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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 01.03.16

Coimbra, origens 6

O traçado das ruas da cidade romana é indeterminável, pois os únicos edifícios romanos descobertos – o criptopórtico e a cave em frente da Sé Velha – são insuficientes para nos determinarem orientações.
A mediévica Porta do Sol era provavelmente, já no período romano, umas das entradas da cidade; ficava situada ao cimo da rampa natural que o aqueduto romano acompanhava. Do facto de quase todas as inscrições funerárias romanas de Coimbra terem sido achadas metidas nos muros do Castelo, ou nos panos da muralha entre este e a Couraça de Lisboa, V. Correia concluiu que o cemitério romano deveria ficar situado na encosta de S. Bento e do Jardim Botânico, isto é a poente da ladeira que subia até à Porta do Sol.
Desta entrada da cidade, divergiam muito possivelmente duas vias: uma delas, que na Coimbra moderna (mas anterior à demolição da Alta da cidade) era chamada Rua Larga, conduzia ao sítio que o edifício antigo da Universidade presentemente ocupa. Aqui, não pode deixar de ter existido um edifício romano importante, provavelmente publico … Outra via descia do sítio da Porta do Sol ao antigo Largo da Feira e daqui, pelo Rego de Água e Rua das Covas ou de Borges Carneiro, ao largo da Sé Velha. Se este era o principal arruamento da cidade romana no sentido leste-oeste, é tentador ver, na Rua de S. João ou de Sá de Miranda e na de S. Pedro, o eixo principal norte-sul. Nogueira Gonçalves, porém, considera esta última um corte artificial, talvez operado no século XVI.
Se o monumento romano à Estrela era um arco honorífico, devia marcar o início de uma rua da cidade. Esta seria a do Correio ou de Joaquim António de Aguiar, que António de Vasconcelos representa na sua planta de Coimbra no século XII. Na mesma planta, um outro arruamento, de antiguidade bem provável, é definido pelas ruas da Trindade, dos Grilos ou de Guilherme Moreira e da Ilha. Da antiguidade da Rua do Cabido, representada ainda na mesma planta, duvidamos algum tanto; inclinamo-nos mais a ver na Rua do Loureiro outra das principais vias antigas.
Tudo isto, porém, é conjetural.

Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 39 a 40

 

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por Rodrigues Costa às 10:31

Segunda-feira, 29.02.16

Coimbra, origens 5

As opiniões sobre a data das muralhas de ‘Aeminium’ são diversas. Fernandes Martins atribuiu-as ao século V. Nogueira Gonçalves concluiu que a data «mais provável é a da primeira reconquista, no governo de Afonso III, no século IX, a seguir à tomada de 878». Vergílio Correia admitiu uma data visigótica. A incorporação na cerca citadina de grandes silhares romanos de pedra branca, de elementos arquitetónicos, de lápides, cistas e cipos era, em sua opinião, prova indireta da construção das muralhas numa altura em que «aflorassem ainda na terra, ou constituíssem ‘res nullius’ os edifícios de que faziam parte». «Por outro lado, acrescenta, não se encontraram, até agora, nas muralhas, pedras de ornato paleocristão ou bárbaro». Ora, Coimbra foi cidade importante na época visigótica e quatro reis visigóticos cunharam aqui moeda. Esta principalidade politica poderia explicar a fortificação da cidade. Acrescentemos que a transferência da sede episcopal de Conimbriga para ‘Aeminium’, ocorrida entre 569 e 589, isto é, por alturas da queda do reino suévico, poderia ter contribuído para a edificação das muralhas.
Estabeleça-se, porém, um paralelo com as muralhas de Conimbriga, que são, sem dúvida, da época romana. Já existiam pelo menos em 468, pois nessa data tomaram os Suevos a cidade, destruindo parte da cerca. São mesmo anteriores aos inícios do século V, pois nessa época se fez um enterramento que temos de supor, pela sua posição, anterior à muralha. Ora, silhares de boa pedra branca idênticos aos que aparecem na muralha de Coimbra, elementos arquitetónicos, inscrições, também se encontram nas muralhas de Conimbriga. Nada obsta a que as de ‘Aeminium’ sejam contemporâneas. A cronologia das muralhas romanas peninsulares é ainda um problema, mas os elementos reunidos inclinam-nos a atribuí-las a um grande plano de fortificação de Dioclesiano e Maximiniano, iniciado nos fins de século III e naturalmente continuado pelo IV … Se estas datam dos inícios do século IV, não podemos, porém, deixar de admitir reconstruções posteriores, talvez profundas nalgumas zonas.
Em diversos pontos do recinto amuralhado da cidade se tem descoberto vestígios romanos, para além do criptopórtico e do arco à Estrela … Estes materiais, dispersos em vários pontos da cidade, sugerem, embora não provem, que a área circuitada pela muralha era toda ela ocupada. Aliás, seja a muralha do século IV ou do IX, não é muito verosímil que se tenha construído com largueza, incluindo amplos espaços não habitados.

Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 36 a 39

 

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por Rodrigues Costa às 11:55

Segunda-feira, 17.08.15

Coimbra, os primórdios da alcáçova 2

Como seria, porém, internamente, o orgulhoso alcácer? Não é fácil sabê-lo, por enquanto, atento o carácter limitado, em especial justamente no que respeita às áreas a norte da muralha, das intervenções realizadas no «Pátio das Escolas». Mas é certo que este flanco parece revelar a presença de estruturas habitacionais, ao mesmo tempo que a conservação dos rebocos no intradorso do trecho mural exumado sob o gigante da Capela … sugere, também aí, a existência de espaços habitados. Outro tanto sucederia a norte, provavelmente, como indicia a pequena «cloaca» da fachada (mesmo que a natureza da relação topográfica, entre o «ninho das águias» e o plano mais elevado, obrigassem certamente os construtores do alcácer a providenciar sistemas de drenagem)

… Por outro lado, no que respeita ao lanço de entrada, de acesso direto, como indicam os cubelos de flanqueio e porta dupla, seguramente, na tradição califal do séc. X, como impunha a existência de dispositivos internos de defesa, não parecem os «encontros» garantir aí espessura adequada à implantação de dependências … Porém, estrutura “marcadamente militar”, erguida numa cidade «submetida», confiada às ordens de um «qa’id» - como afirma o relator da conquista de Fernando Magno – e não, por certo, de um «governador», muito dificilmente ostentaria, em anos apesar de tudo recuados, a tipologia dita de «governo», palacial, mas essa outra, essencialmente «funcional», assente no pátio único central, em torno ao qual, apoiadas na muralha, se alinhavam as diversas dependências, característica, de facto, dos palácios omíadas, em cujo modelo se inspirava e dos «rubut» dos místicos guerreiros da «djihad» que, em fim de contas, na sua própria essência, fundamentalmente configuraria. Mas talvez, na verdade, se não assemelhasse a qualquer deles. De facto, persiste ainda, em redor do «alcácer de Qulumryya», a enigmática aproximação feita por Vergílio Correia e Nogueira Gonçalves entre o seu aparelho construtivo e o da própria cintura das muralhas urbanas, tradicionalmente atribuídas ao período romano. E talvez também por essa via seja possível precisar melhor o verdadeiro recorte da construção que nos ocupa.

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 193 e 194

 

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por Rodrigues Costa às 20:14

Quinta-feira, 25.06.15

Coimbra e as suas muralhas 3

… a similitude do aparelho de construção ostentada pelo alcácer e pelos trechos arcaicos da muralha (num percurso homogéneo, entre a demolida «Porta da Traição» e a de «Almedina»), reconhecida por Vergílio Correia e Nogueira Gonçalves, tanto quanto o facto se confirmar que, do mesmo modo, “também pedras visigóticas foram aproveitadas para o enchimento dos muros” (sabendo-se hoje que onde se vê «visigodo» se deve, porventura, ver «moçárabe») … Tudo leva, assim, a crer que a importância simbólica e estratégica atribuída à recuperação de Coimbra, no quadro de um projeto imperial de «guerra santa» direcionado ao Reino de Leão, incluiria a sua conversão em praça militar, entendida como guarda avançada do Islão, em cujo âmbito se articulariam tanto o seu «repovoamento» como a sua poderosa fortificação; e que esta se levara a cabo por meio da edificação do «alcácer» e da própria cintura de muralhas, sem a qual, em boa verdade, não disporia aquele de verdadeira eficácia militar … desse modo melhor se compreendendo, aliás, a presença (há muito assinalada), no percurso mural, de trechos mais ou menos explicitamente «muçulmanos», como o arco ultrapassado da Porta da Traição, documentado em 1094, os arranques, também de arco ultrapassado, reconhecidos na Porta de Almedina, onde igualmente parecem divisar-se restos de duas torres circulares, estruturas que, pela sua afinidade técnica com a «alcáçova» e a muralha urbana, Nogueira Gonçalves atribuiria, uma vez mais, ao “século IX, ao período a seguir à primeira reconquista" e mesmo, talvez, a Porta do Sol, referenciada em 1087.

