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...A cadeia da Portagem datava de finais do século XVI.
Era a prisão real, a verdadeira prisão pública da cidade, com carcereiro nomeado pela Câmara Municipal. Só não detinha clérigos, estudantes e os perseguidos da Inquisição, pois para estes existiam cadeias próprias.
Até ao Liberalismo várias entidades podiam ordenar voz de prisão na Portagem: juiz do crime, corregedor, provedor, capitães-mores, sargentos-mores, alferes, mestres de campo, conservador da Universidade, reitor e almotacés da Câmara.
Esta prisão, como o nome indica, ficava no Largo da Portagem, encaixada na encosta, por baixo do convento da Estrela. Dispunha no exterior, do outro lado do pequeno largo, de uma capela feita pela Misericórdia em 1660/61 e reedificada em 1737/1739. Os presos assistiam à missa das janelas da prisão. Em 1836 foi demolida e em 1849 a Santa Casa mandou fazer um altar portátil.
... O fidalgo escritor Francisco de Pina e Melo [1695-1773] esteve preso na Portagem durante algum tempo nos últimos anos da sua vida. De lá dirigiu uma representação ao juiz da Inconfidência ... “Esta he aquella habitação que se deve chamar Inferno temporal. O ruido continuo dos grilhões, a companhia dos facinorosos, os gritos, os estrondos, a confusão, e os malignos vapores das immundicias, as repetidas calamidades, que sofrem todos os sentidos, ¿quem póde negar que o representão como huma horrivel semelhança do abysmo? Até o dia entra escassamente pelas frestas, não para luzir, mas para se conhecer melhor a escuridade. [...] Aqui se aggravão precipitadamente as doenças, e todas as miserias humanas, em que não ha soccorro, nem Médico, nem Medicina: aqui acabão os moribundos, sem se lhes dar n’aquelle último transe sequer uma guia, que os encaminhe para a eternidade: aqui se vêm todos cobertos dos insectos mais asquerosos; aqui se vive, ou se morre em uma região tão desgraçada como desconhecida. Este tremendo sepulchro dos vivos ainda se faz mais intoleravel com a soberba inhumana dos Carcereiros, que pelos frequentes objectos das calamidades costumão os seus olhos a todo o genero de impiedade. A consciencia se perturba, as paixões se envenenam, os pensamentos se irritão, os pezares se estimulão, as impaciencias se amotinam, e não ha affecto, que não conspire com o desfalecimento, ou com a desesperação. Esta finalmente he a habitação do susto, do tormento, da amargura, aonde nunca se acha alivio nem confôrto, nem consolação, nem descanço, nem suavidade”.
... a cadeia da Portagem albergava, em princípio, detidos em prisão preventiva. Os seus segredos subterrâneos, continua o juiz do povo, são horrorosos. Não está dotada de nenhuma enfermaria, é local ideal para a propagação de epidemias, sobretudo no tempo quente, não dispõe de casa destinada aos juízes, não tem capacidade para os soldados recrutados, para os presos enviados de outras cadeias da comarca ou para os que vêm em leva com destino ao degredo no Ultramar. Enfim, basta um dia de prisão para os presos ficarem “quasi podres, cheios de bolor, e de bichos, e cercados de mizeria indiziveis”.
... A 12 de Maio de 1855, Diogo Forjaz, deputado por Coimbra, denuncia no Parlamento as condições deploráveis das duas cadeias coimbrãs ... havia sido projetada uma nova cadeia a edificar no sítio do Castelo, aproveitando-se as arcadas do inacabado observatório astronómico ... optando-se ultimamente pela adaptação da antiga hospedaria de St.ª Cruz, a chamada casa vermelha.
Em Setembro de 1856 os presos foram transferidos para a casa vermelha.
Lopes, M.A. 2010. Cadeias de Coimbra: espaços carcerários, população prisional e assistência aos presos pobres (1750-1850). In Araújo, M.M.L., Ferreira, F.M. Esteves, A. (orgs.) Pobreza e assistência no espaço Ibérico (séculos XVI-XIX), [Porto], CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, 2010, pp. 101-125. Pg. 1 a 4, 9, 11 a 13
Em meados do século XVIII existiam em Coimbra cinco prisões públicas: dois aljubes (um do Bispo e outro do mosteiro de Santa Cruz, que era isento da jurisdição episcopal), os cárceres da Inquisição, a cadeia da Universidade e a cadeia da Portagem
... Com o Liberalismo e a abolição das justiças eclesiásticas, desapareceram os dois aljubes e os cárceres da Inquisição. A Universidade perdeu a seu jurisdição, mas continuou a poder deter os estudantes prevaricadores através do seu corpo policial e, ainda, as mulheres consideradas escandalosas ou de mau exemplo que vivessem da porta de Almedina para cima.
... Entre Agosto de 1768 e o final de 1779, onze anos e cinco meses, foram efetuadas na cadeia da Portagem 2.798 detenções, sendo 490 de mulheres e 2.308 de homens.
... Entre os motivos de prisão documentados, predominam em ambos os sexos os de âmbito económico, mas com assinalável diferença, já que 27% dos homens e 47% das mulheres se integram nesse tipo de delito. 18% dos homens eram réus do foro militar.
... As condições de vida na prisão dependiam dos apoios que os presos tinham no exterior ou do dinheiro que eles próprios possuíam. Não nos esqueçamos de que o sistema prisional da época não fornecia alimentação, vestuário ou medicamentos aos detidos. Mais: eram obrigados a pagar a carceragem e o alvará de soltura. Os que não dispunham de uma “retaguarda” (família, protetores, economias), mesmo que não fossem pobres, acabavam por cair na miséria por falta de rendimentos. Em 1770, uma mulher de Vale do Cântaro (Assafarge), isolada em Coimbra, viu-se obrigada a empenhar a própria saia por 10 tostões para se manter. Quando foi solta, não pôde sair porque, além de não ter dinheiro para a carceragem, estava praticamente nua.
Os presos pobres obtinham, por vezes, licença para mendigar pelas ruas da cidade, acompanhados por um homem da vara a quem tinham – porque na prisão tudo se paga – de remunerar pelo serviço.
Quem que não era de Coimbra, sempre que podia requeria a transferência para as cadeias dos pequenos concelhos vizinhos. Muitos conseguiam-no, mas teriam de pagar à guarda que os conduziria.
... O compromisso da Misericórdia de Coimbra consagrava o seu capítulo XI à assistência aos presos, obra que merecia especial cuidado até porque foi “a primeira obra, em que se empregárão os primeiros Irmãos, que instituírão esta Irmandade”.
Para se ser incluído no rol dos presos da Casa era necessário: 1º - ser pobre e desamparado; 2º - não estar preso por dívidas e fianças nem por incumprimento de degredo a que já tivesse sido condenado anteriormente; 3º - estar detido há pelo menos 30 dias.
Eram os mordomos dos presos que se encarregavam de os visitar duas vezes por semana, às quartas-feiras e domingos. Tratariam da assistência espiritual, jurídica e física. Assim, fariam que se confessassem e comungassem pela Quaresma e pelos quatro jubileus do Bispado, dar-lhes-iam duas vezes por semana pão suficiente para todos os dias e ainda uma posta de carne e uma escudela de caldo às quartas e domingos”.
Lopes, M.A. 2010. Cadeias de Coimbra: espaços carcerários, população prisional e assistência aos presos pobres (1750-1850). In Araújo, M.M.L., Ferreira, F.M. Esteves, A. (orgs.) Pobreza e assistência no espaço Ibérico (séculos XVI-XIX), [Porto], CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, 2010, pp. 101-125. Pg. 1, 11 a 14
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