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Não tendo conseguido encontrar imagens da roda de Coimbra, apresentamos imagens de duas das que existiram no País.
Atualizamos a ortografia para facilitar a leitura dos textos.
Às 7h da manhã do dia 2 de julho de 1872 a Roda dos Expostos de Coimbra fechou para sempre.
Roda dos expostos de Sortelha. Imagem acedida em: https://capeiaarraiana.pt/2019/01/19/expostos-no-antigo-concelho-de-sortelha/
Roda dos expostos (Recolhimento de Santa Maria Madalena, Ilha de Santa Maria (Açores), Portugal). Imagem acedida em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/87/Roda_expostos_1.jpg
A abertura do Hospício dos Abandonados, que a substituía, vinha finalmente concretizar a proposta de extinção da Roda apresentada à junta geral do distrito a 25 de abril de 1870 pelo Doutor Manuel Emídio Garcia (1838-1904) e que então se receara pôr em prática.
Não sei quem assistiu ao ato do encerramento da Roda, mas estou em crer que o Doutor João António de Sousa Dória (1814-1877), primeiro diretor do Hospício', terá feito ponto de honra em ser ele próprio a encerrá-la.
…. Ninguém em Coimbra tinha memória de não haver Roda dos Enjeitados, que funcionava na cidade pelo menos desde 1700, há 172 anos.
…. Em meados do século XIX crescia a contestação ao abandono livre e em 1867, pelo decreto de 21 de novembro, o ministro Martens Ferrão ousara abolir as rodas em todo o país. Agia antes do tempo, pois escassos quatro meses depois a medida foi revogada pelo decreto de 20 de março de 1868. Mas à falta de lei geral, algumas juntas de distrito, por sua iniciativa, acabaram por aplicar nos seus espaços o que se projetara para o país, abrindo-se hospícios distritais
…. Contrariamente ao que a palavra indicia, o Hospício dos Abandonados de Coimbra nunca foi um hospício na verdadeira aceção da palavra, um internato, porque as crianças só aí permaneciam temporariamente até serem distribuídas por amas externas, tal como sempre se praticara na Roda. Assim sendo, as crianças do Hospício viviam por todo o distrito, e até fora dele, em casa das amas. O que distinguia a antiga Roda da nova instituição era, portanto, fundamentalmente, o processo de admissão.
…. O Hospício manteve-se nas antigas instalações da Roda, um edifício que, como se disse, fora enfermaria e hospedaria do extinto mosteiro de Santa Cruz e é atualmente a Escola Secundária Jaime Cortesão.
Edifício onde funcionou o Hospício dos Abandonados, fotografado a 3 de janeiro de 1935 quando foi demolida a Torre de Santa Cruz que lhe estava adjacente. Op. cit., pg. 176
…. Segundo o Regulamento do Hospício de Coimbra (1872), só eram admitidas "as crianças encontradas em abandono, em qualquer lugar publico ou particular, sem que se lhes saiba a procedência parental" …. Além destas crianças, que eram as expostas, a nova instituição também recebia "...todos os dias, das 9 horas da manhã até ás 4 da tarde, e ali se conservarão provisoriamente, até que, por despacho da autoridade competente, sejam definitivamente admitidas, as crianças menores de sete anos, que estiverem nos seguintes casos:
1.° Se seus pais houverem desaparecido e as tiverem abandonado.
2.° Se forem filhos de pessoas miseráveis que estejam presas, condenadas a prisão ou degredo, ou sofram moléstia grave; não tendo em qualquer destes casos recursos para se sustentarem e a seus filhos, nem parentes com obrigação de os alimentar e recursos para isso, nos termos do art.º 294 do Código Civil".
3.° Se forem órfãos desamparados.
…. O Hospício acolhia também os chamados repostos, crianças devolvidas pelas amas, o que podia ser apenas para se curarem. Não esqueçamos que o Hospício era dirigido por um médico. Houve ainda alguns expostos que por serem deficientes físicos ou mentais, aí permaneceram durante anos, embora o regulamento o não previsse. Foram sempre muito poucos, abaixo da dezena.
…. O que distinguia o Hospício da Roda — a não liberdade de abandono que passara a comportamento ilegal e criminalizado — teve como consequência imediata a redução espetacular do número de expostos. Reproduzo o gráfico porque é eloquente.
Op. cit., pg. 19
Como se visava acima de tudo diminuir o número de crianças a cargo das finanças públicas, a opção pelo Hospício foi de facto, em Coimbra, um êxito rotundo.