Parece, assim, configurar-se, no extremo norte do «Andalus» ocidental, mais do que um mero «alcácer», uma praça-forte cingida de muralhas: ciclópico anel, cerrando a ferradura e dando ao (duplo) «monte» a aparência «redonda» captada por Idrisi.


Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 197 a 199

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por Rodrigues Costa às 09:57

Terça-feira, 23.06.15

Coimbra e as suas muralhas 1

… data de 1930, por mão de António de Vasconcelos, a primeira reconstituição do circuito medieval das muralhas coimbrãs. Se o velho mestre não curara de deslindar a sua origem, mas tão só de definir o seu percurso, outro tanto não faria Virgílio Correia, que, no mesmo ano e sob o impacte da descoberta, nas infraestruturas do Museu que dirigia, do criptopórtico romano, afirmava, invocando Plínio, que “admitindo que «oppidum et flumen Minium» se referem a Coimbra, aí temos, além da designação do nome da terra, a sua qualidade de «oppidum», povoação de altura, fortificada, que de facto Coimbra é, e provavelmente sempre foi”. Apesar disso, não deixava de constatar que “acerca das muralhas romanas de Coimbra, nada conhecemos, até agora, de positivo. Em Junho de 1943, contudo, evocava Nogueira Gonçalves: “Alvorecia o século quinto. Iam caindo, feridas quase sem glória, as águias dos emblemas imperiais. Desabava a torrente dos povos bárbaros, alastrando em ruínas e morticínios. Em 409 … a primeira onda, a dos suevos, alanos e vândalos …”

Ganhava, pois, raízes, até por confronto com Conimbriga, onde os avanços da arqueologia comprovariam a origem tardo-antiga das muralhas, a tese da ereção da cerca coimbrã ao despontar do século V, perfilhada por Fernandes Martins, em 1951 e por Pierre David, desde 47, embora recuando a edificação dos muros, em ambas as cidades, à invasão dos Francos de 258. Antes que terminasse o ano de 43, contudo, meses depois de Nogueira Gonçalves, recordando a invasão bárbara de 409, com ela relacionar a edificação das muralhas coimbrãs, as obras em curso do palácio universitário, proporcionando a descoberta do pano de muro e do cubelo (depois demolido) incluídos no átrio de S. Pedro, abriam novas perspetivas, em função das quais Virgílio Correia, estribado no confronto do “aparelho de construção, onde, como noutros pontos dos muros e das portas de Coimbra, foram empregados blocos romanos, de algum grande edifício desmontado para o efeito”, deduzia ser o mesmo «coevo das grandes obras de fortificação citadina, cuja origem e cronologia precisa são ainda um problema em aberto”

E concluía: “O problema da idade das primeiras muralhas de Coimbra apresenta-se como de difícil solução … Por outro lado, não se encontraram, até agora, nas muralhas pedras de ornato paleocristão ou bárbaro. Donde tornar-se admissível o levantamento da fortificação precisamente na época do domínio dos visigodos, que tornaram Imínio numa capital onde quatro monarcas cunharam moeda; e capital significou sempre, na Idade Média, cidade poderosamente fortificada. As muralhas apresentam, desde o Castelo, ao longo da Couraça de Lisboa, até ao Arco de Almedina, a mesma composição, com aproveitamento nas fiadas inferiores de silhares do grande aparelho romano. Mal conhecidos os muros do lado poente e norte … sendo porém absolutamente seguro que a parte visível sobre a Ladeira dos Jesuítas é de época tardia, de material uniforme”. Por seu turno … exarava Nogueira Gonçalves … “As fortificações militares da cidade pertencem a diversas épocas…”


Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg.195 e 196

 

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por Rodrigues Costa às 10:42


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