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Agradecemos ao Professor Doutor Nelson Correia Borges a cedência do texto, profusamente ilustrado, da autoria de Manuel da Silva Gaio, e que se encontra publicado na Illustração Portugueza, referenciado a um dos edifícios mais emblemáticos da nossa Cidade, a casa Sobre-a-riba ou Sobre-a-ripa. É aí que, na atualidade, se encontra sediado o Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra.
“Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265.
Ao abrir do século XVI vivia em Coimbra um licenciado, de nome João Vaz, casado com Bertoleza Cabral (?) e possuidor de uns pardieiros na rua de Sub-Ripas — então de «Sobre-a-riba» ou «Sobre-a-ripa».
Esta rua — que sobe da de Quebra-Costas para o Colégio Novo, em linha sudeste-sul-norte — é ladeada: á esquerda-poente, por uma fileira de casas pequenas; á direita, e a partir talvez do seu terço inferior, por um muro fechado. Quem a venha seguindo de baixo irá dar com o cunhal de uma casa antiga, que faz recanto da esquerda, em frente do muro, quebrando este também nessa altura, para a direita, a dar à rua estreita a folga recuada de quase mais três metros. Chegados aqui, ao fundo do pequeno largo assim formado, teremos em frente, a norte, um arco sob o qual a rua continua enladeirando então para o Colégio Novo e, corrida por cima do arco, de poente a nascente, mas prolongada neste sentido, a fachada de uma casa de dois andares. Fechando a direita do largo, perpendicularmente a esta casa, fica um muro onde abre o portão brasonado do seu pátio de entrada. Finalmente: a poente, em face do portão, veremos a verdadeira casa chamada de «Sub-Ripas», cujo cunhal avistámos primeiro.
Arco de passagem das casas de sub-Ripas, p. 265.
Os pardieiros de João Vaz deviam ter ocupado o local da atual casa do arco e do pátio correspondente; e comunicariam talvez, pela barreira, com outras casas ou dependências já da rua chamada hoje dos Coutinhos, na encosta a cavaleiro da rua de Sub-Ripas.
Por volta de 1514 o que havia em face desses pardieiros era apenas um lanço de muralha e uma torre, que faziam parte da cintura da cidade — devendo a torre ser igual ou semelhante àquela que ainda existe para cima, a norte, conhecida na antiga tradição por torre do Prior do Ameal, e há poucos anos por Torre d'Anto, desde que a habitou o poeta do Só.
«Torre do Prior do Ameal» ou «Torre d’Anto», p. 265.
A muralha e a torre de Sobre-a-ripa estariam em ruína; pelo menos estavam abandonadas como defesa do burgo, por correrem tempos mais mimosos de remanso; nem também dariam já suficiente escudo à barreira da cidade, com as novas armas de investida e cerco...
Querendo possuir as duas bandas da rua, e tentado de certo pela doce e amorável vista de casaria e campo alcançada de sobre a escarpa, logrou João Vaz obter aquele lanço de muralha com a torre, não alargando a propriedade para sul e sudoeste, talvez porque desta extrema ela já fosse bater nas casas do sr. D. Filipe — personagem tão respeitosamente citado nos documentos da época como misteriosamente sumido, para nós, na indicação vaga desse nome próprio. Nem consegui ver vestígios das suas casas.
Que, do licenciado, também nada mais se sabe, até hoje, além das indicações dadas acima.
É daquele ano de 1514 o contracto de doação pelo qual um sapateiro chamado Bastião Gonçalves, sua mulher Catarina Anes e sua mãe Catarina Fernandes cederam o direito do aforamento do lanço e a torre ao licenciado João Vaz. Consta d'um documento ou instrumento de pergaminho, [Pertence ao arquivo dos Perestrelos, cujo brasão coroa o portão à direita do largo] lavrado pelo tabelião Gregório Lourenço e apresentado na camara de Coimbra em 26 de julho desse ano, sendo escrivão da mesma camara o morador Inofre da Ponte. Requereu logo João Vaz a ratificação do contrato, e juntamente a licença necessária para construir um balcão ou passadiço que, atravessando a rua, pudesse ligar-lhe de um lado para outro os seus antigos pardieiros e a porção da muralha novamente adquirida.
Obteve a ratificação e a nova licença alguns dias depois — ficando assim, desde o verão de 1514, na posse do terreno onde foi levantada a morada conhecida hoje por «Casa de Sub-Ripas».
Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In: “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.
Anísio Saraiva, ao estudar a propriedade urbana das confrarias e hospitais de Coimbra, em 1504, deparou-se com 51,61% de casas de um só piso para 48,39% de casas sobradas … Das propriedades que o rei detinha em Coimbra, em 1395, 60,9% eram compostas de sótão e sobrado sendo os restantes 39,8% relativos a «casas» ou «casas térreas». A desproporção entre as duas tipologias aumenta consideravelmente para o património camarário de 1532: 73% de casas sobradadas para 27% de casas térreas. Importa ainda referir que, no século XVI, dentro das casas sobradadas, a que ocorre mais frequentemente é a de três pisos, sobrelevando claramente a de sótão e sobrado. Mais significativa ainda é a constatação que 20% da amostragem é composta por casas de três, quatro e cinco sobrados, ou de quatro a seis pisos, para usarmos a terminologia atual.
… O poder atrativo dos centros económicos e/ou de decisão politico-administrativa, a que normalmente se alia o prestígio social, determinam a procura que naturalmente encarece o valor do solo. Mais caro e escasso, torna-se necessário rentabilizar o lote sobrepondo um ou mais pisos nos já existentes. Verificámo-lo … na Rua da Calçada, em Coimbra … Em Coimbra, encontra-se, em 1504, um prédio de três andares junto à porta do Castelo … dois dos mais significativos edifícios conservados em Coimbra: um prédio de quatro andares na Rua do Sargento-Mor e uma casa de dois pisos, na travessa da Rua Velha…
… em 1514, solicitava autorização para lançar um passadiço (na Casa da Rua de Sobre Ribas), de resto, um dos poucos ainda existentes…
… Coimbra … são apenas alguns exemplos de cidade em que o casario se apropriou das cercas defensivas … em 1427, a câmara de Coimbra aforava … parte da muralha ocidental da cidade, incluídas as torres de D. Joana e Belcouce, salvaguardando para a cidade a possibilidade de «andar pelo dicto muro e casas e tore e alpenderes e belar e roldar e en eles quando conprir ao conçelho».
Ao longo desta obra são apresentados alguns dados estatísticos sobre a tipologia das habitações no País que permitem a seguinte síntese no que respeita a Coimbra:
Tipologia média das habitações em Coimbra |
|
Área |
50,43 m2 |
Número de pisos |
2 pisos |
Número de divisões por casa |
1 a 2 divisões |
Materiais de construção |
Pedra e cal, madeira, tijolo, adobe, telha |
Trindade, L. 2002. A Casa Corrente em Coimbra. Dos finais da Idade Média aos inícios da Época Moderna. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 47 a 50, 62, 101, 107, 109
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