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Particularismo revivalista aeminiense: o neorrenascença
Na esquina oposta àquela em que se levanta a casa da viscondessa de Seabra, isto é na confluência da Rua Alexandre Herculano com a Castro Matoso, em pleno Largo João Paulo II, deparamo-nos com a casa dos Martas, posterior sede da AAC/OAF.
O risco encontra-se atribuído ao arquiteto Silva Pinto e as cantarias, que utilizam uma linguagem neorrenascença, saíram do cinzel de João Machado, um dos mais representativos artífices da Escola Livre.
Não se podem deixar de referir as causas que estiveram no surgimento do gosto neorrenascentista na arquitetura da cidade, nem o lugar sui generis que ele veio a ocupar na conjuntura arquitetónica nacional.
Em Portugal, as arquiteturas nacionalistas do período ligado ao romantismo assumiram-se no contexto do neomanuelino e do neorromânico, mas, no microcosmo conimbricense, o neorrenascença veio a ocupar um espaço peculiar que ombreou ou mesmo suplantou aqueles.
O facto explica-se, porque na cidade e no período renascentista, havia ali trabalhado uma plêiade de escultores notáveis, de entre os quais se destacam Diogo Pires, o Moço, João de Ruão e Nicolau Chanterene, homens que espalharam a sua arte por Coimbra, S. Marcos, Tentúgal, Varziela, Cantanhede, etc.
Eram estes os modelos com que os homens conimbricenses da ELAD mais facilmente lidavam e, consequentemente, foram eles que passaram a fornecer-lhes as bases de algo muito próprio, muito seu, que facilmente destronou o neomanuelino e o neorromânico, até porque, na urbe, os edifícios, sobretudo os manuelinos, não se encontravam tão presentes ou, se assim se entender, não possuíam um carisma tão forte. Compreende-se, por isso, que para estes artistas, homens do romantismo, o neorrenascença passasse a funcionar como “o seu próprio estilo nacional”.
Estamos, no nosso país, perante um autêntico particularismo arquitetónico, específico até, que se dissemina, maioritariamente, pela urbe mondeguina, por Condeixa, pelo Buçaco e por Sintra.
Fig. 33 – Casa dos Martas. Foto RA.
A Casa dos Martas assume-se, no espaço urbano a que nos cingimos, isto é, ao Bairro de Santa Cruz ou, se se preferir, à confluência da Rua Alexandre Herculano com a Castro Matoso, em pleno Largo João Paulo II, o exemplar mais representativo deste gosto neorrenascença.
Fig. 52. Pormenor decorativo da Casa dos Martas. Foto RA.
Fig. 34 – Casa dos Martas. Pormenor. Foto RA.
O imóvel, na sua fachada ostenta pedras requintadamente cinzeladas, com relevância para o conjunto portal-varanda. De um e de outro lado da porta inscreve-se um pano central decorado, rodeado por duas pilastras a terminar em capitéis pseudocoríntios, extremamente aprimorados, com folhagem estilizada e, ao centro, ternos amores músicos, de uma surpreendente delicadeza.
Fig. 35 – Casa dos Martas. Pormenor. Foto RA.
As zonas interpilastras encontram-se enriquecidas por medalhões. Todo o conjunto se apresenta unido, na parte superior, por um friso decorado com festões de flores, interrompido por um medalhão central. Os pés-direitos mostram-se finamente adornados com motivos naturalistas e outros, baseados na decoração da renascença, mas a permitir-nos avaliar a capacidade criativa de mestre Machado que, apesar de se inspirar naqueles modelos não se exime a esculpir uma decoração subjetiva.
Casa dos Martas. Pormenor. Foto RA.
A ornamentação do varandim segue o mesmo esquema, mas os motivos diferem.
Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf
Avenida Sá da Bandeira (continuação)
Adquirida a velha cerca, apesar da premência de a urbanizar, a decisão foi sendo sucessivamente protelada, mas o engenheiro Adolfo Ferreira Loureiro acabou por ser encarregado de elaborar, sob a direção do presidente, um plano de benfeitorias (ou seja, de urbanização) da quinta; apresentou-o a 23 de julho de 1885.
Adolfo Ferreira Loureiro.
Na criteriosa opinião do diretor de O Conimbricense, Adolfo Loureiro, o “muito hábil e intelligente director das obras do Mondego” era a pessoa indicada “e decerto não haveria ninguém mais competente para satisfazer este encargo”.
Adolpho Ferreira de Loureiro embora recordado na cidade que, em 1836, o vira nascer pela toponímia, pois existe uma rua com o seu nome, pode considerar-se um quase desconhecido e isso apesar do trabalho vultuoso que desenvolveu ao longo da sua vida profissional, dos diversos e importantes cargos que ocupou e das honrarias que lhe foram concedidas.
… O projeto que Ferreira Loureiro elaborou para o alargamento do espaço urbano conimbricense ainda hoje, no contexto citadino, se mostra estruturante.
Fig. 11 – Um dos projetos de urbanização do Bairro de Santa Cruz. 1889. [AHMC. Repartição de obras municipais. Pasta 43. B-14].
Lourenço Almeida Azevedo ocupou a cadeira municipal durante quase doze anos, mas os seus mandatos, lúcidos e virados para o futuro, foram marcados por acesas polémicas; da proposta apresentada por Ferreira Loureiro ressalta a experiência do pragmático engenheiro, a par com os conhecimentos profundos das necessidades citadinas advindas da clarividência presidencial.
O facto de o nome de Adolfo Ferreira Loureiro não aparecer relacionado com o projeto da abertura da nova avenida a rasgar-se na quinta dos crúzios e do bairro adjacente talvez se fique a dever à morosidade da execução e ao facto de o engenheiro ter deixado Coimbra antes da sua concretização.
Na realidade, o projeto, só tardiamente se cumpriu, até porque a Sá da Bandeira, antes de virar avenida foi pensada como Rua, mas teve sempre por base o plano de Ferreira Loureiro, que “traçou a partir do mercado uma grande avenida de 50 metros de largo que termina à entrada do jogo de bola da quinta por uma grande praça. Da praça partem simetricamente duas avenidas para Celas e para Sant’Ana e outras duas em direcção aos arcos de S. Sebastião”.
Em 1889 inicia-se o loteamento do Vale da Ribela e em junho desse ano são postos em praça diversos espaços destinados à construção de moradias. Os proprietários que então adquirissem os terrenos obrigavam-se a cumprir determinadas obrigações e a iniciar a obra no espaço de um ano; estas regras, que se encontram explicitadas tanto nas atas camarárias, como nos periódicos da época, evidenciam a preocupação da edilidade pelo planeamento urbanístico e pelo arranjo da nova zona citadina.
Os trabalhos desenvolvem-se a bom ritmo e no mês de dezembro desse ano, antes do Natal, em comemoração do batizado do infante D. Manuel (futuro D. Manuel II), inauguram-se os arruamentos de Sá da Bandeira, de Alexandre Herculano, da Escola Industrial (Oliveira Matos), de Castro Matoso, de Tomar e de Almeida Garrett.
Rua de Tomar
Rua Almeida Garrett
A cerimónia revestiu-se de solenidade: para além da presença das mais altas individualidades citadinas, tocou a banda do Regimento 23 e subiram ao ar numerosos foguetes. “À noite foram pela primeira vez acesos os candeeiros de gaz na Praça D. Luiz I [Praça da República], nas ruas Marquês de Sá da Bandeira e Alexandre Herculano”.
Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf
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