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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 20.06.24

Coimbra: Albertino Marques, ourives do ferro

Iniciamos hoje a divulgação de dois textos inéditos, que dividimos por quatro entradas, da autoria de Regina Anacleto e que têm como objetivo a divulgação sumária da vida de Mestre Albertino Marques e o estudo de uma peça que ele cinzelou para a Capela do Seminário Maior de Coimbra.

Albertino Marques que nasceu em Coimbra, na freguesia de Santa Cruz, a 27 de abril de 1890, é um dos artistas que, na primeira metade do século XX, trabalhavam o ferro forjado na cidade do Mondego.

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Albertino Marques (Coimbra, 1890-Coimbra, 1966)

O artífice frequentou a Escola Industrial Brotero e quando, em 1907, apenas com 14 anos, terminou o curso iniciou o seu percurso como obreiro do ferro com o serralheiro António Maria da Conceição (Rato) e, posteriormente, em 1918, na oficina de Francisco Nogueira Seco, localizada no Quintal do Prior.

Após a morte deste artista sucedeu-lhe na sociedade, de parceria com os descendentes do industrial e com Daniel Rodrigues. A sociedade girava sob o nome de “Seco, Graça & Marques”. Contudo, Daniel, em 1919, separou-se e inaugurou a sua serralharia no Terreiro da Erva, n.º 36, local onde permaneceu até ao fim da vida e Albertino, a partir de 1929, instalou a sua oficina na Rua João Machado.

Albertino Marques, que jamais deixou de estudar, com o desejo de melhorar a sua formação, passou a frequentar a Escola Livre das Artes do Desenho e a ter como mentor mestre João Machado.

A sua capacidade de saber fazer falar o ferro tosco, tornando-o delicado, introduziu o seu nome entre os mais conhecidos artistas que, em Portugal, se dedicaram à arte de forjar.

A serralharia artística constituiu o objetivo primacial de toda a vida de Albertino Marques, mas, nomeadamente por questões de ordem económica, tornou-se-lhe impossível colocar à margem outros trabalhos mais vulgares.

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Lanterna do Parque de Santa Cruz

Ativista das antigas organizações operárias, cedo compreendeu a importância da publicidade na difusão da arte do ferro, facto que, de algum modo, lhe permitiu espalhar as peças saídas da sua oficina por todo o país; os artefactos passavam por tocheiros, em estilo gótico, renascentista ou ‘modernizado’, por lâmpadas cinzeladas ou por portas e grades para jazigos e campas.

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Publicidade

No meio artístico conimbricense, sobretudo no ligado ao ferro forjado, a partir de 1933, instalou-se uma grave crise que se foi prolongando até meados da centúria, agravada por vicissitudes várias, a passarem pela falta da encomenda de trabalhos importantes que ajudassem os artistas a preservar a sua arte e pelo panorama económico da sociedade, que dificilmente permitia às pessoas dispor de numerário passível de possibilitar a compra de obras já que estas não se assumiam como bens necessários à sobrevivência.

Albertino Marques, antes de, em 1955, por razões de saúde, ter encerrado, definitivamente, a sua oficina, realizou várias obras em serralharia artística para instituições religiosas.

Posteriormente, passa a entreter as horas de ócio escrevendo sobre coisas de Coimbra e da sua arte. Nesses escritos, publicados no jornal «O Despertar», revela o gosto e o conhecimento das várias formas de arte, bem como o seu interesse por tudo o que diz respeito à sua cidade natal. 

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Caricatura de Albertino Marques

 A 27 de abril de 1966, com 76 anos de idade, depois de ter dedicado 62 à arte do ferro forjado, morre em Coimbra na sua residência, sita na Rua João Machado, o artista Albertino Marques.

Anacleto, R. Albertino Marques (Coimbra, 1890-Coimbra, 1966). Breves notas soltas. 2024. Texto inédito.

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por Rodrigues Costa às 19:31

Quinta-feira, 19.04.18

Coimbra: Café Santa Cruz, um café com muita história 3

Como contributo para o encontro internacional de cafés históricos europeus que vai decorrer em Coimbra na próxima sexta-feira e sábado, concluímos hoje a publicação de uma série de três entradas sobre o Café de Santa Cruz, um café com muita história.

