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Um destes afortunados comerciantes foi Estevão Domingues. Morador na Rua dos Francos e freguês de Santiago, encontramo-lo em 1347, juntamente com sua esposa Florença Fagundes, a negociar com esta igreja a sepultura de ambos, sendo noticiado, também, que a mãe desta, Joana Fernandes, já ali estava enterrada. Não deverá ter sido este, porém, o destino último deste mercador. Ao que tudo indica, foi enterrado no mosteiro de Santa Clara, já que a filha de ambos, Clara Esteves, ali terá ingressado, razão pela qual o mosteiro reclamou um terço das posses de Estevão Domingues após a sua morte. Quando este faleceu, já era casado em segundas núpcias com Iria Esteves que, como ficamos sabendo por instrumento de 1362, terá feito o inventário dos seus bens, a fim de que a subsequente partição fosse efetuada.
Fotografia da hoje designada rua Visconde da Luz, nos inicios do séc. XX
É com base neste inventário que temos uma noção da riqueza de um mercador coimbrão de fins de trezentos. Estevão Domingues era um negociante por excelência, já que mercava panos importados, sobretudo de lã, oriundos de Flandres e da Inglaterra. Juntamente com estes, vendia também enfeites para a confecção de vestes, como fitas, fios e botões de diversos materiais. Do seu património pessoal, destaca-se um relativo conforto e abundância de artigos de cama e mesa, incluindo-se aí almofadas, colchões, cobertores, mantas, tapetes, toalhas, vasos, taças, colheres, panelas, entre muitos outros utensílios. Também nos aparece arrolado o mobiliário da casa, constituído – entre outros objetos – por cadeiras, mesas, armários, tabuleiros e uma escrivaninha, além de diversos tipos de roupas, pertencentes tanto a Estevão Domingues como a Iria Esteves. Por fim, ficamos sabendo de suas propriedades, que se resumiam, aparentemente, a casas na Rua dos Francos e uma outra na Rua dos Tintureiros.
Não era só de mercadores, no entanto, que a Rua de Coruche e a Rua dos Francos – antecessora da Calçada – eram constituídas. Desde a centúria de duzentos até meados do século XV, encontramos na documentação, além dos sempre presentes alfaiates e sapateiros, também ourives, tendeiros, cónegos, tosadores, um cutileiro, um boticário, um pintor, um barqueiro e um “homem braceiro”. Dentre os funcionários públicos e régios, ali encontramos os tabeliães Afonso Vicente, Miguel Lourenço, João Afonso e Pedro Afonso; o almoxarife Pedro Juliães. vedor da portagem Vasco Eanes e o escrivão régio Domingos Anes, o escrivão da câmara, Álvaro Gonçalves e Gonçalo Vasques, “esprivam (sic) que foy dos horphaãos”. Dentre a pequena nobreza, destacamos os escudeiros João e João Lourenço, além da própria Coroa que, como sabemos através das chancelarias e tombos, detinha algumas propriedades na área.
Finalmente, descendo até o final desta mesma via, atingir-se-ia a Portagem, ponto de partida de nossa caminhada pelas freguesias de São Bartolomeu e Santiago de finais da Idade Média.
Conclusão
Como pudemos verificar, quem se embrenhasse pelas ruas, adros e terreiros de tais freguesias no período medieval, teria contato direto com elementos de todos os extratos sociais, e testemunharia a existência de um número relativamente diversificado de mesteres e estabelecimentos de produção.
Dentre estes, merecem especial destaque os alfaiates, sapateiros e carpinteiros, presentes em toda a área, assim como os peliteiros e os tanoeiros, únicas categorias de mesteres geograficamente concentradas, instalados nas ruas que levam suas designações, na freguesia de Santiago. A freguesia de S. Bartolomeu, por sua vez, tinha como atividade predominante a produção de azeite – como nos evidencia a alta concentração de lagares na zona próxima ao rio –, e contava, também, com a presença de alguns estabelecimentos mecânicos relacionados à curtição de peles.
Dissertação. Imagem nº 22: A Praça do Comércio nos inícios do séc. XX, em vista tomada em direção a igreja de Santiago, pg. 107.
