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Antecedendo o movimento de fundações universitárias que caracterizou o “Renascimento Medieval” e se estendeu a Portugal nos finais do século XIII, verifica-se a existência mais ou menos constante e conseguida, de um sistema de ensino que, durante largo período de tempo, garantiu a transmissão do saber.
Substancialmente ligadas à Igreja, na sua génese, no seu quadro orgânico e nos objetivos programáticos, as instituições escolares apresentavam-se sob duas modalidades fundamentais: as escolas catedralícia e as escolas monásticas.
De entre umas e outras, importa salientar aquelas que manifestaram mais estreita ligação à Universidade. Sã elas a Escola da Sé de Coimbra e as Escolas de Santa Cruz e de Alcobaça e ainda a Colegiada de Guimarães.
Filósofo medieval In: Grandes Chroniques de France
A Escola da Catedral de Santa Maria de Coimbra – embora a data da sua fundação não possa ser estabelecida com rigor – terá sido criada entre 1082-1086, por iniciativa do bispo conimbricense, D. Paterno. Um documento de doação datado de 1008 traz a subscrição de um tal Petrus Grammaticus e, mais tarde, em pedra tumular conservada hoje no Museu Machado de Castro, uma inscrição com a data de 1102, fez chegar até nós o nome de João «mestre-escola» - o prebendado que superentendia na lecionação relativa ao trivium e quadrivium. Esta escola, onde se trabalhava a Gramática e a Dialética e, obviamente, a matéria teológica, tradicionalmente designada por «sacra pagina», destinava-se institucionalmente à preparação dos candidatos às ordens sacras. Os estudantes, reunidos em regime de vida comum, debaixo da regra de S.to Agostinho, habitavam em casas da dependência da sé ou do cabido.
Honorius of Autun’s Imago Mundi
... A Escola de Santa Cruz, implantada no mosteiro do mesmo nome, que data da 2.ª metade do século XII, cedo se transformou num centro de formação e irradiação cultural, cujo papel foi decisivo para a consolidação da consciência da nacionalidade. É interessante notar que, no grupo de fundadores, figura o nome de D. João Peculiar, cónego e mestre da Escola da Sé conimbricense.
Relativamente ao quadro curricular, muito pouco se conhece ao certo; não andaria, porém, longe do esquema delineado, no seu «Didascalion», por Hugo de S. Vítor, de quem existiam diversas obras no «armarium» de Santa Cruz.
Seja como for, o ensino parece ter atingido grande amplitude e projeção funcionando as disciplinas profanas como propedêuticas do acesso à Teologia; é mesmo verosímil que as próprias ciências fossem abordadas, nomeadamente a medicina. De resto, a existência de um hospital na dependência do mosteiro recomendaria o estudo daquela ciência.
Conhecem-se alguns dos mestres que funcionaram nesta escola e alcançaram renome, como D. Frei João, teólogo, D. Frei Raimundo, profundo conhecedor em ciências diversas, D. Frei Pedro Pires, eminente na Gramática, Lógica, Medicina e Teologia. Para falar também de estudantes, basta citar Fernando de Bulhões, o futuro Frei António, já então frade franciscano, canonizado e declarado Doutor da Igreja Universal.
Arquivo da Universidade de Coimbra. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol XI e XII.1989/1992. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 10-21
A norte da igreja de Santo António dos Olivais, cerca dum quilómetro de distância, por caminho íngreme e malandamoso, deparava-se-nos na depressão dum ameno vale, meio escondida por árvores frondosas e arbustos copados, entre prados verdejantes e matizados de flores na primavera, em situação calma, silenciosa, inundada de paz e de poesia, uma ermida simples e pobre, mas de portal brasonado, onde se viam, a par, o escudo das quinas e castelos dos Reis de Portugal e do Algarve, e o de ouro dos Meneses, indicando que interviera na construção ou na reparação desta capela el-Rei D. Fernando e sua mulher a Rainha D. Leonor Teles de Meneses.
O interior não desdizia do exterior: a mesma simplicidade, a mesma atmosfera de paz e sossego, o mesmo ambiente de poesia. Tinha a capela por Titular a terceira Pessoa da Trindade Santíssima, o divino Espírito Paracleto.
