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Foi recentemente divulgado na internet um trabalho intitulado O Museu Municipal de Coimbra: Contributos para o Programa do Núcleo Museológico do Carro Elétrico.
Trata-se do Relatório de Estágio de Mestrado em Política Cultural Autárquica, apresentada em 2016 ao Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, por Ana Filipa de Jesus Pereira. Estágio que teve como orientadora a Senhora Professora Doutora Maria Margarida Sobral Neto e como acompanhante responsável a Senhora Dr.ª Elisabete Carvalho.
Por razões éticas, dado que nos últimos 25 anos da minha carreira profissional exerci funções docentes, não irei discutir o mérito do referido trabalho, sem, contudo, deixar de sublinhar que a autora dispunha de fontes primárias e de informadores qualificados que marginalizou.
A obra apresentada tem, nas palavras da autora, como “principal objetivo contribuir para o enriquecimento dos conteúdos do futuro Núcleo do Carro Elétrico do Museu Municipal de Coimbra” o que a faz partir de um pressuposto errado.
Existe um Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, que ocupa a antiga oficina de reparações da rua da Alegria e que foi criado por decisão do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados, em 1982, apenas concretizada dois anos mais tarde, quando o seu Regulamento foi aprovado e os respetivos corpos diretivos empossados, ficando, desta forma, o Museu dotado de personalidade jurídica e de autonomia financeira. Ora, não tendo conhecimento de uma decisão formal da sua extinção e ainda que, lamentavelmente, as suas portas continuem vai 16 anos encerradas, a maioria do espólio que lhe dá razão de ser continua ali guardado.
O que seria de esperar é que a autora, depois de contextualizar a formação do Museu procurasse dar um contributo positivo para a sua revitalização e apontar caminhos que se inserissem no contexto das novas filosofias museológicas.
Face à minha intervenção no processo, considero ter o dever de comentar algumas situações que se encontram expressas ao longo do referido Relatório.
Desempenhava, na altura, o cargo de Diretor do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo da Câmara Municipal de Coimbra e, nesta qualidade, fui chamado a exercer as funções de Diretor do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, cargo que desempenhei durante os cinco primeiros anos de vida do mesmo.
As intervenções e trabalhos desenvolvidos no Museu durante o tempo em que fui responsável por aquela Instituição foram objeto de uma comunicação que apresentei ao “I Encontro sobre Património Industrial”, acontecido em Coimbra, Guimarães e Lisboa no ano de 1986 e publicada em 1990 no primeiro volume das Actas e Comunicações, pg. 265-278.
Irei republicar essa comunicação neste espaço, prometendo, desde já, se a minha saúde o permitir e logo que o Covid nos deixe, numa das conferências que vimos organizando, voltar a abordar o tema relacionado com o Museu Municipal de Coimbra,
Aqui, torna-se pertinente recordar que, em 2007, escrevi no livro Troleicarros de Coimbra. 60 anos de História que na minha perspetiva, o Museu dos Transporte Urbanos de Coimbra foi uma iniciativa que se pretendia como o primeiro núcleo de um projeto, ainda, tão necessário: o da criação de um Museu da Cidade, polinucleado, que abranja as múltiplas facetas de que o passado da nossa cidade se reveste.
Acresce que o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra esteve aberto ao público durante 13 anos, assentou num trabalho de recolha e investigação e ali estava guardado e exposto um património valioso, parte do qual foi recuperado e mantido no propósito imposto pelo respetivo Regulamento, o de poder vir a ser utilizado numa sonhada e nunca concretizada linha histórica.
Um Museu que tem a sua história e um trabalho que no livro em apreço foi resumido, na página 34, do seguinte modo: Importa por fim referir que neste espaço funcionou de 1982 a 1995 o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, tendo sido o seu primeiro diretor António Rodrigues da Costa.
Perante o exposto, fica demonstrado que o principal objetivo da autora do trabalho não tem razão de ser, pois a haver um futuro Núcleo do Carro Elétrico, o mesmo terá que resultar da transformação do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra.
Aliás, é patente ao longo do Relatório, não só a intenção de passar uma esponja sobre o passado, cujo porquê não quero qualificar, bem como a tentativa de perspetivar um projeto salvífico que, como se disse, o poderia ser, mas com coordenadas bem diferentes das que foram apresentadas.
Embora desconhecendo as condições em que este tipo de estágio se efetua e não desejando formular processos de intenção, seja-me permitido, no entanto, manifestar a minha estranheza perante a (des)informação, nada compreensível, manifestada pela responsável deste trabalho efetivado no Museu Municipal de Coimbra, departamento de cuja equipa fazem parte Técnicos que ao tempo integravam o quadro de pessoal do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo, que não podiam ignorar o que então se passou.
Quero ainda afirmar que um Museu não pode ser estático, tem de se ir transformando e adaptando, tanto à evolução das técnicas, como das novas filosofias museológicas que, entretanto, se vão desenvolvendo. Decorre destes pressupostos a necessidade de surgirem novos projetos, devidamente enquadrados, capazes de marcar o rumo dessa evolução; não se pode, contudo, esquecer o acervo existente, razão da sua existência, acervo esse que se torna necessário salvaguardar e manter. Qualquer museu, e este em especial devido às suas características, exige um trabalho permanente e persistente de investigação capaz de completar e explicar com maior profundidade a sua história e simbolismo.
Quero ainda de chamar a atenção para a legenda de figura 4 que afirma tratar-se da Fachada da Remise / Futuras instalações do núcleo do carro elétrico.
Em primeiro lugar direi que “remise” é uma palavra francesa que tem como um dos significados mais arcaicos e menos usuais o de garagem, cocheira e recolha e que manda a verdade que esse termo foi utilizado por algumas pessoas para designar o local de recolha dos carros elétricos. Mas, também, manda a verdade que se diga que usualmente era usada a palavra portuguesa recolha.
Vista geral das instalações. 1911 c. Col. Carlos Ferrão
Acontece, ainda, que o termo inicialmente utlizado para designar o local destinado a guardar os carros elétricos, foi o de cocheira, como se pode verificar numa fonte secundária, o Noticias de Coimbra datado do início de janeiro de 1911, onde se pode ler que a cocheira, situada junto à Central, tem espaço para recolher onze carros, tendo junto a oficina de reparações, o atelier de pintura e os armazéns de material.
Ora, a zona fotografada no livro em apreço, diz respeito à área da oficina de reparações e como tal foi salvaguardada aquando da abertura do Museu. Daí, a legenda estar errada.
Por último recordo que existiram em Coimbra três locais de recolha dos carros elétricos.
A primeira foi atrás referida, a qual com a expansão da frota, foi transferida para a antiga fábrica de produção de gás de iluminação, na rua Figueira da Foz.
Recolha dos carros elétricos na fábrica do gás. Coleção Carlos Ferrão
Com a cedência desses terrenos ao Ministério da Justiça e a criação das oficinas na margem esquerda do rio Mondego, a recolha dos elétricos voltou à rua da Alegria, mas ocupou um outro local como se documenta na imagem que seguidamente se publica.
Recolha de elétricos na zona da Alegria
Rodrigues Costa
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