 A partir dos finais da primeira década do século XX, a imprensa de Coimbra começa a noticiar a possibilidade de a cidade passar a dispor de um requintado Café-restaurante e apontava para sua instalação no imóvel, nessa altura muito degradado devido às diferentes utilizações e serviços que ali haviam estado instalados após a desamortização, da igreja de S. João de Santa Cruz, situada paredes meias com o templo do mosteiro crúzio, na esquina da Praça de Sansão com a Rua das Figueirinhas.

Num primeiro momento a escolha do local foi aceite de forma pacífica pela opinião pública, porque o empreendimento vinha preencher uma importante lacuna da cidade uma vez que esta não dispunha de qualquer estabelecimento do género capaz de poder oferecer aos habitantes e a um público que a visitava cada vez em maior número, as comodidades e a categoria propostas no projeto em causa. Em suma, estava-se perante um melhoramento local.

Contudo, com o decorrer do tempo, e com os “empatas” a levantarem constantes e variados obstáculos, a polémica rebentou, estendeu-se largamente, envolveu as entidades responsáveis sediadas na urbe, com destaque para o Conselho de Arte e Arqueologia da 2.ª Circunscrição, presidido pelo engenheiro Abel Urbano e de que faziam parte, entre outros, António Augusto Gonçalves (considerado, justamente, a figura predominante), arquiteto Augusto da Silva Pinto, engenheiro Sousa Pinto e João Machado. Esta entidade, ao longo do processo navegava nas águas de uma certa ambiguidade, porque ora reprovava, ora consentia e também porque o presidente, Abel Urbano, engenheiro militar e funcionário da Câmara Municipal de Coimbra (exerceu a vice-presidência da edilidade em 1918-1919 e a presidência nos anos de 1929-1930) era o principal opositor do projeto.

Café Santa Cruz. Logotipo a x.jpg

 Chávena com o logotipo do Café Santa Cruz

 Nos discursos proferidos aquando da inauguração do Café-restaurante, acontecida a 7 de maio de 1923, este foi considerado “um grande melhoramento” e um local onde acorreria “a melhor sociedade citadina” que, por certo, ali viria “a dar-se rendez-vous”.

Os donos de um estabelecimento similar existente em Lisboa seriam os promotores do café conimbricense, mas, na realidade, os proprietários do Café de Santa Cruz eram Adriano Lucas, Mário Pais e Adriano Cunha que, como desejavam “que o estabelecimento fosse de primeira ordem” não “se têm poupado e esforços nesse sentido, nem mesmo a despesas avultadas”.

Como já se disse, o projeto da fachada apresentado por Jaime Inácio dos Santos, que apresentava um traçado a inserir-se no gosto neomanuelino, já dera entrada nos respetivos serviços camarários para aprovação no segundo trimestre de 1921, tendo, na altura, sido alvo dos mais rasgados elogios. No entanto, para o final do ano a fachada teve de sofrer algumas pequenas alterações, a nível da decoração, a fim de ser “desmanuelizada”.

As entidades responsáveis entendiam que o neomanuelino não podia, nem devia, ser utilizado ao lado do templo crúzio. Havia que edificar uma fachada que se distanciasse do monumento, mas que, simultaneamente, não colidisse com ele.

A contenda agudizava-se, porque para além de ser posta em causa a utilização de um espaço que fora sagrado para nele funcionar um Café-restaurante (as outras utilizações do desativado templo jamais haviam levantado qualquer protesto) ainda existia a convicção de que o templo integrara o “mosteiro das Donas” e, por isso, os opositores conseguiram que o local tivesse sido declarado Monumento Nacional através do decreto n.º 7783, de 2 de outubro de 1921, ocasionando o embargo da obra em novembro seguinte. Na realidade, o mosteiro feminino havia séculos que fora transferido para outro local e, além disso, situava-se no lado oposto. A igreja de S. João de Santa Cruz sempre foi a sede da paróquia do mesmo nome, até porque o templo crúzio fazia parte integrante do mosteiro agostinho.

