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Mas como eram escolhidos os governantes da cidade?
Pelo Foral de 1111 ficamos a saber, dever ser a escolha régia determinada pela naturalidade.
As Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) registam e regulamentam todo este procedimento.
Curiosamente não sofre grandes alterações durante centenas de anos.
Na coleção de Cartas Originais dos Infantes do AHMC, conjunto de missivas em papel do século XV, enviadas à Câmara de Coimbra, entre 1418-1485, deparamo-nos com um singular documento do Duque Dom Pedro. É dirigido “aos juízes e vereadores e homens bons da nobre e leal cidade de Coimbra” mostra que nem sempre o processo era isento, sendo necessária a intervenção superior. Os cargos não deviam ser sempre exercidos pelas mesmas pessoas, alertando o Duque para a necessidade de renovação, e para que se cumprisse o regimento, na feitura dos pelouros.
Julgamos que a eleição sumária, realizada no verso da própria missiva do duque, nos demonstra a tentativa de resolver de imediato um desses conflitos. Os representantes da comunidade local eram escolhidos pelos seus pares, num processo eleitoral algo diferente do que hoje estamos habituados. Os nomes dos elegíveis eram previamente selecionados e registados num pedaço de papel, que era depois encerrado numa bola de cera: o pelouro. Na altura da “eleição” uma criança, ou uma outra pessoa designada pela assembleia, extraía do saco, da arca, ou do cofre, os pelouros à sorte.
Na cidade de Coimbra, o cofre dos pelouros era um objeto rico, com chaves de prata, oferecido por um dos vereadores.
Os nomes assim obtidos eram os eleitos para esse mandato. Era então enviada essa lista para sanção superior ao rei, ou no caso específico de Coimbra, ao duque Dom Pedro, a quem fora confiada essa incumbência para a cidade. Depois de aprovada a pauta, eram notificados os eleitos para virem exercer o cargo, indo-lhes levar a vara da vereação a casa, o porteiro da Câmara.
A grande alteração no processo eleitoral surge apenas com o Liberalismo. As Vereações eram, até aí, constituídas por três Vereadores, escolhidos entre os cidadãos e pelo Procurador do Concelho, também ele cidadão.
Passam a integrar também dois elementos dos mesteres, os Procuradores da Casa dos 24, eleitos entre os profissionais embandeirados dos ofícios mecânicos existentes na localidade, privilégio concedido por D. João I em retribuição do apoio prestado à sua causa. D. João IV conceder-lhes-á também o privilégio de uso de vara, insígnia reservada aos Vereadores e Juízes.
A partir de 1537, ano em que a Universidade é instalada definitivamente em Coimbra, por ordem régia, passa a integrar a Vereação municipal da cidade mais um vereador, o Vereador do Corpo da Universidade, escolhido diretamente pela sua Corporação.
Presidia às sessões da Vereação, o Juiz de Fora, magistrado de nomeação régia e, como o próprio nome indica, externo à localidade, ou o Corregedor da Comarca. Ao Juiz competia o poder moderador e fiscalizador. O seu voto é um voto de qualidade, apenas utilizado para desempate, competindo a gestão corrente exclusivamente aos Vereadores.
Os eleitos ficavam com o cargo de gerir a vida da localidade e da sua população, provendo o seu bem-estar e sustento, aplicando e fazendo cumprir, os regimentos e posturas, que elaboravam, e votavam em assembleia, seguindo os princípios da Lei geral do Reino consignados nas Ordenações. Realizavam reuniões periódicas deixando-nos disso imensos registos na série das Actas de Vereação, conjunto extenso cujo primeiro exemplar data de 1491.
... Como se disse, a nova orgânica Municipal será instituída em 1834, com as amplas reformas administrativas. A Vereação passa a ser constituída apenas pelos Vereadores, assumindo um deles o cargo de Presidente da Câmara.
O primeiro Presidente da Câmara Municipal de Coimbra é Agostinho José da Silva. Cessa a representação dos Procuradores da Casa dos 24, entretanto extinta, e o privilégio da representação do Vereador do Corpo da Universidade.