... Perdiam-se da memória dos homens as origens deste santuário. Sabia-se apenas, por tradição, que fora muito protegido e amparado pela piedade dos nossos primeiros monarcas; e o brasão de armas do último Rei da primeira dinastia sela e autentica essa tradição oral, pela primeira vez registada por Coelho Gasco na “Conquista e Antiguidade de Coimbra”.
... O Cabido da Catedral também vinha anualmente a esta capelinha fazer a sua romaria... Na segunda-feira do Pentecostes, depois de cantar na Sé a Hora de Prima, saía incorporado processionalmente todo o pessoal - Dignidades, Cónegos, Beneficiados, Capelães-cantores, meninos do coro, etc., e, com a cruz alçada à frente, cantando a Ladainha de Todos-os-Santos, alguns anos acompanhado do próprio Bispo-Conde, seguido da turbamulta de fiéis de todas as categorias sociais, lá ia em direção ao castelo, saindo da cidade por essa porta... Ao avistarem, finalmente, a capelinha do Espírito Santo, suspendiam o canto, e recitado em silêncio o Pater noster e a Ave-maria
... Deixou o Cabido de cumprir esta obrigação aí por volta de 1834; mas depois, quando era Prelado de Coimbra o Arcebispo Bispo-Conde Dom Manuel Bento Rodrigues (1851-1858)... fez ele ressuscitar também a procissão antiga e devotíssima da sua Sé à capela do Espírito Santo, que daí em diante voltou a realizar-se, embora com o prístino brilho e entusiasmo bastante apagados. Entretanto ainda se fez a procissão, ininterruptamente, através de toda a década de 60, vindo a extinguir-se de inanição, nesta apagada e vil tristeza, ao principiar a de 70; ignoro o ano preciso.
Há poucos anos foi a ermida com o seu quintal vendida, e suponho que demolida.
O que se lucrou com isto? Alguns míseros escudos, que entraram nos cofres do Estado, e não conseguiram diminuir o deficit, em troca dum vandalismo a mais, bem escusado, na já longa história das devastações que têm assolado o país!
Os brasões reais, que encimavam a porta da ermida, esses foram caritativamente recolhidos no Museu de Machado de Castro.
Vasconcelos, A. Ermida do Espirito Santo. In: Correio de Coimbra, n.º 510, Coimbra, 1932.03.19.
Nota: Percorri a Calçada do Espirito Santo, procurando o que eventualmente restaria da Ermida do Espirito Santo. Ao fundo vislumbrei um pequeno mas belo e frondoso bosque e o que me pareceu uma antiga casa agrícola. Falei com as poucas Pessoas que encontrei e bati a duas portas ... nem a memória da capela já resta!!
Muitas pestes afligiram Portugal no século XVI. A de 1569 matou gentes e causou terrível fome.
Uma cidade se mostrou disposta a acolher pobres e esfomeados: Coimbra. Os seus habitantes tinham fama de serem caridosos, como se a Rainha Santa ainda por lá andasse, a espalhar cuidados, a socorrer necessitados. Até a própria Câmara contraiu grandes dívidas para poder acudir a tanta miséria. De toda a parte afluíam carenciados. Os pobres pagaram-lhe, dando a Coimbra o nome de Cidade Santa – título honroso que ela poderia ostentar, mas que resolveu esquecer.
Cidade Santa, o seria de há muito, desde os primórdios, desde as enceladas da ponte, a virtuosa D. Mor Dias, os nus das procissões de penitência – e tantas se faziam! Santa, sim, mas pelos seus filhos.
Entre os filhos de Coimbra há uma legião de homens e mulheres ilustres, cuja enumeração se tornaria fastidiosa, além de despropositada. A lenda e a história trazem-nos, no entanto, memórias de figuras aureoladas pela santidade, que na cidade nasceram ou nela passaram parte da sua vida, em muito contribuindo para aumentar o perfume da poesia que Coimbra exala.
Coimbra tem também a sua mártir lendária, em tempos longínquos do imperador Aureliano: Santa Comba.
