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Concluímos a divulgação de um trabalho do Professor Doutor José Amado Mendes. sobre a história do abastecimento de água ao domicílio em Coimbra.
Finalmente, após mais de duas décadas de avanços e recuos, em 1887, a Câmara Municipal da cidade do Mondego abriu concurso para o abastecimento domiciliário de água à cidade, ao qual concorreram três empresas, uma portuguesa e duas estrangeiras:
…. A adjudicação foi feita à segunda concorrente [ Albert Nillus & C.ª, de Paris, representada por E. Béraud, residente em Lisboa (pelo preço de 83 700$réis].
…. Os trabalhos terão começado pouco depois da adjudicação (em 05 de janeiro de 1888), pelo que, após cerca de ano e meio, “provavelmente na segunda quinzena de Maio de 1889, Coimbra vê chegar o extraordinário melhoramento, que é o abastecimento de água pelos métodos modernos”.
…. Cerca de dois meses depois, foi igualmente iniciado o processo de instalação do sistema de saneamento, confirmando assim a justeza da mencionada proposta, então recusada, do eng.º James Easton.
O sistema de abastecimento domiciliário de água processa-se sequencialmente
em várias fases, das quais se destacam a elevação e o tratamento, o armazenamento e a distribuição. O processo já foi assim descrito: “A instalação dos serviços de abastecimento da cidade de Coimbra compreende successivamente: poços de captação, tubos aspiradores e impulsores accionados mechanicamente; reservatório de contenção e aprovisionamento; rêde de distribuição pública”.
…. [Em] Coimbra aproveitou-se a proximidade do rio Mondego, que tem oferecido água de boa qualidade, com origem na Serra da Estrela. Entre 1889 e 1953, a captação da água fez-se junto ao Parque Dr. Manuel Braga, próximo do centro da cidade.
…. Como descreve José Cid: «Em primeiro logar a agua é tomada no leito do rio em dois poços de captação, abertos na margem direita numa chanfradura da mota-dique, uma centena de metros a montante da ponte … Esses poços, cujo diâmetro é de 3m,5, penetram 9m,0 abaixo da estiagem e assentam sobre camadas alternadas
de sexo branco e areia, dispostas em substituição das camadas naturaes do leito do rio, com o fim de realizar uma filtração mais perfeita […]. No interior de cada poço penetra um tubo aspirador, de ferro fundido, com o diâmetro de 0m, 30, descendo 3m abaixo da estiagem ou da superfície filtrante. A agua, entrando pela parte inferior do poço faz pois um trajecto de 6m, através das camadas filtrantes até ser absorvida pelo tubo de aspiração».
À medida que foi sendo necessário reforçar o sistema e aumentar a sua eficiência, foi também aumentando o número de furos e deslocado o ponto de captação para a Boavista – onde, a partir de 1953, passaria a estar instalado o centro nevrálgico do sistema –, a montante do local inicial, para evitar contaminação da água suscetível de ocorrer, devido à proximidade do centro urbano.
Estação de tratamento de águas da Boavista. Imagem em https://www.aguasdocentrolitoral.pt
Já em 1902 se aludia aos procedimentos que poderiam impedir ou, pelo menos, mitigar a contaminação da água captada no local inicial: “Transferindo a lavagem das roupas para juzante, ou instalando nas proximidades da cidade lavadouros sujeitos a rigorosas condições hygienicas; afastando do rio os esgotos da cidade e, suprimindo assim as causas apontadas, a riqueza microbiana das aguas poderia descer, pelo menos, ao numero de 600 germens, numero que a analyse encontra nas Torres [do Mondeego] e a Montante” (Cid, 1902, p. 153).
Após a captação, a água era elevada para a central elevatória, então localizada a cerca de 300m, na Rua da Alegria, e daí era de novo impulsionada para os reservatórios do Jardim Botânico e da Cumeada.
Reservatório do Jardim Botânico. Imagem
Reservatório da Cumeada. Imagem
Em 1922, a estação elevatória foi deslocada para as proximidades da captação, na margem direita do rio Mondego, para edifício próprio onde atualmente se encontra instalado o Museu da Água.
Edifício da estação elevatória do Parque Dr. Manuel Braga. Imagem acedida em: https://www.cm-coimbra.pt/wp-content/uploads/2018/11/linha-do-botanico_18_720x720_acf_cropped.jpg
Também foi nos anos de 1920 que o sistema começou a ser eletrificado, tornando-se progressivamente menos dependente da energia a vapor.
…. Com a expansão da área urbana e o abastecimento de água a freguesias rurais do Município … os reservatórios totalizavam, no dealbar do século XXI, 14 enterrados e cinco elevados.
Mendes, J.A. 2024. Abastecimento de água ao domicílio a Coimbra: “o milagre da torneira”1, 1889-2019. In: La gestión del agua en la Península Ibérica (siglos XIX y XX). Madrid. Pg. 353-379.
Prosseguindo na divulgação do texto do Professor Doutor Amado Mendes, inserido na brochura Abastecimento de água a Coimbra: Reservatório do Botânico, dedicamos esta entrada à referida estrutura, conhecida de muitos poucos.