A escolha do local para instalar o Café-restaurante, consensual num primeiro momento acabou por se transformar numa intensa e demorada polémica, com incisivas acusações entre aqueles que se apresentavam a favor e aqueles que se declaravam manifesta e irredutivelmente contra, sendo a imprensa escrita publicada em Coimbra o principal veículo desta acesa discussão.

Café Santa Cruz. Fachada. Pormenor 03a Maluisbe x

 Candeeiros de iluminação exterior (Foto Maluisbe)

 De um lado situavam-se alguns jornais, como A Noticia, O Despertar e a Gazeta de Coimbra, mais liberais e de cariz marcadamente republicano, que viam neste empreendimento um verdadeiro melhoramento e um importante veículo de progresso para a cidade, em nada chocando a sua localização com o importante e imponente monumento vizinho e muito menos com o afastado passado religioso do templo outrora ali existente.

Por outro lado, encontravam-se os jornais católico-monárquicos, como a Restauração ou A Academia, mais conservadores, que consideravam a instalação do café naquele espaço, para além, de um atentado ao património artístico do nosso país, uma afronta e falta de respeito à Fé católica e também à memória dos nossos primeiros reis, Dom Afonso Henriques e seu filho Dom Sancho I, a dormirem ali o sono eterno.

Café Santa Cruz. Interior 01a x.jpg

 Interior do Café de Santa Cruz

 A partir daqui ambas as partes, para defenderem a sua posição, vão fazer uso dos mais diversos argumentos e também de constantes acusações mútuas.

A título de mera curiosidade diga-se que o periódico “Restauração”, ironicamente, propunha que, no caso de a Câmara Municipal aprovar o projeto, “sem perda de tempo se contru[isse] em frente do café chic, um mictório renascença”…

 

Nota 1 – Embora alguns dos periódicos apoiantes do novo estabelecimento comercial, depois da inauguração, afirmassem que “entre a frequência do novo café se nota [a presença] do elemento académico e isso também era de esperar, porque a academia coimbrã sabe bem cumprir o seu dever, a verdade é que outros afirmavam que “os estudantes compenetraram-se do seu dever de não frequentar aquela vergonha, ofensiva da arte e da religião do nosso povo. Fogem-lhe envergonhados do atentado afrontoso (…) e não será a Academia que sancionará o sacrilégio do «café passarão»”. Com efeito, os estudantes, na generalidade, não frequentavam muito aquele espaço. Se a memória me não atraiçoa, apenas os monárquicos ali se reuniam.

A minha sogra que hoje estaria a chegar aos 120 anos chamava a este café, “o café dos passarões”. Podemos pensar que o epíteto lhe advinha dos candeeiros exteriores que decoram a sua fachada ou do tipo de frequentadores do café e também podemos deduzir que o café seria assim conhecido pela imprensa e pela população.

 

Nota 2 – A polémica aqui aflorada e bem documentada no trabalho referido faz-me lembrar uma das características das gentes de Coimbra – será só das gentes de Coimbra? – que resulta, segundo pensamos, da incapacidade, tanta vez presente na nossa sociedade, de avaliar um projeto não pelo seu valor intrínseco, mas pelo posicionamento social e político de quem o sugere; da dificuldade em nos fixarmos no essencial em detrimento do acessório e do circunstancial;  da incapacidade de procurar encontrar aquilo em que se torna possível conjugar interesses, em detrimento da constante busca das divergências e do permanente extremar maniqueísta de posições. Incapacidades e divergências bem presentes ao longo de toda a nossa história e de que a existência de portugueses nos dois lados da batalha de Aljubarrota, para além de recuado no tempo, é bem exemplificativo.

 

Nota 3 – Nas três entradas publicadas sobre este tema seguiu-se, em parte, o texto abaixo referido. No entanto, é de sublinhar que o mesmo foi enriquecido por diversas sugestões que nos foram feitas.

