás de iluminação, ou o Gasómetro
3 – No terceiro bilhete para além das designações já atrás mencionadas aparece um novo topónimo:
. Largo D. Luís, designação atribuída, em reunião camarária de 24 de outubro de 1889, ao largo do novo bairro de Santa Cruz. Esta nomenclatura viria a ser alterada na já referida reunião de 20 de outubro de 1910, para Praça da República.
Largo D. Luís, nos finais do século XIX
Rodrigues Costa
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