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O Senhor Juiz-conselheiro, Dr. Mário Araújo Torres, prosseguindo o seu notável e benemérito esforço, em boa hora reconhecido pelo Município, de relembrar textos esquecidos sobre a história de Coimbra, acaba de editar mais um trabalho, este dedicado ao Rancho da Carqueja que protagonizou uma página negra da história da Cidade, desconhecida pela grande maioria dos conimbricenses de hoje.
Ao Dr. Mário Araújo Torres, mais uma vez, há que manifestar, quer em meu nome quer, por certo, em nome de muitos conimbricenses, o nosso obrigado.
Op. cit., capa
O «Rancho da Carqueja - Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos académicos do século passado» (Coimbra, Imprensa Literária, 1864), da autoria de António Francisco Barata (Góis, 1836 – Évora, 1910) – que viveu em Coimbra de 1848 a 1869, exercendo a profissão de barbeiro nas Ruas de S. João e do Norte, e iniciando uma assinalável atividade de publicista, com centena e meia de títulos em diversos domínios (história, arqueologia. filologia. Literatura, etc.) - com destaque para oito romances históricos. dois deles com segundas edições, baseia-se nos distúrbios desencadeados, em 1720 e 1721, por um grupo de estudantes de Coimbra, que ficou conhecido por Rancho da Carqueja.
Op. cit., badana da capa
Inspirou-se Barata num manuscrito (com “má sintaxe, detestável gramática, nenhuma ortografia e medonha caligrafia), coevo dos factos. que ele encontrara em 1863, e com base no qual começara a publicar um folhetim no «Comércio de Coimbra».
O interesse suscitado pela publicação e o incentivo de amigos, entre os quais destacados académicos, levaram-no a transformar o folhetim neste romance, com preciosas descrições da vida em Coimbra, seus monumentos e meandros do "bairro alto" e do "bairro baixo", relações entre os estudantes, o clero e os futricas, e praxes académicas.
Op. cit.,pg. 23
A ação começa com um ataque dos «carquejeiros» que desbaratou, na Rua das Fangas (atual Rua Fernandes Tomás), o solene préstito que da Universidade seguia para Santa Cruz, comemorar o 1.° de dezembro de 1720.
O nome do bando relaciona-o Barata com a realização das suas reuniões magnas numa casa do Beco da Carqueja, fronteiro à Sé Velha: "Próximo do antigo e venerando templo de Nossa Senhora da Assunção - a Sé Velha - cujas paredes denegridas pelo hálito destruidor do tempo assistiram, segundo uns, à fundação da Monarquia, sem terem maior antiguidade; e, segundo outros, ergueu-as ali a raça islamita, depois de 714 da nossa era; isto é, da invasão árabe, ainda hoje existe, e já existia em 1720 o Beco da Carqueja, que fica quase fronteiro ao templo, e que, bifurcando numa extremidade, vai dar à Rua do Correio, ou de S. Cristóvão [atual Rua Joaquim António de Aguiar], e manda outro ramo para cima, para a Rua da Ilha, Grilos, etc. Neste beco é que iremos encontrar agora os nossos estudantes...''.
O nome do grupo não constituía homenagem a um facinoroso bandido de Viseu alcunhado de «Carqueja», como chegou a pensar Camilo Castelo Branco.
…. A morte de um alfaiate, numa briga junto à Ponte, terá determinado o envio por D. João V de uma força militar, que, em 20 de fevereiro de 1721, cercou Coimbra e capturou a maioria dos membros do grupo.
O seu chefe, Francisco José Aires, de 24 anos, bacharel em Cânones, filho do capitão-mor de Santa Maria da Feira, com o mesmo nome, foi condenado à morte e decapitado em Lisboa, em 20 de junho de 1722. sendo a cabeça remetida para Coimbra, onde ficou exposta, no topo de um pinheiro, frente à Igreja de S. Bartolomeu, até se consumir com o tempo.
Neste volume, além da reprodução da 2.ª edição do romance (Lisboa, Empresa da História de Portugal, 1904), transcreve-se a sentença condenatória da Relação de Lisboa (que atribui a designação do grupo a terem queimado com carqueja a porta da casa de um João de Sequeira, onde entraram para o maltratarem), publicada em «O Conimbricense», de 22 e 26/12/1868, além de outros elementos pertinentes e desenvolvida notícia biobibliográfica de António Francisco Barata.
Mário de Araújo Torres
Barata, A.F. O Rancho da Carqueja. Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos do século XVIII. Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres. 2024. Lisboa, Edições Ex-Libris.
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