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O culto da Rainha Santa Isabel começou logo após a sua morte que, significativamente, se revestiu de características maravilhosas, envolvendo-a numa aura de sobrenatural:
Santa Isabel de Portugal Curando as Feridas de uma Enferma, Francisco José de Goya y Lucientes, 1799. Acedido em https://pt.wikipedia.org/wiki/Isabel_de_Arag%C3%A3o,_Rainha_de_Portugal
segundo o primeiro relato sobre a sua vida, comummente conhecido por «Lenda da Rainha Santa», nos dias que antecederam o passamento, a Rainha, já moribunda, recebeu a visão de Nossa Senhora que, na opinião dos seus familiares e amigos presentes, a mandara confortar; da mesma forma, durante o cortejo fúnebre de Estremoz para Coimbra, numa viagem de sete dias, em pleno mês de Julho, o cheiro de rosas que emanava do líquido que escorria pelas fendas do caixão causou a maior estranheza e admiração, levando ao registo do fenómeno em escritura pública, atestada por aqueles que tinham acompanhado o préstito.
Nos dias que se seguiram ao sepultamento, foram registadas igualmente em escrituras públicas, antes mesmo de passado um mês sobre a morte da rainha, que ocorreu a 4 de Julho, outras situações de curas maravilhosas, operadas junto do seu túmulo, ou com a sua intercessão, por ação das suas relíquias (por exemplo, as ligaduras que tinham protegido o tumor do seu braço e que curaram uma ama da sua casa, afetada por um “lobinho grande em na mão direita”), com a clara intenção de guardar para a posteridade a sua ação benfazeja e de procurar a sua canonização. Dessas escrituras, existe ainda um manuscrito, escrito a 27 de Julho de 1336, que atesta a ocorrência de duas curas miraculosas: a da freira de Santa Clara, Catarina Lourenço, que tinha um “lobinho” no olho esquerdo, do qual fora curada depois de se encomendar à Rainha, junto do seu túmulo; e a de Dominga Domingues, de Condeixa, que tendo ingerido uma sanguessuga, a expulsara, depois de ter recorrido à intercessão da Rainha Santa.
A Rainha Santa Isabel vestida com o seu hábito religioso e com uma representação do milagre das rosas. Acedido em https://pt.wikipedia.org/wiki/Isabel_de_Arag%C3%A3o,_Rainha_de_Portugal
…. É o relato dos milagres, realizados com a intervenção divina por intermédio da Rainha, que dá o sinal do culto popular de que a mesma passou a ser objeto, logo após a sua morte. Os populares, aflitos por doenças ou por calamidades que sobre si se abatiam, acorriam ao seu túmulo, para solicitarem auxílio. De resto, o relato de Rui de Pina, na «Chronica d’El-Rey D. Affonso IV, dá informação sobre esse culto popular já existente e a crença no poder taumatúrgico das suas relíquias, ao referir a reação dos acompanhantes do funeral de D. Isabel, em Coimbra:
«E que por isto em acabando de ser o corpo no moimento metido hum pano grãde vermelho cõ que fora cuberto, as andas em que hia forão loguo rotas, & espadaçadas, & goardados os pedaços, & rachas por grãdes Reliquias as quais tomadas, & lançadas com devação segundo testemunho de muytos, a muytos enfermos aproveytavão.»
Rainha Santa Isabel ao lado de Dom Dinis, com rosas no regaço. Acedido em https://pt.wikipedia.org/wiki/Isabel_de_Arag%C3%A3o,_Rainha_de_Portugal
As iniciativas de registar para a posteridade estes acontecimentos, promovidas provavelmente pelo filho, D. Afonso IV, e pelo bispo de Lamego, Frei Salvado Martins, apontam, por parte dos seus próximos, para um desejo de canonização que coroasse uma vida dedicada à piedade, à conciliação dos seus familiares, ao apoio aos mais necessitados e à edificação de obras de assistência social, como acontecera com a sua tia-avó, Santa Isabel de Hungria, que fora canonizada muito pouco tempo depois da sua morte.
