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Desconhece-se o ano exato da sua fundação, sabendo-se, contudo, ter sido anterior a 1213, pois existem documentos com esta data no Cartório do Mosteiro, permitindo concluir que a lnstituição se encontrava lançada e procurava então desenvolver-se, adquirindo propriedades, confinantes com o Mosteiro. Chamava-se ao local Vimarannes … nome do proprietário da zona no período visigótico. Ainda hoje existe, a poente do Mosteiro, a Quinta de Guimarães.
… Embora tenha atravessado períodos de dificuldades económicas, como provam alguns documentos, o Mosteiro teve vida de relativa prosperidade … como se prova pela abundante documentação do antigo Cartório do Mosteiro e que hoje se conserva no Arquivo da Universidade de Coimbra. Nos finais do século XVII, o Mosteiro recolhia 120 monjas e aproximado número de criadas (encostadas).
Fachada do Mosteiro de Celas e parte do adro de São Germano. Op. cit., pg. 26
… Todo o burgo de Celas com seus quintais e a cerca do Mosteiro estavam perfeitamente delimitados por 25 marcos com a inscrição epigráfica «CELAS» e ainda por muro alto de que ainda restam alguns vestígios a poente e a sul do Mosteiro. Nenhum dos marcos. porém foi encontrado nos locais onde presumivelmente se localizavam.
Marco do Mosteiro de Celas, adaptado a marco do Mosteiro de Santa Cruz, com a abertura de uma cruz. Encontrado em Murtede, Cantanhede. Acervo RC
O precioso manuscrito que tivemos a sorte de encontrar e que a seguir se publica na íntegra, permitiu-nos reconstituir. com aproximada exatidão, o circuito que delimitava o Burgo e a Cerca do Mosteiro de Celas.
… Tal como fizeram os intervenientes na demarcação do Burgo e Cerca do Mosteiro de Celas, convidamos o prezado leitor a deslocar-se ao local onde teve início a dita demarcação, situado a cerca de 40 metros acima da atual Cruz de Celas, junto do muro que serve de suporte a um vetusto mirante… que à esquerda se encontra, na atual Rua Bernardo Albuquerque.
Imagine o soar das seis badaladas nos sinos do Mosteiro na manhã fresca, mas amena do dia 9 de agosto de 1740.
… No local acima referido, encontrava.se um dos vários cruzeiros existentes no burgo.
Daqui, rumando ao sul e atravessando a estrada que vinha de Coimbra para o Burgo, na distância de 50 varas, encontraram um marco do Celas, junto à esquina do muro dum quintal então aí existente.
Viraram a nascente pela Carrelra dos Namorados provavelmente do trajeto aproximado à atual Rua Gomes Freire, ondo foi encontrado o 2.° marco e do anterior a este mediram 24 varas.
A descrição da demarcação prossegue no mesmo estilo.
Demarcação do burgo e cerca do Mosteiro de Celas em 1740. Op. cit., pg. 34-35
Sendo apresentado um mapa onde toda a informação é sintetizada, optamos por nos circunscrevermos à referência dos demais topónimos referidos no manuscrito estudado, a saber, Rua das Parreiras, Rua Silva Ferreira, rua ou estrada que vai para Santo António, caminho que vai para a fonte da mãozinha, carreira dos namorados.
Abertura da Avenida que devassou a antiga cerca do Mosteiro. Op. cit., pg. 34
Silva, J.M.A. Demarcação do Burgo de Celas e da Cerca do Mosteiro de Celas. In: MUNDA, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. N.º 1, maio de 1981. Pg. 25-35
No alçado anterior do edifício é bem notória a força de uma gramática classicizante de sabor italiano, mas embora se encontrem aqui as linhas dominantes, não podemos deixar de lhe chamar eclética, no total sentido do termo; é que o ecletismo deixou de ser interpretado como uma posição de incerteza para se transformar numa proposta de liberdade, onde não cabe mais o formulário unilateral .
…. Em arquitetura, mais do que em qualquer outra disciplina artística, os orçamentos são determinantes e a Universidade não dispunha, ao tempo, de verbas vultuosas que fizessem face a um imóvel luxuoso, no entanto queria, certamente, um edifício digno.
Fachada anterior da Faculdade de Letras, projetada pelo Arquiteto Silva Pinto
É dentro destes parâmetros que se apresenta a proposta do arquiteto. Bem ritmado, com o piso térreo de silharia de junta fendida e torreões marcados nas extremidades, a zona central do primeiro andar apresenta as aberturas vazadas no paramento e separadas por pilastras adossadas à parede ou por colunas duplas. A parte superior do vão das janelas oscila entre o arco de volta perfeita e o frontão triangular, para, numa liberdade criativa total, mostrar o lado inferior das ventanas colocadas nos pseudotorreões a acompanhar os degraus da escada interior.
Remata o edifício uma platibanda que faz lembrar os coroamentos tipo Adam's, com um baixo-relevo central, maqueta de Costa Mota (sobrinho), levado a cabo já em 1929.
[O relevo, que media 6x4,5 metros, ostentava na parte superior uma esfera armilar, ao centro a esfinge e na base folhas de louro, uma joeira e livros representando a ciência. Manuel de Jesus Cardoso passou à pedra o projeto apresentado pelo escultor. A imprensa local não regateou elogios ao arquiteto Silva Pinto, a Costa Mota, que já no ano anterior estivera em Coimbra, a fim de se inteirar do contexto onde seria colocada a peça e ao mestre de obras João dos Reis].
