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O peixe do Mondego destinava-se ao consumo geral e, para este efeito, devia submeter-se a certas obrigações, como a de ser vendido, publicamente, na Praça. Mas a população … necessitava de consumir, como é óbvio, outras quantidades e qualidades de pescado. O governo municipal tinha de mandar buscá-lo, então, a outros pontos do curso do Mondego e, sobretudo, aos portos de mar.
Esta atribuição, segundo postura antiga, pertencia aos almotacés … Deviam ir «catar pescados aos portos do mar».
… A Câmara inscrevesse num livro todos os «piscadeiros e almocreves», da cidade e arrabaldes, e os distribuísse, «a giro, para irem buscar peixe onde houvesse».
… Os barqueiros da cidade tinham por ofício ir continuadamente a Buarcos, buscar sal, sardinha, bacalhau e marisco, que depois suas mulheres vendiam.
… Certos barqueiros citadinos, em 1595, pretenderam trazer sáveis.
… Em 1590, o tratante de peixe Gaspar Fernandes procura tirar de Aveiro … 200 arrobas de bacalhau acabado de chegar. E em Fevereiro de 1625, António Rodrigues, marinheiro, natural de Tavarede, vendia na cidade peixe salgado.
… Em Agosto de 1569 … uma postura camarária … permitia ao «picadeyro» da Universidade, Manuel Monteiro, vender na Praça da cidade o peixe que quisesse, «quer venha logo de Buarcos quer venha d’Aveiro.
… o pescado que se pescasse no caneiro, em bugigangas ou quaisquer armadilhas, situadas no termo da cidade, devia ser vendido na Praça … nestes documentos refere-se sobretudo a venda de sáveis e de lampreias. Um processo de encarecer as lampreias: conservá-las em viveiros, depois de pescadas, e apresentar na praça poucas de cada vez.
… A Câmara mandava que a passagem dos pescadeiros se fizesse de modo a tornar-se notada. Para esse efeito, em 1586, de novo determinou que fosse colocado a todos os animais que transportassem peixe fresco ou seco para vender, e antes de entrarem na cidade, «hum grande chocalho como antiguamente sohiião a trazer». Mas nem sempre o chocalhar das bestas abria bom caminho. Em 1620 a Câmara aponta as únicas vias que deviam seguir os pescadeiros. Chegados à ponte de Água de Maias, cortavam, no Verão, para S. Domingos-o-Velho e, daí, pelo terreiro das Olarias e Paço do Conde chegavam à Praça. No Inverno transitavam pela rua de Santa Sofia, com o mesmo destino.
… Em Abril de 1598 … a Câmara manda que as tainhas não fossem vendidas com tripas ou se descontasse o peso delas. As tainhas salgadas eram vendidas abertas, com as aberturas cheias de sal
… Para evitar a fraude no peso do polvo este devia ser vendido seco e não remolhado … Em Novembro de 1547 foi proibida a venda dos mexilhões com seixos, cascas velhas ou outra sujidade.
Esclarecimento
O trajeto Aguas de Maias até à Praça, descrito no texto, corresponde hoje ao trajeto que vai da rotunda da Casa do Sal, pela Avenida Fernão de Magalhães (as ruínas do Mosteiro de S. Domingos-o-Velho foram recentemente identificadas e, em parte, escavadas sob o Almedina Coimbra Hotel), passando pela zona da Rua dos Oleiros e acedendo à atual Praça do Comércio pela Rua Adelino Veiga.
De assinalar, ainda, que na época, século XVI, este trajeto era impraticável no Inverno, dada a sua proximidade à margem do Rio.
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 272, 274 a 277, 291
Coimbra, em 1269, não possuía ainda estalagens propriamente ditas, pelo menos na Almedina … Um século depois Coimbra possuía já estalagens «mui boas e tais em que bem poderiam pousar se quisessem» os fidalgos que chegavam à cidade. Ficavam no arrabalde, a par de S. Bartolomeu e de Santiago, em 1377 .
… por volta de 1585. Neste ano … a Câmara acordou, «para bom regimento e agasalho dos caminhantes e nobreza desta cidade», que era importante haver nela cinco estalagens, das quais uma em Santa Clara.