Santa Comba, imagem atribuída a Mestre Pêro existente no Museu Nacional Machado de Castro
Filha de gente ilustre, foi instruída na fé cristã por uma ama, contra a vontade de seu pai. Donzela feita, é pretendida para esposa por um príncipe vizinho, mas ela tinha escolhido consagrar-se a Deus, e perante a pressão que lhe era feita, preferiu fugir de casa e ir refugiar-se no bosque, onde uma pastorinha lhe indicou uma gruta para esconderijo. O príncipe é que não desarmou. Lançou o fogo aos matos, até descobrir a gruta. Vendo-se assim desprotegida, Comba pediu a Deus «que lhe mudasse a formosura de modo que, ou não fosse conhecida, ou desagradasse tanto ao príncipe que antes quisesse tirar-lhe a vida do que violar a sua castidade». Deus opera a metamorfose e o príncipe, despeitado, ficou-lhe com tal ódio que a mandou açoitar e crucificar numa árvore, que a tradição diz ser uma oliveira. Assim costuma ser representada a sua imagem.
Santa Comba de Celas
Muitos anos mais tarde foi o corpo encontrado no local. Construíram aí uma ermida.
Borges, N. C., 1987. Coimbra e Região, Lisboa, Presença, p. 61-62.
Convento de S. Domingos
Do lado fronteiro (ao Colégio da Graça) erguia-se o «Convento de S. Domingos», agora desaparecido e rasgado pela abertura da Rua João de Ruão. Da igreja pouco resta, além da fachada voltada à rua, que era a cabeceira da capela-mor, armoriada com o brasão dos duques de Aveiro, e da Capela de jesus, de magnífica arquitetura renascentista. Fazia parte deste templo a Capela do Tesoureiro, uma das mais notáveis realizações da Renascença Coimbrã, mas já com decoração maneirista, feita por João de Ruão entre 1558 e 1565. Encontra-se agora montada no Museu Machado de Castro.
A Igreja de S. Domingos, que ficou por concluir, devido à falta de meios … O antigo convento desta ordem situava-se mais próximo do rio (escavações arqueológicas entretanto realizadas identificaram a sua localização debaixo do edifício do Hotel Almedina) e havia sido fundado no primeiro quartel do século XIII, sob a proteção de D. Branca e D. Teresa, filhas de D. Sancho I.
Colégio do Carmo
Confinando com a Igreja da Graça encontra-se o «Colégio e Igreja de Nossa Senhora do Carmo»
O Colégio do Carmo Calçado foi uma das mais prestigiosas instituições da cidade universitária de Coimbra. Fundado em 1542 pelo bispo do Porto, D. Frei Baltazar Limpo, para acolher os clérigos da sua diocese que viessem seguir os estudos em Coimbra, em breve resolveria destiná-lo aos frades da ordem em que professara … Foi ele o iniciador das grandes construções colegiais de que ainda resta parte do noviciado, datado de 1548.
Mas o grande construtor, aquele que mandou erigir a mais monumental igreja da Rua da Sofia e um dos mais belos claustro de Coimbra foi, porém, o famoso bispo de Portalegre, D. Frei Amador Arrais
… A Igreja do Carmo é como um coroamento de todas as pesquisas arquitetónicas citadinas, com uma fachada porticada … de nave única com capelas nos flancos.
… Os edifícios foram entregues à Ordem Terceira de S. Francisco, que fez algumas alterações nas alas colegiais.
… A igreja data de 1597 e teve como mestre-de-obras e provável tracista Francisco Fernandes … são notáveis as capelas laterais … No retábulo principal salientam-se as pinturas maneiristas, do melhor que no género se fez em Portugal, de autoria de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão. De estacar são também os azulejos e as esculturas em madeira estofada.
… O claustro foi concluído em 1600 … Como diz Eugénio de Castro, este claustro é “o encanto de todos os artistas e a inveja de quantos ambicionam um asilo discreto e carinhoso para os estudos e para as suas meditações”.
Na sacristia, entre outras peças de valor, guarda-se uma Deposição no Túmulo, do século XVI, vinda do Convento de Sant’Ana, e um belíssimo arcaz feito em 1754 pelo marceneiro António Temudo.
Borges, N. C., 1987. Coimbra e Região. Lisboa, Editorial Presença. Pg. 81 e 82
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