Toipa. H.C. Rainha Santa Isabel: fontes para o seu estudo – (Documentos). 2020. Coimbra, Imprensa da Universidade. Pg. 1 a 20
Vataça … Uma mulher com rosto, que se individualiza, uma «domina». Não é rainha, condessa, abadessa ou santa. O parentesco biológico e o artificial ligam-na, todavia, a rainhas e reis, abadessas e santas. Mas a sua aristocracia distinta, a sua inteligência invulgar, o seu excecional tato diplomático fazem dela uma hábil conselheira, pacificadora de estados, informadora e agente político, recebendo em troca importantes mercês de reis e comprando ela própria castelos.
… Vataça era «filha da muy nobre Lascara inffante de Grecia» e do conde Guilherme Pedro de Vintemiglia e «imperatoris Graeciae neptis».
…. É exatamente em Barcelona, a 11 de Fevereiro de 1282, que se realizam os esponsórios de D. Isabel de Aragão e D. Dinis de Portugal. Com D. Isabel, vem como sua dama, D. Vataça, sua prima em 7.º grau.
D. Dinis e D. Isabel. Gravura da série Lusitanorum Regum Icones Ordinis Temporum Axpositae. 1791. [Lisboa. Biblioteca Nacional]
Desde então as suas trajetórias assimilam-se – na vida e na morte.
Na corte, na fidelidade da rainha, conhece Vataça Martim Anes um vassalo de D. Dinis … é sem dúvida um casamento político, arranjado na corte, porventura imposto (não o eram quase todos?), a ajuizar pela extrema diferença de idades entre os nubentes … não houve descendentes do consórcio… [Martim Anes] terá morrido a 21 de Agosto de 1295 … A 1 de Julho de 1296, as «honradas donas» Constança [mãe de Martim Anes] e Vataça dividem os bens de Martim Anes.
…. Ligada pelo parentesco e pela vassalidade com D. Isabel, escolhida para aia de sua filha D. Constança, uma vez viúva, vai como camareira-mor desta para Castela, quando se celebram suas bodas, em Alcanizes, no ano de 1297.
Constança de Portugal. Genealogia dos Reis de Portugal. António de Holanda. 1534
…. A sua própria «criação» na corte, o contínuo papel de «mãe» e tutora de infantes e príncipes, o seu próprio estigma pelo afastamento da sua família do poder, o seu desenraizamento e possível apartidarismo e independência (mera imagem) fazem dela uma extraordinária e inteligente diplomata, conseguindo habilmente levar ao campo pacífico as discórdias existentes entre Castela e Aragão, relativas à sucessão do trono de Castela.
…. Em 1323 havia alguns anos que regressara de Castela, triste pela morte da sua infanta D. Constança [18 de novembro de 1313] e ferida com os conflitos gerados sobre a tutela e regência dos herdeiros menores, que nela se repercutiram.
…. A partir da morte de D. Dinis, em 1325, as relações entre D. Vataça e D. Isabel estreitaram-se ainda mais, pois passaram a habitar ambas os paços de Santa Clara…. Sabendo-se ainda que, para além de viverem à sombra das clarissas, D. Isabel, no seu testamento escolhe para a sua sepultura o mosteiro de Santa Clara … D. Vataça … será a Sé de Coimbra que albergará o seu corpo e disporá da sua riqueza.
Túmulo de Vataça Láscaris rodeado de águias bicéfalas, símbolo da nobreza Bizantina. Mestre Pero. 1336
O visitante ou o crente que percorra hoje, sob uma luz coada e amena, o repousante interior da vetusta Sé conimbricense, deparará do lado do Evangelho com um túmulo … Eis Vataça eternamente evocada pelo seu túmulo, esse monumento de vaidade póstuma, como já foi apelidado.
Estátua jazente do túmulo de D. Vataça
A sua figuração deve-se a Mestre Pero das Emanhas, artista vindo certamente de Aragão, que igualmente esculpiu o túmulo da sua senhora, a rainha D. Isabel. Os trabalhos teriam começado, sem dúvida, já em sua vida … [e] erguia-se no coro … de onde foi, posteriormente, removido.
Nota:
Sobre o mesmo tema as Autoras pulicaram: Os Bens de Vataça. Visibilidade de uma existência. Separata da Revista de História das Ideias, vol. 9. 1987. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Coelho, M.H.C. e Ventura, L. Vataça. Um Dona na vida e na morte. Separata de Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. Vol. I. 1897. Porto, pp.159-194
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