 

Alemão, G.C. 2004. Uma polémica acesa – o nascimento do Café de Santa Cruz. Trabalho apresentado no Seminário da Licenciatura em História da Arte, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (policopiado)

Academia (A), 12, Coimbra, 1923.05.20.

Despertar (O), 460; 469; 631 e 743, Coimbra, 1921.09.03; 1921.10.05; 1923.05.16 e 1924.06.21.

Gazeta de Coimbra, 1204; 1235; 1384; 1390 e 1445, Coimbra, 1921.09.13; 1921.11.26; 1922.11.30; 1922.12.14 e 1923.05.08.

Noticia (A), 79; 97; 98; 101 e 168, Coimbra, 1921.10.05; 1921.12.10; 1921.12.14; 1921.12.24 e 1923.05.24.

Restauração, 4; 23; 27; 30 e 34, Coimbra, 1921.07.07; 1921.11.22; 1921.12.24; 1922.01.19 e 1922.02.18.

 

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por Rodrigues Costa às 10:05

Sexta-feira, 11.12.15

Coimbra: O Despertar, um jornal da Cidade

Hoje, pouco se sabe de concreto relativamente à fundação de O Despertar, em 1917.
Sem dúvida que houve reuniões preparatórias … Numa dessas reuniões assentou-se na escolha do Diretor – o Dr. José Pires de Matos Miguens – e deu-se o nome do novo periódico: O Despertar. Quem lhe deu o nome foi o colaborador Ezequiel Correia…
… Coimbra despertara, havia tempos, e transformava-se, graças à colaboração de dois grupos: de um lado, os gestores de origem universitária …; e do outro, os enérgicos burgueses das casas comerciais da Praça Velha ou da Calçada … Depois, houve uma paralisação: as forças nacionais, ou se empenhavam na Guerra, ou corriam o risco de serem submergidas pelos faciosismos que surgiram e se digladiavam.
Era preciso ressurgir – e lutar contra a miséria moral e material que espreitava a Grei.
Aqui e além, esse esforço começava.
Era o despertar dum povo, no nosso caso, duma cidade. De Coimbra.
Era O Despertar.

No seu curto programa, Magna Carta do jornal, estabelece-se que o Despertar:
- Só tem uma norma: a da Correção;
- É independente, alheio às forças partidárias;
- Louvaria, e reprovaria com altivez, o que lhe parecesse merecer reprovação;
- Punha, acima de tudo, os legítimos interesses de Coimbra.

… em 3.XI.1934, a empresa passou às mãos de João Henriques … e o jornal estava arriscado a um colapso fatal se, nesse momento, António de Sousa, que lá trabalhava, não tomasse … o encargo de continuar a publicação de O Despertar.
E assim foi. Tomou conta da Administração desta empresa que, se não é ruinosa, é empobrecida. Foram anos de sacrifício e de devoção: o espirito de cruzada e de apostolado dos homens de 1917, herdou-o ele e continuou, intemeratamente.

… Há dois tipos fundamentais de jornais: o noticioso e informativo e o de esclarecimento e orientação … Entre estes dois tipos extremos, encontram-se numerosos tipos intermediários de jornais, principalmente na chamada Imprensa de Província ou Imprensa Regional, quase sempre eclética.
O Despertar pertence ao grupo dos jornais ecléticos.

Machado, F. F. 1967. Um Jornal de Coimbra: O Despertar. 1917-1967. Coimbra, Edição de O Dspertar. Pg. 3 e 4, 7 e 8, 11

 

Crentes no futuro, como no início, em 1917 eis “O Despertar”, quase a entrar no seu 98.º ano de publicação ininterrupta, rumo ao centenário. Com os olhos postos no futuro mas fiel aos valores dos seus fundadores e continuadores. A Honra e a Dignidade não têm preço, nem hiatos, nem prazos de validade. A Verdade tem hoje – em todas as linhas e páginas do jornal – a mesma forma que teve ontem e a que terá amanhã.

Acedido em 06.12.2015, em http://odespertar.com/pt/index.php/estatuto-editorial

 

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por Rodrigues Costa às 09:37


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