França, P. 2011. O Poder, o Local e a Memória, 1111-2011. Catálogo da Exposição. Coimbra, Arquivo Histórico Municipal de Coimbra/ Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 4 a 7
… D. Pedro e D. Inês viveram em vários locais do Reino e permaneceram algum tempo no Paço da Rainha junto ao Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Inês veio a ser executada no Paço, por ordem do rei, a 7 de Janeiro de 1355, sendo sepultada na igreja das Clarissas. Já depois de assumir a coroa portuguesa, D. Pedro afirmou que se tinha casado em segredo com D. Inês e determinou que o seu corpo fosse tresladado para o Mosteiro de Alcobaça.
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O casamento do príncipe real D. Duarte veio a ser celebrado na igreja de Santa Clara de Coimbra, em 22 de Setembro de 1428 tendo o templo sido decorado com ricos tapetes e panos. Após os esponsais, o casal pernoitou no Paço da Rainha.
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Foi em Santa Clara que professou D. Joana de Castela, a Excelente Senhora, ou Beltraneja, sua segunda mulher (de D. Afonso V que foi obrigado pelo Papa a repudiá-la).
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D. Pedro, duque de Coimbra, escolheu a igreja de Santa Clara para fazer as suas preces antes do confronto fatal de Alfarrobeira (1449) e aqui foi sepultada sua filha D. Catarina, em arca tumular colocada na sala do Capítulo.
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D. Manuel demonstrou igualmente interesse por Santa Clara de Coimbra, tendo sido o motor do processo da beatificação de D. Isabel (15 de Abril de 1516) e tendo dado obras de arte para adornar o mosteiro, designadamente o «Tríptico da Paixão de Cristo», obra flamenga de Quentim Metsys.
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Em 1669, Cosme de Médicis, grão-duque da Toscana, deslocou-se a Portugal e, na sua passagem por Coimbra, visitou as “Freiras de S., Francisco, onde está o corpo de S. Isabel, Rainha de Portugal. Ali permaneceu junto às grades e ouviu cantar pelas Monjas alguns motetes”
Trindade, S. D. e Gambini, L. I., Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Coimbra, Direção Regional de Cultura do Centro, pg. 27 e 28
Concretamente e sobre o velho casco do primitivo «palatium» sesnandino, sucessivamente renovado por D. Afonso IV e D. João I, que a ala nova do Infante D. Pedro intersetara, haviam-se organizado os aposentos da Rainha: a vasta sala acompanhada, quase de topo a topo, pela varanda; o «estudo»; a antecâmara provida de tribuna sobre o templo; a «câmara do leito»; por fim, tudo leva a crer, os aposentos das Infantas. Haviam-se rasgado, para o terreiro, as novas janelas, de sóbrias molduras «escacantes», como a da «sala 8» ilustra ainda e, em geral, alteado as paredes, a fim de deixar espaço, no piso superior, aos «dormitórios» das damas e criadas. E sabemos também, ainda, que no piso térreo da «ala do Regente» se tinham organizado as «camaras do bispo», em função das quais novas janelas de voltas «escacantes», idênticas às do andar nobre, se tinham aberto no topo ocidental (e noutros pontos, por certo), erguendo-se para o lado dos «quintaes», umas «varandas», varandas que serviam de apoio, no andar alto, ao eirado que projetava os aposentos das Infantas. Por aí começara, seguramente, a execução da «empreytada dos cajamentos», pois em 1518 estipularia o contrato, em matérias de «guarnyções», que «todalas de apousentamento d’El Rey e da Rainha serão de teor que sam as das camaras do bispo». Pelo que, em fim de contas, não eram apenas os aposentos «da Rainha» que se achavam concluídos; eram também, por força, as casas altas dos «d’El Rei» (essencialmente a câmara e o «estudo»)
… Essencialmente pronto em 1518 estava também o templo palatino onde, aliás, desde inícios de 1516 que a vida litúrgica se havia retomado … Tratara-se, aliás, na prática, fundamentalmente de demolir a antiga ousia edificada por D. Pedro, adicionando ao velho corpo (ligado já, decerto, à respetiva sacristia) uma nova e mais ampla capela-mor, com o seu cruzeiro – o falso transepto que se admira ainda –, a fim de dar guarida à pompa eclesiástica da Corte e, do mesmo passo, a permitir a ereção do dispositivo retabular que, desde os finais da anterior centúria, se havia tornado indispensável à cenografia das celebrações.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens, ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 392
Mas parece certo que, ao invés do que ocorreria com a obra crúzia, os trabalhos começariam aqui em obediência a um plano de conjunto – plano a que Marcos Pires dará continuidade, por isso mesmo não só a sua clareza estrutural, como a própria lógica sequencial das «empreytadas» denunciam a existência prévia dessa «conceção geral». Que ao genro de Mateus Fernandes deve, consequentemente, ser atribuída.