Dissertação. Imagem nº 23: A Rua do Poço, ao centro, ladeada pela Rua das Rãs, a Rua das Solas (atual Adelino Veiga) e a Rua das Azeiteiras. Seu trecho oriental, após o Beco de Santa Maria, hoje é designado por Travessa das Canivetas. Planta Topográfica de Coimbra executada pelos Irmãos Goullard, 1873-74, pg. 117.
Por fim, no eixo formado pela Rua de Coruche e a Calçada – antes denominada Rua dos Francos –, pela sua importância e grande extensão, encontravam‑se instalados profissionais de diversas categorias e grupos sociais, dentre os quais destacava-se a burguesia mercantil, que ali formava o seu reduto.
Concluindo, resta-nos reafirmar que será na Baixa que se conduzirá o desenvolvimento e se refletirá o progresso de Coimbra pelos restantes séculos do período medieval. Serão seus habitantes, homens e mulheres, mercadores e mesteres, que incrementarão o comércio e a produção, e garantirão o relevante papel da urbe no contexto do reino. Destes habitantes, tentámos obter retratos do seu cotidiano e detalhes acerca de sua identidade, revelando um pouco mais acerca destes agentes da história que, em seu conjunto, formam parte essencial do contexto socioeconómico coimbrão, no período de transição de antiga sede da corte à moderna cidade estudantil.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
Tags: Coimbra séc. XIV, Coimbra séc. XV, Coimbra séc. XVI, Baixa, Rua dos Francos ver Rua Ferreira Borges, Rua dos Tintureiros, Rua de Coruche ver Rua Visconde da Luz, Calçada,
Em dias comuns, o movimento na Praça não seria muito diferente do resto dos arruamentos. Transeuntes, tendas, algumas vendedeiras, carros de bois, crianças correndo ou pombas ciscando – alimentando-se, talvez, do que havia sido deixado da última feira semanal – seriam visões comuns. Esta relativa tranquilidade, porém, não devia equiparar-se ao bulício que a Praça experienciava em tempos de feira franca.
Durante os reinados de D. Fernando e D. João I, esta ocorria de 15 de Setembro a 15 de Outubro. Coincidia com o S. Miguel de Setembro, época de colheitas e de pagamento de rendas, e a ela acorria gente de todo o termo, para comprar e para vender, constituindo-se no verdadeiro encontro entre o campo e a cidade.
Tais características faziam da feira, portanto, um vivo e colorido retrato da sociedade medieval. Era ali que o abastado burguês citadino exibia suas roupas adornadas e sua bolsa cheia de moedas, procurando pelo melhor sapato, o melhor tecido ou, talvez, alguma joia. Impressionava, com toda a certeza, o lavrador que, vindo de uma localidade recôndita nos confins do termo coimbrão, aproveitara as isenções fiscais próprias do evento para montar uma banca e vender o produto de suas colheitas a fim de obter algum lucro, que talvez fosse gasto por ali mesmo, em um novo utensílio doméstico ou peça de roupa para sua família. À sua banca, acorria, entre muitos outros, o mesteiral local, com o intuito de abastecer-se do que era necessário para as suas atividades e, no processo, surpreender-se ao passar por estrangeiros a balbuciarem uma língua estranha, vendendo panos exóticos ou outros produtos vindos de fora do reino. Tudo isto, claro, vigiado pelos oficiais do concelho, dispostos a manter a ordem e que tinham no pelourinho, situado bem ao centro da praça, tanto um instrumento de punição como um elemento representativo do poder municipal.
Reconstituição do pelourinho, na sua presumível localização quando instalado na Praça
Por fim, em frente a porta da igreja Santiago, alguns cónegos reúnem-se no alto de sua escadaria, juntamente com um casal. A meio deles, sentava-se um tabelião, rabiscando um grande livro. Era algum emprazamento a tomar forma. Foi este o caso, por exemplo, de Diogo Lourenço e Catarina Anes que, em 5 de Outubro de 1437, em plena feira, receberam de emprazamento, do Mosteiro de São Jorge, um casal e herdade em Santa Luzia, termo de Coimbra, tendo o contrato sido celebrado “ante a porta prinçipal da egreja de San Tiago”.
Dissertação. Imagem nº 8 e 9: A igreja de Santiago após a reconstrução, retratada atualmente / A capela Norte, construída no séc. XV em estilo gótico, pg. 41.