… O ano de 1617 apresenta nove nas quais poderão estar incluídas simples vendas. Neste cômputo, a partir de 1610 deverá contar-se a estalagem que Diogo Marmeleiro de Noronha fez na «estrada pública» da rua de Santa Sofia … em 1613 encontramos nomeados dois estalajadeiros no Paço do Conde. Um, na Rua de Santa Sofia. Outro na Rua de António Azevedo, freguesia de S. João de Almedina. Na Rua do Arco, da mesma paróquia, depara-se-nos o estalajadeiro e alugador de bestas António João … Em 1623 havia em Coimbra pelo menos onze casas que forneciam só comida. Oito outras unidades davam dormida. Seis, cama e mesa.
… O treslado do regimento devia ser pendurado, em cada venda ou estalagem, em sítio que se pudesse ler, «na primeira casa omde se recebe os ospedes». Dele constavam os preços das comidas e dormidas, cuja conta não devia ser dada «em soma senão pollo miúdo» … O regimento, quanto à comida, tabela pão, carne de vaca, de porco e de carneiro, pescada fresca e vinho. Cada posta cozida, de carne ou peixe, devia pesar um quarto de arrátel (cerca de 115 gramas) e custava cinco réis. O regimento não faz referência explícita ao «azeite para o prato». Mas embora não o nomeando, acusa a sua presença ao obrigar o estalajadeiro ou vendeiro a ter uma medida aferida do «real de azeite».
Se as refeições se resumiam à «ementa» do regimento, bem simples eram: um ou mais pedaços de carne ou peixe acompanhados de pão e vinho. As postas seriam dadas «com sua cozinha se lha pedirem».
O regimento não fala de assados ou fritos … Mas o consumo de peixe frito (ou assado) está documentado tanto antes, como depois de 1586 … As camas mais caras das estalagens, ao tempo deste regimento, custavam trinta réis por dia e noite: numa câmara fechada, uma cama de «emsergão colchão», dois lençóis de linho lavados, cobertor de papa ou de pano e travesseiro enfronhado. Havia «camas de somenos» com colchão, lençóis, cobertor ou manta, por 15 réis … Algumas pousadas, além das camas, tinham também esteiras. Outras só esteiras. A dormida numa esteira custava um real por pessoa.
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 59 a 62, 68 a 70
Durante muito tempo, pode mesmo dizer-se que ao longo de alguns centénios, o nível demográfico de Coimbra se manteve mais ou menos estável, embora tal não obstasse a que as pessoas tivessem necessidade de se abastecer. A fim de responder a esta precisão, aconteciam mercados e feiras: a Praça Velha, o fórum junto ao Arco de Almedina, o terreiro do Paço Real, e a Feira dos Estudantes, depois de 1537, eram os locais privilegiadamente utilizados para a sua realização. Contudo, depois de a Praça Velha se ter tornado exígua, alguns produtos, sobretudo aves e grãos, passaram a ser comercializados frente à igreja de Santa Cruz, no Terreiro de Sansão.
Estes três espaços (Praça do Comércio, Feira dos Estudantes e Terreiro de Sansão) mantém-se até à segunda metade do século XIX, mas, apesar das contínuas disposições camarárias que especificavam o local exato da venda de cada produto, as vendedoras amontoavam-se de modo um tanto ou quanto caótico …
A edilidade, algum tempo depois da extinção das ordens religiosas, tivera a noção da importância de que se revestia para a cidade a posse do mosteiro (Santa Cruz) e da cerca fradesca, até para que neste último espaço se viesse a construir um mercado público capaz de substituir, com vantagem, a dispersão dos vendedores.
Contudo, tornou-se necessário esperar por 1867 para que a nova praça, projeto mais do que modesto elaborado pelo engenheiro Everard, fosse, com pompa e circunstância, aberta ao público, depois de batizada com o nome de D. Pedro V.
A autarquia decidiu, em 1899, encarregar o arquiteto Silva Pinto de elaborar o projeto de uma praça pública destinada a ocupar o local onde se erguia a de D. Pedro V, mas esse estudo jamais saiu do papel e apenas o pavilhão destinado à venda do peixe se construiu, tendo sido inaugurado a 8 de Março de 1908.
Anacleto, R. 2010. Coimbra Entre os Séculos XIX e XX. Ruptura Urbana e Inovação Arquitectónica. In Caminhos e Identidades da Modernidade. 1910. O Edifício Chiado em Coimbra. Actas. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, pg. 153, 155
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