De facto, não restam dúvidas de que a intervenção no velho paço fortificado medievo teria o seu início pela ala poente, essa onde avultavam a Capela edificada por D. Pedro e as novas «câmaras» que paralelamente organizara e que, na nova ordem, iriam converter-se nos aposentos da soberana e nas casas do prelado subjacentes. São as campanhas que precederam a entrega do estaleiro a Marcos Pires e, na aparência, as únicas que Boitaca pessoalmente superintenderia. A própria morte da Rainha D. Maria de Castela, em Março de 1517, a quatro dias da nomeação de Marcos Pires por «mestre das nosas obras que se fazem e daquy em diante na dita çidade ouuerem de fazer», obriga a recuar no tempo – ao «tempo de Guomçalo Priuado como de Nycolau Leytam que foram veadores das obras» –, o lançamento desse programa, sabendo-se que o monarca não contrairia terceiras núpcias, com D. Leonor de Aústria, senão em Novembro de 1518, um mês depois do contrato conhecido, da «empreytada noua das casas dos jmfamtes», deixar em silêncio, de forma eloquente, essa ala do palácio, à única exceção da «varanda da Rainha». E é pela medição de 1522 (onde perpassam o «emprestido dos telhados», também ele remontando a Gonçalo Privado e Nicolau Leitão; a «empreytada dos cajamentos», iniciada sob este último e a «dos ladrylhos e guarnyçoes e aluenarias», cujo pagamento se iniciaria em 1519, respeitando todas, necessariamente, a uma área já edificada) que ficamos a saber achar-se concluído e em fase de acabamentos tal setor (por ordem cronológica de assentamento de telhados, caiamentos, ladrilhos e guarnições), quando o Rei confia a Marcos Pires a direção do estaleiro.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens, ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 391 e 392
Parece, pois, ser chegado enfim o momento de procurar reconstituir o processo de remodelação do Paço Real de Coimbra posto em marcha por D. Manuel I.
Efetivamente e como escreveria Nogueira Gonçalves, “A Capela de S. Miguel apresenta-se como uma inserção ao conjunto dos paços” – situação ainda hoje visível ao nível dos telhados, que claramente fletem no seu ponto de arranque, evidenciando a sua justificação ao velho organismo palatino e mesmo ao «albacar». Apenas não é, como o ilustre mestre imaginou, “uma das extensões manuelinas aos paços antigos”, mas o produto da intervenção do Infante D. Pedro no solar dos seus maiores, nos quinze anos em que, apesar de tudo, lhe foi dado usufruí-lo. Capela que não é fácil saber como era na verdade, mas que não custa imaginar correspondesse ao corpo e ao vestíbulo da atual, num comprimento duplo da largura, rematada a sul por uma ousia rasgada, no topo, por ventanas … Em ângulo reto e a expensas do corpo do «albacar» que seu pai edificara, avançaria a nova ala residencial, destinada a dotar de melhores condições habitacionais o velho Paço, nesse tempo de crescente civilização e requinte da vida cortesã e que talvez tenha sido o cenário do seu cavalheiresco juramento com o conde de Avranches, antes da trágica jornada de Alfarrobeira, quando no dizer de Rui de Pina, o príncipe o “apartou soo a huuma camara”. E onde também não custa imaginar que remontasse à sua intervenção esse vão que abria da futura antecâmara da Rainha sobre a nave da capela.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens, ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 388 a 390
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