A ocasião, porém, não seria só para negócios. Era, também, a oportunidade de rever os amigos, quem sabe fazer outros novos, atualizar-se acerca das novidades e comentar os assuntos do reino, da cidade, da família, e, até mesmo, da vida alheia. Do que falavam exatamente? Não sabemos, mas podemos supor. Muito provavelmente, um assunto corrente na feira de 1395 seria, por exemplo, o do divórcio entre Afonso Fernandes e Catarina Martins. Ele, dito da Cordeirã, fora escrivão do almoxarifado, e ela, filha de Martim Lourenço, conhecido por Malha e que sabemos ter sido almoxarife de Coimbra entre 1361 e 1367. Foram casados por dez anos e eram, certamente, conhecidos dos moradores da zona da Praça, pois tinham uma casa na Rua dos Peliteiros e um cortinhal em Poço Redondo, localidade próxima.
Não sabemos o que terá causado o divórcio e, muito menos, de quem teria partido a iniciativa, se de um dos cônjuges ou se, em uma hipótese menos provável, da Igreja. Teria o ex-escrivão abandonado a esposa? Era um dos motivos que levariam a tal fim. Se assim o fosse, dar-nos-ia razões para interpretar as quinhentas libras que uma tal Catarina Beata “avia de dar ao dicto Affonso Fernandez do corregimento de pallavras que dissera do dicto Affonso Fernandez” – referidas no instrumento de partilha de bens do casal – como o possível resultado de uma pouco respeitosa observação em relação ao caso. De qualquer modo, a situação era rara e, tratando-se de personagens de alguma visibilidade, certamente terá gerado comentários.
Nesta mesma época, outro tópico que deveria estar entre os discutidos pelos habitantes da cidade seria o da insegurança durante a noite. O povo, este, já apontava culpados: os homens responsáveis pela guarda noturna. Aparentemente, o alcaide-mor, ao invés de utilizar, para este fim, funcionários conhecidos, “escriptos nos livros”, valia-se do serviço de “homees vaadios e nom conheçudos”, não sendo incomum o aparecimento, ao raiar do sol, de pessoas maltratadas e até mesmo mortas, dentre outros malefícios. Por vezes, após a descoberta destes crimes, os ditos homens abandonavam a cidade misteriosamente, sendo “de presumir que som culpados nos dictos mallafiçios ou em parte deles”. Foi este o conteúdo de uma reclamação ao rei, por ocasião das cortes de Santarém, em 1396, tendo o monarca mandado que fossem cumpridos os costumes da cidade de utilizar, para este fim, pessoas conhecidas da população.
Imediatamente acima da Praça, ao cimo das escadas que, já no séc. XIV estariam situadas imediatamente em frente ao arco da Barbacã, estava o eixo formado pela Calçada – antes Rua dos Francos – e a Rua de Coruche, um dos mais importantes da cidade. Tais artérias serviram, durante o período medieval, como reduto de mercadores, fama confirmada por fontes contemporâneas, como é o caso de um decreto fernandino, datado de 1367, que garantia privilégios, especificamente, aos “mercadores moradores na Rua de Coruche e na Rua de Francos”.
Fotografia antiga da hoje designada rua Visconde da Luz 1
Encontramo-los nas fontes desde as primeiras menções a ambas as ruas, em inícios do século XIII, tendo sido muitos deles, ao longo da Idade Média, sepultados no cercano templo de Santiago, como nos provam as diversas citações a mercadores presentes no Livro de Aniversários desta colegiada.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
Freguesias de S. Bartolomeu e Santiago: sociedade e cotidiano
Quem chegava a Coimbra, vindo do sul, era obrigado a traspassar a sólida ponte de pedra sobre o Mondego, obra dos tempos de D. Afonso Henriques e que se constituía como a principal via de travessia do rio.
Ponte manuelina e Portagem
Ainda na sua margem esquerda, uma observação descomprometida já permitiria a um viajante reconhecer a organização da cidade.
No cume do morro, de desenho imponente, estaria a alcáçova, com o castelo a sua direita e, mais abaixo, uma grande muralha, dotada de altas torres, contornaria a elevação sobre a qual a cidade se erguia, separando a parte alta da parte baixa, esta situada na margem do rio, ladeada por um branco areal. À medida que se atravessava a ponte, um observador mais atento talvez reconhecesse, por entre o casario da Baixa, constituído em sua maioria por casas sobradadas, o topo da igreja de São Bartolomeu, cujo edifício medieval tinha a fachada orientada para sudoeste.
