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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 17.02.22

Coimbra: Baixa na época medieval 4

De volta à Portagem, após o pagamento dos devidos direitos, um viajante recém-chegado à cidade certamente optaria, ou seria recomendado, a seguir em direção às freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. Em um decreto de D. Fernando, datado de 1377, o rei acatava um pedido do concelho – decerto dando continuidade a um costume já existente – de que as estalagens se localizassem na área destas duas paróquias.

Dissertação, fig. 4 e 5.png

Dissertação. Imagem nº 4 e 5: Igreja de S. Bartolomeu localizada em uma vista de Coimbra, de 1855/ Provável representação da igreja de São Bartolomeu na vista de Coimbra de Pier Maria Baldi, 1669, pg. 38.

 Uma rota possível em direção ao centro destas freguesias seria pela Ribeira – denominação medieval da área beira-rio situada na margem esquerda do Mondego – ladeando o famoso Arnado. Uma visão inevitável para quem por ali passasse seria a dos barcos ali estacionados. Sabemos, por exemplo, que na segunda metade do séc. XIV, os barqueiros Estácio Martins e André Vicente tinham propriedades nas proximidades, assim como, provavelmente, o pescador Vasco Paiola. André Vicente, especificamente, recebera de emprazamento um cortinhal na Ribeira ao qual Lourenço Martins, “Desbarbado” de alcunha, tinha renunciado. “Nom podia manter o dicto cortinhal porque era ja homem velho e pobre”, alegava.

Também próximo ao rio Mondego, abundariam os estabelecimentos mecânicos. Em toda zona da Ribeira e na Rua da Ponte, temos notícia da existência de lagares de azeite, pelames e alcaçarias, algumas destas últimas pertencentes à confraria dos Sapateiros.

Dissertação, fig. 11.png

Dissertação. Imagem nº 11: Em preto, o traçado presumido para a Rua da Ponte, em azul o para a “rua que vai para a ponte”, pg. 48.

Trabalhos duros e sujos, por vezes exalando cheiros incómodos, estariam situados junto ao Mondego não somente dada à necessidade ocasional do uso da água como força motriz, assim como pela facilidade de escoamento das impurezas geradas por tais atividades. Isto, conjugado com a proximidade à sota – canal de esgoto que atravessava a Ribeira de S. Bartolomeu, rumo ao rio, correndo provavelmente em vala aberta – e a natural imundície das ruas medievais resultaria, certamente, em um local desagradável e insalubre.

Tal situação, porém, não impedia que figuras de diversas camadas da população habitassem e fossem proprietários na região limítrofe ao rio. Sabemos que, próximo de uns lagares de azeite na Rua da Ponte, estavam as casas de Afonso Peres, porteiro do bispo. Confrontando com uma estrutura não identificada designada de Pedernedo, situada nesta via, estavam as casas de João de Alpoim e, na Rua da Sota, morou Vasco Martins, porteiro do concelho. Por fim, Martim Domingues, senhor do Hospital de Ceira, e Vasco Garcia, escudeiro, também detinham ali propriedades.

A Rua da Sota, segundo a hipótese que avançámos em nossa dissertação de mestrado, corresponderia, na Idade Média, à atual Rua dos Esteireiros e, portanto, desembocaria no adro da igreja de S. Bartolomeu. Centro nevrálgico da freguesia, aqui também encontrar-se-ia, caminhando por entre as campas que rodeavam o templo, entrando e saindo da igreja, ou simplesmente à porta de suas casas, indivíduos de extratos sociais diversificados. Em finais do séc. XII, temos notícia que ali teria propriedades o moedeiro e alvazil D. Telo, enquanto que, para o século XIV, chegam-nos testemunhos de clérigos ali residentes, como Gonçalo Peres, prior de Ceira e raçoeiro de S. Bartolomeu, assim como homens do rei, caso de Estácio Anes e Diogo Peres.

