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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 01.02.22

Coimbra: Camilo e a cidade do Mondego 5

O SEGUNDO PERÍODO DE PERMANÊNCIA EM COIMBRA (Continuação)

Mais explícita e pormenorizada é a descrição de Adelino das Neves e Melo, o íntimo do romancista:

«Na primeira casa em que habitou aos Arcos de S. Bento, éramos vizinhos e quase diariamente o visitava: umas vezes encontrava-o rebuçado no seu capote alvadio junto ao fogão, mesmo quando a temperatura dispensava tal calorífero; era porém, muito friorento, e nunca achava de mais as peliças e os abafos». Mas o escritor não podia deixar de produzir, e Neves e Melo disso nos dá conta: «Noutras vezes, e eram as mais frequentes, via-o à mesa do trabalho, tendo um maço de tiras de papel de cada lado, onde escrevia dois assuntos diversos ao mesmo tempo, descansando de um para continuar no outro. Parece-me que estou a ver o seu gabinete de estudo, cercado de elevadas estantes com a sua preciosa livraria, a vasta mesa com o enorme tinteiro já meu conhecido, rimas de papel e de brochuras, e a inseparável caixa de charutos; várias fotografias e alguns quadros a óleo cobriam as paredes, que não eram ocupadas pelos livros».

Camilo pg. 64a.JPG

Publicado em Coimbra. Número único que contou com a colaboração de Camilo. Op. cit., pg. 64

 … Para minorar os seus padecimentos, contou o romancista com a assistência médica de Lourenço de Almeida Azevedo e de João Jacinto da Silva Correia, o conhecido Dr. João Jacinto, como nos informa Maximiano Lemos. Para este último, existe mesmo uma carta de Camilo, datada de 30 de Janeiro de 1876:

«Il.mo Ex.mo Sr.

Uma das profundas reformas que vou fazer aos meus maus costumes é abster-me completamente de leituras que tenham cheiro patológico. Ajude-me V. Ex.a como amigo – já que me quer dar a honra de não ser exclusivamente médico, – a depurar as minhas pobres estantes de algum livro infamado de cúmplice em todas as minhas enfermidades de terminação grega.

Levantei-me hoje; mas as pernas arrastam-me para a cama: isto é que me parece não poder atribuí-lo aos livros.

De V. Ex.ª

Amigo agradecido e v.o

Castelo Branco

de V. Ex.ª

30 de Janeiro de 1876

Camilo pg. 5a.jpg

Camilo Castelo Branco. Pintura de João Carlos, existente na Biblioteca Municipal de Coimbra. Op. cit., pg. 5.

Quando a saúde o permitia, Camilo, acompanhado do seu terra-nova, percorria as ruas de Coimbra. António Cabral descreve-o assim:

«Recordo-me com extrema nitidez da sua figura singular e original. Neste momento, em que evoco o seu grande espírito, estou vendo, como nos meus tempos de rapaz, o vulto inconfundível do escritor genial. Estatura passante de meã, rosto lavrado pela varíola assoladora, bigode crespo e farto, corpo ossudo e já mirrado pela doença implacável, cabeleira romântica a fugir sob as abas direitas do chapéu alto, capa espanhola a pender-lhe dos ombros magros e secos. Atrás dele, o fiel terra-nova, de pelo ondeado e sedoso, a seguir-lhe os passos vigorosos. Assim o vi. Assim ficou para sempre gravada na minha memória a imagem de Camilo Castelo Branco.»

Refere ainda António Cabral, que algumas vezes o viu «descer vagarosamente a ladeira do Castelo, pensativo, meditabundo, com a cabeça inclinada para a terra, como quem vai em doce e íntima conversa com a imaginação fervente, sempre em contínuo batalhar».

Também Teixeira de Carvalho, o Quim Martins, como ficou conhecido em Coimbra aquele médico e historiador coimbrão, nos dá o seu testemunho:

«Vésperas de feriado! Corpo deitado a correr, íamos todos, rua dos Grilos abaixo, com a alegria dos rapazes ao sair das aulas, quando o da frente estacou de repente, ao virar da esquina, e nos disse rápido:

- O Camilo!

Olhei.

Na rua, não havia mais que um homem parado, de costas, capa à espanhola traçada, chapéu alto de abas direitas, olhando pelas escadas que vão para os Palácios Confusos, como se esperasse alguém.

Camilo. Palácios Confusos 6.JPG

Palácios Confusos

 De repente, voltou-se e pôs-se a andar distraidamente para nós, que ocupávamos a rua toda, estendidos em linha de batalha.

Ao cimo das escadas, apareceu então um terra-nova, de pelo preto e anelado.»

 

Andrade, C.S. 1990. Coimbra na vida e na obra de Camilo. Coimbra, Coimbra Editora.

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por Rodrigues Costa às 10:34

Quinta-feira, 16.11.17

Coimbra: Colégio dos Grilos ou de S. Rita

Era dos «Eremitas descalços de St.º Agostinho», que fundaram este seu Colégio universitário em 1755, dando-lhe, como titular da pequena igreja, S.ª Rita de Cássia.

Construíram um bom e amplo edifício, ao cimo do sítio denominado Palácios Confusos, na escarpa ocidental do monte onde assenta a Universidade, e muito próximo desta; local magnífico, com belas e dilatadas vistas para Ocidente, estendendo-se pelos campos e colinas dos arredores de Coimbra.

Colégio de S. Rita ou dos Grilos porta.jpg

 Colégio de S. Rita ou dos Grilos, portal e fachada meridional

 Em 1785 ainda não haviam sido dadas como conclusas as obras de construção, embora já de há muito ali vivessem os colegiais. A 3 de setembro deste ano... adquiriram e consolidaram o seu domínio direto com o útil, das três moradas de casas, cuja compra haviam ajustado ... para a construção da sua igreja.

Colégio de S. Rita ou dos Grilos fachada.jpg

 Colégio de S. Rita ou dos Grilos, fachada ocidental

O povo denominava os eremitas descalços - «Grilos»... Aquele apelido, um pouco extravagante, vinha do nome da quinta, perto de Lisboa, onde tinham a sua sede.

... Primavam os «grilos» pelo seu carater modesto, pacifico, bondoso, que os tornava muito simpáticos ao povo, e no meio universitário, sem contudo deslustrar ou prejudicar os seus merecimentos e reputação de muito eruditos e sábios, e de pedagogos distintos. Apesar de ser curta a história deste Colégio, pois não chegou a ter oitenta anos de existência apontam-se com veneração e elogio os nomes de alguns dos seus frades.

...Pela extinção dos Colégios em 1834, e expulsão dos seus colegiais, não ficou o edifício abandonado, como sucedeu a quase todos. Instalou-se logo ali a autoridade administrativa distrital, que veio depois a chamar-se Governador Civil, com as repartições respetivas.

Mas não foi prolongada essa aplicação... Transferiu-se para lá em breve a Administração geral do distrito, e o edifício foi entregue à Universidade... 27 de outubro de 1836. Passou a ser arrendado a uma república de estudantes ... Decorridos anos, o Governo mandou-o vender, avaliado em 5.600$000 reis, base de licitação. Realizou-se a praça a 27 de Abril de 1844.

Posteriormente, neste Colégio funcionou até à construção da sua nova sede, a Associação Académica de Coimbra.

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 280, do Vol. I

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por Rodrigues Costa às 11:44


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