Dissertação. Imagem nº 3: Planta indicando a localização da igreja românica, pg. 37.
Transpondo a porta da torre na qual a ponte afonsina culminava, chegava-se à Portagem, situada no local onde se encontra o largo homónimo. Ali, exceto em época de feira franca, era necessário pagar por quaisquer mercadorias que se trouxesse de fora da cidade.
Portagem, meados séc, XIX
Em 1422, acompanhando este processo de pesagem e avaliação dos produtos poderia estar João Gonçalves. Tinha sido criado e porteiro “do muito honrrado dom Gil de boa memoria”, e residia na Rua de Coruche – atual Rua Visconde da Luz – território da antiga freguesia medieval de Santiago, com sua mulher, Maria Gil. Trabalhava, naquele momento, como portageiro, já que, juntamente com outros parceiros, tinha arrendado a portagem da cidade. O negócio, embora certamente rentável, causar-lhe-ia, no entanto, alguns problemas.
Como sabemos através das fontes, seu ofício obrigava-o a viver na arrecadação desta, onde morava durante a maior parte da semana, com exceção do domingo. Estando este edifício dentro dos limites da igreja de S. Bartolomeu, os seus cónegos fizeram uso deste argumento para lhe cobrar dízimas, contrariando o desejo do próprio João Gonçalves. Afinal, como é alegado na documentação, era em sua casa na Rua de Coruche que, juntamente com sua esposa, tinha todos os seus bens móveis, seu celeiro e adega, e onde guardavam seus animais; e era na igreja de Santiago, onde escutavam as missas, ouviam o canto litúrgico e participavam das festas. Como verdadeiros fregueses dela, era a esta que, justamente, queriam dar seu dízimo.
A contenda gerou um processo judicial de foro eclesiástico, que resultaria em uma sentença a favor de Santiago e de João Gonçalves. Foi certamente um alívio para o portageiro saber que poderia retribuir devidamente a quem, com aparente atenção, lhe dava apoio espiritual e participava ativamente do seu dia-dia. Para Santiago, porém, seria mais um dos seus inúmeros conflitos com a paróquia vizinha, fruto de um antagonismo que parecia existir já há algum tempo entre estas ricas e prestigiadas colegiadas. Prova disso é uma outra contenda, esta de 1349, por motivo do direito à dízima de Domingos Eanes, carpinteiro.
Na ocasião, este trazia emprazada uma almuinha do Mosteiro de Lorvão, situada “além da ponte”, logo, fora dos limites de qualquer paróquia da cidade. Domingos Eanes era freguês de Santiago e, um dia, juntamente com o dizimeiro desta, media o milho para determinar a quantidade que lhe devia entregar quando, subitamente, foram abordados por homens de S. Bartolomeu que, sem explicações, lhes tomaram a dízima violentamente.
O incidente gerou, também, uma sentença judicial, decidida a favor de Santiago e sustentada na evocação, por parte do juiz, do longínquo costume local de, caso a herdade não ser de outra igreja nem estar dentro dos limites de alguma paróquia, a dízima dever ser paga à colegiada de que se é freguês.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
Ponte de Santa Clara
…. Com a construção da nova ponte a uma cota mais elevada e o aterro de defesa da cidade contra as inundações, o município pôde finalmente projetar o almejado plano de embelezamento da cidade a partir da sua principal entrada, o Largo da Portagem. O projeto apresentado pelo primeiro engenheiro municipal, contratado especialmente para esta obra previa a construção de um Passeio Público entre o cais das Ameias e a Ponte e, a regularização do Largo da Portagem. Implicou não só um grande aterro, como a expropriação e demolição total de dois quarteirões de edificações. O projeto esboçava uma praça triangular, limitada a norte por um novo edifício a construir no alinhamento da ponte e alargava a entrada da rua da Calçada.
António José de Sá, “Projecto de uma nova praça a abrir no sitio da antiga portagem …” 1874
António José de Sá, “Projecto dos melhoramentos a fazer no Largo da Portagem”. 1874
A vermelho os novos edifícios que regularizariam a praça triangular, visível ainda o cais e do lado direito o arranque do parque público
O resultado não foi o projetado pelo engenheiro António José de Sá que, entretanto, tinha abandonado os quadros da edilidade.