Lamentavelmente o projeto não se realizou tal como havia sido concebido. Construído ao longo de duas dezenas de anos, cedo mostrou a exiguidade de espaço. O arquiteto viu-se na necessidade de, no decorrer das obras, criar uma área maior dentro da estrutura prevista. As modificações cifraram-se no acrescento de um piso, o que obrigou os torreões a subir e a dar lugar, em cada um, a três frestas, de pés direitos lisos, coroados por uma balaustrada.
Na platibanda foram suprimidos os graciosos remates hemicirculares, os pilaretes alteados e transformados apresentavam-se agora num “resolve situações” que não eram nem colunas, nem pilastras. O local destinado ao relevo, de levemente arredondado, mudou-se para desproporcionado frontão triangular. Este novo andar, do ponto de vista gramatical, nada tem a ver com o restante edifício, e foi pena, pois o imóvel possuía uma marca de sobriedade, elegância e harmonia.
Além da fachada principal, referida detalhadamente, a construção continha ainda mais três faces a confinar lateralmente com as ruas de S. Pedro, de Entre Colégios e na zona posterior com a das Parreiras.
Fachada posterior da Faculdade de Letras, projetada pelo Arquiteto Silva Pinto
Desta, sobressaem os três grandes janelões rasgados no paramento, a fim de iluminar a sala que se destinava a Museu. Eram coroados por um frontão triangular sobre o qual se destaca a cúpula de ferro e vidro a cobrir o recinto.
Estes alçados, embora mais modestos, não destoavam do conjunto.
Ainda quase por acabar, quando se davam os derradeiros retoques, o camartelo bramido por ordem lisboeta, embora com a aprovação (talvez implicitamente forçada) do Senado da “velha” Universidade, agora a completar sete séculos, arrasou-lhe a fachada, esventrou-lhe as entranhas e desbaratou-lhe parte da decoração.
De qualquer forma, a primeira Faculdade de Letras, no seu conjunto, expressava um maior gabarito do que a atual fachada da Biblioteca Geral, que, ao fim e ao cabo e despudoradamente, ainda se apoderou de grande parte das estruturas interiores. O amplo salão de leitura e a cúpula elíptica, de arrojado traçado, que o encimava, foram reaproveitados, embora a contextura de um mal-amanhado teto disfarce aquela composição; o mesmo aconteceu com o elegante vestíbulo e escadas de acesso.
Portão que fechava uma das portas da Faculdade de Letras, sem a bandeira, e atualmente instalado na entrada poente da cerca do Jardim Botânico.
Nem sequer tiveram dó dos belos portões de ferro forjado, dos magníficos lustres do mesmo material, dos lindos artefactos de talha que se encontravam portas a dentro e do grande vitral de manufatura italiana existente na vasta sala do Museu.
Mas “no reinado dos bota abaixo” o que se poderia esperar de quem não se compadeceu com o derrubar da maior parte do centro histórico da cidade e nem compreendeu o diálogo travado entre o complexo cultural e a malha urbana envolvente, bem como as relações daqueles com a massa humana que ali se movimentava e habitava?
A zona do Paço das Escolas continha em si muito mais do que meras construções, era a memória coletiva de todo um passado que não interessa renegar, mas sim compreender, até para nos abrir a porta do futuro; era o cenáculo da cultura, mas era também o local por onde haviam passado gerações e gerações de estudantes, de frades, de professores, de funcionários; era ainda ali que o saber e os artífices se abraçavam ou se digladiavam, ficando uns no cimo da colina e estendendo-se os outros pela parte baixa da urbe. Com o derribar dos edifícios, lançaram também por terra toda esta vivência.
A personalidade e os conhecimentos do arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto ressaltam dos muitos projetos que elaborou durante a vida. O edifício da Faculdade de Letras, sobretudo na sua versão original, comprova-o.
Anacleto, R.; Poilicarpo, I.P.L. O arquitecto Silva Pinto e a Universidade de Coimbra, em Universidade(s). História. Memória. Perspectivas, vol. 2, Congresso História da Universidade. 7.º centenário. Coimbra, 1991, p. 327-346.
O «campo» começava dentro da própria cidade, sob a forma de quintais onde cresciam hortas, parreiras e árvores que tornavam risonho o aglomerado ao altearem-se por entre as casas empilhadas em ruas estreitas. Topónimos como Rua das Parreiras e Rua da Videira parecem inculcar o facto.
Da sua presença, no burgo de Celas, populoso já em 1608, não se pode duvidar.
… A Porta do Castelo dava para olivais ou vinhas. Junto dela laboravam lagares de moer e espremer a azeitona
… Para lá dos muros da cerca dos Bentos, a sua quinta, até junto ao rio, com um salgueiral plantado nas margens … As quintas da Alegria, que se continuavam ao longo do rio, para montante, até encontrar «o aprazível e cheiroso das hortas da Arregaça»
… A Porta Nova conduzia, por sua vez à Ribela. Neste vale, o longo dos anos, é fácil encontrar referências a vinhas, hortas, olivais, nogueiras, laranjeiras e sinceiros; a lugares devassos para pasto do gado da cidade, «grosso, miúdo ou bestas»; ao curral do concelho, a «engenhos» de fazer azeite ou moer pão, movidos a água pelo menos durante uma parte do ano.
… As outras saídas da cidade, todas elas, conduziam, igualmente a paisagens semelhantes, logo que terminavam as casas.
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume I. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg.321 a 325
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