Porém, a maioria dos que habitavam nas imediações do adro parecem ser mesteirais, com a presença de alguns mercadores. Sobre os primeiros, as fontes falam-nos, para os séculos XIV e XV, sobretudo, em sapateiros, alfaiates e carpinteiros. Encontramos também uma oleira, Maria Peres, que deixou em testamento, à colegiada de S. Bartolomeu, as casas em que morava, situadas no local. Teria criado junto de si uma rapariga, de nome Catarina Carnes, a quem recompensou, juntamente com uma tal Constança, com uma casa em Cabo de Cavaleiros, “com esta condiçom que a dicta Costança ensigne a tecer a dicta Cathelina Carnes”. Por fim, fazendo jus a determinação outorgada por D. Fernando décadas antes, convém citar Gonçalo Seco, “estalageiro”, presente como testemunha, em finais de trezentos, em dois atos celebrados na igreja de S. Bartolomeu, indício de que talvez seu estabelecimento ficasse por perto.

Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view

 

 

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por Rodrigues Costa às 15:58

Terça-feira, 15.05.18

Coimbra: Hotel Astória 2

A Companhia de Seguros “A Nacional” ocupou ou seu edifício-sede até finais de outubro ou inícios de novembro de 1925 altura em que Alexandre de Almeida assina uma escritura de arrendamento com a seguradora, a fim de ali vir a instalar um luxuoso hotel. O contrato, com início no dia 1 de janeiro do ano seguinte, prolongava-se por 19 anos com a renda mensal de quatro mil escudos, reservando, a seguradora, três divisões no primeiro andar, a fim de lhe servirem de sede.

O jornal “O Despertar” escrevia na sua edição de 11 de novembro desse ano que “Coimbra fica agora ricamente servida de bons hotéis, nenhuma outra cidade havendo, além de Lisboa e Porto, que os possua em melhores condições de luxo e conforto”.

O conhecido empresário, a fim de “fazer a aquisição de mobiliário e outros artigos para o referido hotel” deslocou-se à Alemanha, embora tenha encomendado no Porto, à Casa Venâncio do Nascimento as cadeiras e as mesas e adquirido na mesma cidade os revestimentos de madeira das paredes, os apliques e o pavimento.

Mas a verdade é que o interior de um edifício que fora construído para servir de escritório não podia acolher, sem adaptações vultuosas, um hotel e, além disso, o espaço disponível não se mostrava suficiente para responder às necessidades.

Espaço a ser anexado.jpg

Espaço a ser anexado ao Hotel Astória

 O arrendatário recorreu, então, aos serviços do conhecido arquiteto portuense Francisco de Oliveira Ferreira, a fim de organizar e ampliar o futuro hotel que pretendia vir a colocar à disposição do público mondeguino, e não só.

Oliveira Ferreira nasceu no Porto em 1885 e faleceu em Miramar no ano de 1957. Diplomou-se em arquitetura na Academia Portuense de Belas Artes e exerceu uma intensa atividade naquela área ao mesmo tempo que se interessava por assuntos de arte e de arqueologia. Viajava frequentemente pela Europa, a fim de aprofundar os seus conhecimentos e marcou significativamente, com alguns dos trabalhos saídos do seu lápis, principalmente, as cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia. O artista “ficará, certamente, na história da nossa arquitetura como um caso de coerência no ofício e na arte de ser arquiteto em Portugal”.

Edifício do Hotel Astória.jpg

Edifício do Hotel Astória depois da intervenção de Oliveira Ferreira

 Obviamente que, para responder ao desafio de Alexandre de Almeida, não passou pela cabeça, nem pela mão de Oliveira Ferreira imitar, no exterior e na zona que ia acoplar ao edifício de “A Nacional”, o gosto eclético do pré-existente, mas conseguiu, utilizando embora uma linguagem completamente diferente, que o todo se mostrasse harmonioso e não chocasse.

A 28 de março de 1926 o Hotel Astória foi, finalmente, inaugurado e, tal como “O Despertar” noticiara podia considerar-se, “na altura como a catedral dos hotéis nacionais e internacionais”, porque a existência de uma central telefónica, do elevador, do aquecimento central ou do requintado e luxuoso mobiliário, o permitiam.

Da festa inaugurativa, abrilhantada pelo sexteto "Jazz Band César Magliano", constava um banquete (almoço) e um chá dançante (jantar). O evento foi considerado um verdadeiro acontecimento social.