O edifício a marcar o alinhamento da ponte não foi construído e o largo limitado, do lado norte, por um tosco gradeamento servindo de guarda corpos para a rua da Saboaria que se encontrava na cota original quase cinco metros abaixo do novo largo. Só no início do século XX, graças à iniciativa do Banco de Portugal, foi construído o alçado norte mas que, apesar da qualidade do projeto do arquiteto Adães Bermudes, resultou num conjunto de edifícios sem qualquer unidade, marcado por cérceas completamente distintas. Já a marginal abundantemente arborizada, criando o desejado passeio público que permitiu ultrapassar a falta de um projeto de conjunto para os edifícios, que aliás tardaram a ser construídos, só se completando a frente ribeirinha já no início do século XX.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 205-211, 241-243
Também no final desse ano se principiou o alteamento do Largo da Portagem junto à ponte, demolindo a capela, o pelourinho e a devoluta torre de portagem.
(Nota de rodapé: Na sessão de câmara de 28 de Novembro de 1836 deliberou-se a “demolição do torre sobre a ponte em razão de serem necessários os entulhos della para altear o largo da Portagem”)
Largo da Portagem [sendo visível a cadeia demolida em 1857]
José Carlos Magne, Mapa de ruas desde a Portagem até à capela de St. António da Estrela, último quartel do século XVIII
Verifica-se assim que estas obras, já projetadas e orçadas em 1835, se articulavam com um plano mais vasto que incluía o alargamento da principal rua da cidade e troço da estrada de Lisboa-Porto, bem como a regularização das margens do Mondego e do Largo da Portagem, para além da imprescindível ponte nova a uma cota mais alta.
De forma concertada, mas muito morosa, este primeiro conjunto de intervenções de reforma urbana marcou de forma indelével a paisagem urbana da cidade junto ao rio e materializou o primeiro plano de embelezamento promovido pelo município.
…. Pese embora a boa vontade do município para a execução deste plano, as obras das margens, bem como a ponte, estavam dependentes do poder central, não só pelas debilidades financeiras que caracterizavam as contas municipais, mas porque todas intervinham em domínios de tutela governamental. Os cais, do domínio da Superintendência do Encanamento do Mondego e a Rua de Coruche tal como a ponte, enquanto troço de uma estrada de 1.ª ordem, dependiam do Ministério do Reino. Esta dupla tutela embora vantajosa por permitir a comparticipação dos cofres centrais no custo das intervenções, geralmente retardava as intervenções, dependentes de estudos e da disponibilidade financeira central.
Exemplo desta morosidade é o processo de construção da nova ponte metálica em substituição da antiga ponte manuelina assoreada pelo rio. Os primeiros estudos datam de 1859, mas só três anos depois foi publicado o decreto autorizando o seu projeto e construção e, finalmente, em 1873 teve início a sua construção. O caso da rua de Coruche, embora também tenha sido um processo moroso, ilustra as vantagens desta dupla tutela, consagrada pela alteração da sua toponímia para Rua Visconde de Luz em agradecimento ao Diretor-Geral das Obras Públicas. Apesar de incluída no plano delineado em 1935 só vinte e dois anos depois, sob a presidência de António Augusto da Costa Simões, foi solicitado e aprovado o traçado da rua, proposto pelo Diretor das Obras Públicas do Distrito, João Ribeiro da Silva Araújo.
João Ribeiro Silva, Projeto da estrada entre as ruas da Calçada e da Sofia, 1857
Pela dimensão das expropriações e dos consequentes realojamentos, esta obra só se tornou possível pelo auxílio do governo que, comparticipou um terço do valor do seu custo, para além de ter aprovado o empréstimo contraído pela Câmara de Coimbra.
A intervenção assume um caráter exemplar porque, dentro do espirito da época, para além de definir os alinhamentos, procurou traçar uma rua moderna garantindo a qualidade estética do conjunto através de regras que definiam o tipo e altura das cantarias, de portas e janelas, os remates da fachada e a forma e prazos da construção.
Neste sentido, veja-se o plano traçado, na mesma época, para o Cais do Cerieiro, a montante de ponte, mas que por falta de apoio governamental e de verbas do município foi adiado. Previa a construção de um cais e de um passeio público sobre o rio para recreio da população.
