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Na continuação da entrada anterior, importa assinalar que, na época, a deslocação de parte da Academia até Tomar foi referida por “Tomarada” ou por “Entrudada”.
No texto que, como já se especificou, é da autoria de Joaquim Martins de Carvalho, um profundo conhecedor de Coimbra e do seu passado, surge a referência às “Escadas de Santa Cruz”, designação toponímica que eu, bem como outros apaixonados pela história da Cidade, desconhecíamos,
O restante trajeto percorrido pelos académicos não levanta grandes dúvidas e passaria por descer a Couraça dos Apóstolos, a atual Rua do Colégio Novo e no cimo da antiga Rua das Figueirinhas, agora “batizada” de Rua Martins de Carvalho, descer para Sansão.
O problema coloca-se neste local, pois talvez os jovens pudessem descer umas escadas do Mosteiro crúzio que iam desembocar na sua horta e eram utilizadas polos cónegos regrantes para, por uma passagem secreta de que ainda restam alguns vestígios, se deslocarem até ao Colégio de S. Agostinho.
Avento a hipótese de serem estas as referidas “Escadas de Santa Cruz”, e lanço o desafio a outros conhecedores da cidade para se pronunciarem sobre esta possibilidade.
O itinerário referido, desde que, na época, fosse possível utilizar as alegadas “Escadas”, permitiria aos dois grupos de estudantes em confronto entrarem, simultaneamente, em Sansão, uns pelo lado Norte e outros pelo lado Sul.
Fica a hipótese e o desafio.
Feito este parêntesis, prosseguimos com o texto que temos vindo a utilizar.
À noite reuniu-se a maior parte da academia no largo da Feira, e aí se espalhou a falsa noticia de que os habitantes do bairro baixo da cidade tratavam de se armar para os ir atacar no bairro alto. Os ânimos, que estavam excitados em virtude dos acontecimentos da tarde, mais se exasperaram com tal boato.
Sé Nova e Largo da Feira. Col. RA
Alguns estudantes menos prudentes, querendo ostentar força, e julgando-se vitoriosos dos acontecimentos da tarde, começaram a incitar os seus condiscípulos para virem ao bairro baixo, e assim mostrar que nenhum medo tinham. Não faltaram conselhos e pedidos para que se não efetuasse semelhante resolução: esses esforços, porém, foram inúteis. Mostrando-se alguns, ainda que poucos, estudantes resolvidos a vir ao bairro baixo, todos os outros os seguiram, uns por espírito de camaradagem, e outros até para evitar as cenas desagradáveis que podiam ocorrer. Desceram em número de perto de 600, parte pelo Arco de Almedina, e outra pelas escadas de Santa Cruz, juntando-se em Sansão.
Largo de Sansão, hoje Praça 8 de Maio. Inicio do séc. XX. Col. RA
Mal constou que os estudantes vinham ao bairro baixo, receou-se que se repetissem os excessos da tarde; e por isso resolveram-se alguns indivíduos, no caso de ser preciso, a repelir a força com a força. Ao mesmo tempo dizia-se, posto que infundadamente, que os estudantes queriam incendiar a cidade; e por isso quando eles desciam a rua do Cego para a praça, foram recebidos por algumas descargas, que lhes atiraram da esquina próxima da igreja de S. Bartolomeu, de que resultou ficarem alguns estudantes feridos, e corresponderem estes também com alguns tiros.
Reconhecendo a imprudência do passo que tinham dado, retiraram-se os estudantes para o bairro alto, dirigindo-se uma parte deles pela Portagem, onde a guarda lhes não consentiu que passassem para a Couraça de Lisboa, senão a dois de fundo. Assim o fizeram, terminando por essa noite os tumultos.
Na quarta feira de cinza correram boatos de que nesse dia haveria ainda maiores desordens. Em lugar, porém, dos sinistros acontecimentos que se receavam, tomaram muitos académicos a resolução de sair da cidade, dirigindo-se para Lisboa.
Os académicos participaram esta deliberação ao seu prelado, o qual não pôde fazê-los mudar de parecer; e por isso resolveu em conselho de decanos não mandar tocar o sino para as aulas, esperando ainda que se acalmasse tal estado de irritação.
Chegada a questão a estes termos, foi convocado o claustro pleno para confirmar a deliberação do conselho de decanos; porém, sendo chamado a assistir a ele o sr. governador civil, este instou e fez tomar a decisão de que houvesse aulas no dia seguinte e continuasse aberta a universidade.
Na quinta feira de madrugada, 2 de março, mais de 200 académicos se reuniram no largo da Feira, e dali marcharam para Lisboa, a fim de representar contra os habitantes de Coimbra.
Em cumprimento da resolução do claustro pleno, abriram-se as aulas, e os professores foram para as suas cadeiras; mas raros alunos compareceram, havendo classes em que faltaram totalmente os discípulos.
Os académicos que tinham saído de Coimbra caminharam a pé até Tomar. Aí os veio encontrar o sr. Roussado Gorjão, encarregado pelo presidente do conselho, duque de Saldanha, e pelo ministro do reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, de os persuadir a voltar para Coimbra. Os académicos acederam ás razões que lhes foram expostas, e pela maior parte vieram outra vez para esta cidade.
Pelo ministério do reino foi primeiro concedida aos académicos a faculdade de se apresentarem na universidade até ao dia 25 de março, para continuar as aulas, na certeza de que lhes seriam abonadas as faltas que desde o dia 28 de fevereiro tivessem dado nos exercícios escolares. Depois, em portaria de 17 de março, atendendo a que poderia haver alguns académicos ou muitos deles, que, tendo ido para as terras da sua naturalidade como o governo lhes permitira, ou por quaisquer outros motivos, não pudessem concorrer dentro do tempo prescrito para prosseguir nos seus estudos, á semelhança dos que de Tomar tinham regressado á universidade, foi-lhes prorrogado o prazo para se poderem apresentar até ás ferias da Páscoa.
Carvalho, J. M. Graves conflitos em Coimbra pelo entrudo de 1854. In: Apontamentos para a História Contemporânea, 1868: Coimbra, Imprensa da Universidade, pp. 241-248. Acedido em: https://drive.google.com/file/d/1v-_FRydFPXvB6h6mwq3J2w75ylFmkMsd/view?fbclid=IwAR3I0Zqi_2y3soFLcZe6r5fLsX-Q2qn4McLYJbRj10EtL39pkTqs53l7Oys
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