O Hotel Astória que ainda na atualidade conserva o aspeto romântico da época da abertura e contém no recheio artístico e arquitetónico verdadeiras relíquias tornou-se, quase desde a sua inauguração, num ex-líbris de Coimbra e o edifício projetado a duas mãos, saiu, comprovadamente do lápis de Francisco Oliveira Ferreira e, com grande margem de segurança, do de Adães Bermudes.

 

Lisboa. Monumento aos Restauradores.jpg

 Lisboa. Monumento aos Restauradores. “Génio da Independência”. Alberto Nunes

 Ao longo dos tempos conheceu diversas campanhas de obras, com destaque para as realizadas em 1945, 1980, 1990 e 2002, esta última a contemplar também o exterior do hotel.

As intervenções de 1990 foram levadas a cabo na sequência da escolha do hotel para albergar Mário Soares, então Presidente da República, e a sua comitiva durante a “Presidência Aberta” que aconteceu na cidade; é que, durante 10 dias “a Presidência da República ficou instalada na Reitoria da Universidade de Coimbra (instituição a comemorar 700 anos)”, enquanto a comitiva pernoitou no Hotel Astória, então chamado pela população citadina de «Palácio de Belém da Portagem».

 

O Génio da Independência.jpg

 O “Génio da Independência”, emblema da Companhia de Seguros “A Nacional” decorou durante quase cem anos a fachada do Hotel Astória, mas sumiu…

 A Companhia de Seguros “A Nacional” tinha por emblema o “Génio da Independência”, escultura que se pode observar no monumento da Praça dos Restauradores, em Lisboa. O padrão, inaugurado a 28 de abril de 1886, consagra a Revolução de 1640 e Eça de Queirós, em «Os Maias», descreve-o como sendo “um traço cor de açúcar na vibração fina da manhã de Inverno”.

O Génio da Independência”, esculpido por Alberto Nunes (1838-1912) representa um jovem alado a quebrar as cadeias que o manietavam e a transportar a bandeira; a peça bastava, por si só, para fazer a reputação de um artista.

Durante quase um século, uma réplica em bronze do “Génio da Independência”, símbolo da companhia seguradora, ornamentou a fachada do conimbricense Hotel Astória, mas aquando de uma das obras de conservação, provavelmente das de 2002, levou sumiço, ou porque incomodava os donos do imóvel, ou porque a sua venda tornava passível minorar os custos da intervenção! Seria interessante conhecer o seu paradeiro…

Em 2011 o edifício do Hotel Astória passou a integrar a lista de monumentos de interesse público, classificados pelo Ministério da Cultura e foi-lhe fixada uma Zona Especial de Proteção.

 

Bibliografia:

ANACLETO, Regina, Neoclassicismo e romantismo, em História da arte em Portugal, vol. 10, Lisboa, Alfa, 1986.

Arquitectura, pintura, escultura, desenho. Património da Escola Superior de Belas Artes do Porto e da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, Universidade do Porto, 1987.

BAIRRADA, Eduardo Martins, Prémio Valmor (1902-1952), Lisboa, Manuela R. de A. Martins Bairrada, 1988.

Construcção Moderna (A), Ano VII, 20, Lisboa, 212, 1907.02.01.

Despertar (O), 882, Coimbra, 1925.11.11.

Gazeta de Coimbra, 1823, Coimbra, 1925.11.19.

http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/hotel-astoria-em-coimbra.html

http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/companhia-de-seguros-nacional.html

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por Rodrigues Costa às 09:41

Terça-feira, 27.09.16

Coimbra: a Rua da Sota e o Mirante do Fidalgo

Ao pesquisar no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra os Títulos originais. 1835-1858, encontrei na página 159 uma escritura datada de 1852.03.08, na qual era dito:

Pelo presente de cláro, q.e concedo licença a Camara p.º fazer huma rua, principiando a sua abertura da extremidade da ponte, lançando uma linha recta desde a quina da caza digo do Mirante do Fidálgo, ate a quina das cazas de Manuel do Vál; e do lado da Ponte tudo até ao cais.