Aquando dos primórdios do abastecimento domiciliário de água a Coimbra, cujo sistema primitivo foi instalado em 1888 e entrou em funcionamento em meados de 1889, como se disse já, foram construídos dois reservatórios: um na Cumeada (considerado o principal e que se mantém em funcionamento), destinado ao abastecimento da zona mais elevada da cidade; o outro (especial, segundo os termos do contrato), na Cerca de São Bento / Jardim Botânico, que desde há anos se encontra desativado.
Reservatório do Jardim Botânico, na atualidade. Foto RC
O primeiro, localizado a uma cota de108 m, era o principal e enquadra-se na classificação de grande, pois a sua capacidade ultrapassa os 5000 m3. Por seu lado, o segundo, a uma cota de 50 m, era de média dimensão, pois tinha a capacidade de 3000 m3.
Reservatório do Jardim Botânico (desativado) Op. cit., pg. 7
Como são raros os reservatórios enterrados desativados, o do Jardim Botânico é um belo exemplar do património industrial da água, pelo que se reveste da maior relevância histórica e científica, suscetível de despertar interesse no âmbito do turismo cultural, a nível não só local, mas também nacional e internacional.
No que toca à sua localização, verificou-se uma certa hesitação inicial, não só pela natureza da respetiva área (parte integrante do Jardim Botânico, com toda a carga histórica e científica), mas também pela pouca adequação do terreno ao fim em vista. Aliás, praticamente na altura em que o sistema de abastecimento de água a Coimbra estava prestes a entrar em funcionamento (primeira metade do ano de 1889), já se manifestavam preocupações acerca da consolidação da estrutura. Com efeito, pode ler-se em ata camarária, acerca de alguns aspetos do empreendimento:
«Consolidação dos terrenos, na cerca de S. Bento, junto à casa das máquinas, que ameaçavam desmoronar-se; colocação de um portão de ferro no Arco da Traição, para serventia do reservatório das águas das zonas média e baixa da cidade»". Numa outra ata volta a focar-se o assunto, apontando as deficiências: «não foram construídos anexos da casa das máquinas; os reservatórios perdem quantidades de água assinaláveis; o reservatório das zonas média e baixa [Reservatório do Botânico] está ameaçado por desabamento de terras; o terreno vizinho ameaça escorregar por não ter sido drenado; não funcionam os indicadores elétricos de níveis de água».
Op. cit., pg. 8
… Uma observação atenta do Reservatório do Botânico permite-nos observar, «in loco», parte do que geralmente é referido nas publicações da especialidade e, bem assim, na própria legislação que enquadra este género de estruturas.
Comecemos pelo exterior.
Aqui destaca-se uma pequena construção (em alvenaria e tijolo e com janelas), à qual o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra se referia como a "casa das máquinas", na qual estava instalado o equipamento de controlo do Reservatório. Embora de pequenas dimensões, uma vez que já não alberga equipamento e que acaba de beneficiar de obras de consolidação, manutenção e restauro, esta pequena “casa” pode ser utilizada pra diversas funções culturais: espaço de exposições permanentes ou temporárias), centro de interpretação (sobre o património hidráulico da cidade e do próprio Botânico, local de realização de atividades lúdico-pedagógicas, etc.).
No amplo espaço envolvente, de terreno com alguma vegetação e que pode bem ser ajardinado, para ali também se efetuarem eventos adequados, entre os quais exposições sobre temáticas diversas, observam-se pequenas estruturas, partes integrantes dos ventiladores / chaminés ou respiradouros. No total são 10, quatro um pouco maiores e seis mais pequenos.
A ventilação tem uma função importante na qualidade da água, processo muito antigo e que antecedeu. inclusive, o uso do cloro (começado a utilizar nos Estados Unidos da América em 1908 e que chegou a Portugal (a Coimbra e a Lisboa), em finais dos anos 1920", e para manter a pressão atmosférica.
Acerca do assunto, e como alerta dc prevenção, já foi escrito: «As coberturas dos reservatórios devem ser providas de uma ou mais chaminés de ventilação, a fim de que o nível da água fique sempre sob pressão atmosférica.
Interior do Reservatório do Jardim Botânico (desativado). Op. cit., pg. 9
Da casa das máquinas, por duas escadas íngremes e com espaço reduzido (inclusive na altura, relativamente à estrutura superior o que obriga a fazei algum exercício para as utilizar), tem-se acesso às duas células ou câmaras, simétricas e que ocupam uma área considerável, cujas dimensões apenas são devidamente perspetivadas quando se acede ao seu interior. Aquelas encontram-se em estado razoável de conservação, não obstante no teto já se notarem certas fendas que podem denotar alguma fragilidade, em termos de futuro.
As paredes laterais assim como a parede divisória entre as duas células são em alvenaria rebocada. Em cada célula ou câmara se encontram 6 pilares, também de alvenaria, sendo o de uma das células (a do lado direito, quando se entra pela porta principal da casa das máquinas) reforçado.
Em termos de tecnologia, pouco se encontra no local, salvo algumas canalizações e equipamento metálico de regularização do fluxo de água,
…. Em suma: trata-se de um espaço amplo que, caso venha a ser devidamente restaurado e consolidado, bem poderá servir não só para visita turística mas também para eventos culturais, como espetáculos de teatro, música ou dança, exposições, oficinas de atividades pedagógicas, etc.
Mendes, J.A. Abastecimento de água a Coimbra: Reservatório do Botânico. Sem data. Coimbra, Águas de Coimbra E.M.
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