“Ao deplorável estado em que actualmente se acha o sítio denomonado – Logar do Cerieiro – prestou atenção esta Camara, deliberando unanimente proceder alli à construção d’uã doca, e d’um caes em continuação do que já existe, e resguarda a cidade das inundações do Mondego, sendo do mesmo tempo um dos nossos mais bellos passeios … O estrangeiro que visitar Coimbra não encontrará um sitio lúgubre, qual hoje é, em perfeito contraste com tantas bellezas, que aformozeam este lado da cidade, gozará de uma vista aprazível e harmónica que se desenrola em toda esta linha, que banha as aguas do Mondego. Não data de hoje, nem sae de nós o pensamento da obra projectada. A todas as administrações camarárias se tem apresentado a ideia da constinuação do caes, assim abaixo das Ameias, como acima da Ponte, no logar do Cerieiro a terminar na ínsua de João Gomez Vianna; e se ate hoje não foi lavada a efeito esta última parte, as cauzas independente da vontade dos ilustres vereadores, que nos precederam, deram a isso logar. A construcção do caes, como a obra de mais vulto deste municipio, tem sido sempre uã questão económica, que umas vezes a necessidade adiou, outras a proporção dos recursos deixou mesquinha, e acanhada, mas em todas as epochas desde mil oitocentos trinta e quatro fói reconhecida a sua necessidade, e importância, andou sempre na ordem do dia dos melhoramentos municipais de maior alcance e o orçamento traria anualmente para ella a verba d’um conto de reis”.
Apesar da pertinência deste plano, a construção do Passeio Público entre as Ameias e a ponte, o alteamento e regularização do Largo da Portagem e a construção da nova ponte foram adiados até 1873.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 205-211, 241-243
- Nos finais do séc. XI/ início de XII, existia uma edificação romano-bizantina, da qual ainda estavam inteiros dois pórticos, em 1894. Em 1131 aparece referida tendo por prior um D. Onorio. Até 1183 esteve sujeita ao Arcebispo de Compostela, e a partir daí passou a pertencer ao bispo conimbricense.
- Foi sagrada sob a designação de basílica em 1206, devido a profanação, reparação ou reconstrução.
- Em 1500, D. Manuel funda a Misericórdia em Coimbra. E, em 1526, esta muda-se para o celeiro da Igreja Paroquial de São Tiago. Em 3 de Junho de 1546 é lançada a primeira pedra da Igreja Velha da Misericórdia sobre uma das naves de S. Tiago, concluída em 1549, com capelas, retábulos e varanda de João de Ruão. No entanto acontecem divergências com a paróquia, e saem, e em 1571 começam mesmo a construir outro edifício na mesma praça, mas em 1587 suspendem os trabalhos. Voltam a S. Tiago em 1589. São retomadas as obras. Deu-se a deformação da frontaria com o acrescento de dois pisos. A rosácea é rasgada e convertida em janela de sacada. Em 1772 vão para a Sé Velha, mas pouco depois voltam para São Tiago. De facto, a Misericórdia tinha tido várias localizações, mas acabava sempre por voltar. No séc. XVIII nova reforma desfigurou-lhe completamente as naves interiores, tendo as suas paredes sido todas estucadas.
- Em 1841 a Misericórdia vai definitivamente para o Colégio da Sapiência, junto com o Colégio dos Órfãos.
S. Tiago antes das obras
- Em 1858, quando a Câmara procede ao alargamento da “tortuosa, escura e estreitíssima” Rua do Coruche, para a converter na atual Visconde da Luz, as absides da capela-mor e laterais foram cortadas e, portanto, as proporções da planta inteiramente alteradas. Além disso não se respeitou a disposição da antiga escadaria que dava acesso à porta principal, tendo sido introduzida como que uma escadaria “em trono”.
S. Tiago durante as obras
- Em 1861, é demolida a Capela-mor de São Tiago e parte do Adro da Misericórdia Velha. Para restabelecer o acesso às instalações, constroem-se umas escadas e um patim gradeados.
S. Tiago depois das obras
A antiga Igreja da Misericórdia vem a ser demolida em 1908. Em 1930, a igreja é visitada por um conjunto de especialistas, no sentido de serem tomadas opções para o restauro. No entanto o restauro só se conclui em 1935, pelos Monumentos Nacionais.
Anjinho, I. 2006. Da legitimidade da correção do restauro efetuado na Igreja de S. Tiago em Coimbra. Acedido em 2018.01.23, em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31091/1/
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.