Sendo óbvio que a localização do referido Mirante era na Portagem colocou-se a questão de saber qual a rua que a Câmara estava a abrir. Existiam três hipóteses: o início da Estrada da Beira; o princípio da futura Avenida Navarro; ou uma qualquer outra rua.

Feita uma pesquisa nos Anais do Município de Coimbra, foi possível esclarecer a questão.

Assim na entrada referente à Sessão de 1882.04.16, era referido:

Dada a cedência feita ao Município por José Fortunato Góis Mendonça Pereira de Carvalho de um terreno que fica em linha recta tirada do Mirante dos Fidalgos da Portagem até à esquina das casas de António do Vale, no Beco do Forno, manda-se naquele terreno abrir uma rua que da Ponte vá à Rua do Sargento-Mor. (Silva, A.C. 1972-1973. Anais do Município de Coimbra. 1840-1869, p. 221).

Mas adiante, na página 223, na legenda de um pormenor de uma fotografia da Portagem acrescentou Armando Carneiro da Silva: Mesmo no enfiamento da ponte o «mirante dos Abreus». À direita do encontro da Ponte o «Cais do Cerieiro» e para a esquerda o «Cais das Ameias».

Em conclusão. A rua que então se pretendia abrir era o início da atual Rua da Sota e o Mirante do Fidalgo ou dos Abreus estava localizado no espaço que é hoje o Largo da Portagem e que então tinha uma dimensão muito menor.

 

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por Rodrigues Costa às 10:44

Quinta-feira, 19.11.15

Coimbra, Mercado D. Pedro V 1

Coimbra tinha, na primeira metade do século XIX, três mercados que satisfaziam as necessidades alimentares dos seus habitantes: um, com raízes seculares, na Praça de S. Bartolomeu (hoje oficialmente denominada Praça do Comércio, e igualmente conhecida por Praça Velha); o mercado de Sansão, em frente da fachada principal do Mosteiro de Santa Cruz e da sua Igreja (atual Praça 8 de Maio) e ainda um mercado semanal às terças-feiras no antigo Largo da Feira, frente à Sé Nova, reminiscência da chamada Feira dos Estudantes, instituída no século XVI por D. João III, para a comunidade da Universidade, após a sua transferência definitiva para a cidade.
… resolveu a Câmara, em 13 de Junho de 1840, que as vendedeiras de cereais de Sansão passassem para o então denominado Pátio de Santa Cruz, situado no local que é hoje o início da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes …
Pouco depois, em 6 de Maio de 1857, nova alteração surgiu, com a mudança do mercado dos cereais para a antiga horta do mosteiro … continuando a existir a velha praça em S. Bartolomeu
… Era, ao tempo, consensual a necessidade da construção de um mercado, pois a velha praça instalada em S. Bartolomeu não satisfazia as condições mínimas …as opiniões dividiam-se quanto à sua localização. Alvitravam-se dois locais: a horta de Santa Cruz e a Sota, na velha Baixa Coimbrã … sendo decidido pela Câmara da presidência do Dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, em 5 de Janeiro de 1866 … escolher o terreno da horta de Santa Cruz, em detrimento da Sota … iniciam-se em Outubro de 1866 as obras, com a escavação de 3.695 metros cúbicos de terras, para nivelamento dos terrenos … em 21 de Outubro de 1867 aprovado o regulamento, data em que se decidiu dar ao novo empreendimento o nome de Mercado D. Pedro V … de facto, no dia 17 de Novembro de 1867, era, finalmente inaugurado o novo mercado que tanta polémica levantara … O novo mercado seria contemplado com um candeeiro a gás, a que em breve se juntariam mais quatro.
… logo em 1872 temos notícias de reparações …Até ao fim do século XIX, foi o mercado alvo de pontuais reparações, cobertura de barracas, ou instalação de esgotos … em 12 de Janeiro de 1899, viria a ser tomada a tão útil e necessária decisão de mandar vedar o recinto do mercado.

Andrade, C.S. 2001. Mercado D. Pedro V. Uma História com História. Texto publicado em suplemento especial no Jornal de Coimbra de 14 de Novembro de 2001

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por Rodrigues Costa às 11:50


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