Lopes, M.A. Assistência pública à infância após a extinção da Roda dos Expostos: Hospício dos Abandonados e crianças maiores de sete anos (distrito de Coimbra, 1872-1890). In: Da caridade à solidariedade: Políticas públicas e práticas particulares no Mundo Ibérico, pg. 173 a 192. 2020. Braga. Universidade do Minho. Laboratório de Paisagens, Património e Território - Lab2PT.
As «Ordenações Filipinas» (1603), livro I, título 88, Parágrafo II, legislavam sobre os filhos ilegítimos, obrigando a família da criança, até ao terceiro grau, tomá-la à sua guarda e criação, e na falta de familiares a serem entregues em hospitais e albergarias. O mesmo princípio era aplicável aos filhos de religiosos ou de mulheres casadas, com os maridos ausentes.
... A Misericórdia de Coimbra tinha já no seu «Compromisso» de 1620 um capítulo que tratava «De como se há-de acudir aos meninos desamparados», e onde se dizia não lhe caber o encargo com os meninos abandonados ou enjeitados, que pertencia sim às Câmaras Municipais, mas tão-somente lhe pertencia a defesa daqueles a quem as mães morriam, ou adoeciam demoradamente, e não tivessem família para as acolher
... as provisões régias de 7 de Maio de e 14 de Novembro de 1708 fizeram passar para o total encargos das Misericórdias o acolhimento de todos os expostos.
... vindo a ser oficialmente reconhecidas as «rodas» no reinado de D. Maria I, através do seu ministro Pina Manique, e, pela lei de 24 de Maio de 1783.
... em 19 de Setembro de 1826 é publicado um decreto que ... criava em cada distrito administrativo, e a ser suportado economicamente pelas Câmaras ... «rodas» para criação de expostos.
... em 19 de Março de 1839 que se «assentou em princípio» tomar conta daquela administração, fazendo publicar um regulamento, contido em 106 artigos, e cujo preâmbulo abria com as palavras «a Câmara Municipal desta Cidade de Coimbra compelida pela lei a tomar sobre seus já sobrecarregados ombros o fardo da Administração dos Expostos, fardo tanto mais pesado quanto é certo o lamentável estado a que por força das circunstâncias se acha reduzido um estabelecimento tão pio...»
... constantes foram as dificuldades da Câmara na sustentação, proteção medico medicamentosa, e até de alojamento, para centenas de crianças, que no clamor horrorizado de Martins de Carvalho «os infelizes expostos estão também sofrendo o péssimo estado da receita das câmaras municipais. Há dias abriu-se o pagamento às amas do trimestre de Outubro a Dezembro de 1856. Pagou-se a quantia de 1.200$000 réis, que existiam em cofre, e suspendeu-se o pagamento às amas que restavam, que eram ainda mais de dois terços.»
E seria o Mesmo Martins de Carvalho que explodindo em raiva, escrevia pouco depois «consta-nos que no mês de Agosto findo entraram na roda desta cidade 24 expostos e faleceram 32! Isto é horrível e extraordinariamente desumano! Por esta forma está a roda convertida em um açougue. Desgraçado do recém-nascido que entre o limiar daquela casa”
... 1863-15/XI – O Asilo da Mendicidade aloja-se na casa da Travessa de Montarroio onde antes estivera a Roda dos Expostos
... 1864-21/III – A Junta Geral do Distrito alija de si a manutenção da Roda dos Expostos que atribui, nos termos legais, à Câmara, mantendo-se assim até 1872, ano em que se passou a denominar de «Hospício»
... 1865-10/III – Muda-se a roda dos expostos da casa de Montarroio para o dormitório do Pilar, de Santa Cruz
... Expostos no período de 1849 a Outubro de 1857
1849 - Expostos entrados, 648; Expostos falecidos, 536
1850 - Expostos entrados, 597; Expostos falecidos, 343
1851 - Expostos entrados, 683; Expostos falecidos, 338
1852 - Expostos entrados, 604; Expostos falecidos, 262
1853 - Expostos entrados, 470; Expostos falecidos, 52
1854 - Expostos entrados, 600; Expostos falecidos, 60
1855 - Expostos entrados, 462; Expostos falecidos, 224
1856 - Expostos entrados, 477; Expostos falecidos, 339
1857 - Expostos entrados, 404; Expostos falecidos, 239
22 de Fevereiro de 1911, é publicado o Decreto que extinguiu o «hospício».
Silva, A.C. 1972-1973. Anais do Município de Coimbra. 1840-1869. Pg. XIX a XXI, LII a LVIII
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