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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 01.12.22

Coimbra: Museu dos Transportes Urbanos. Reflexões 4

Os eléctricos centenários de Coimbra estão há 20 anos à espera de futuro é o artigo a que nos referimos na primeira entrada desta série, assinado pelo jornalista Camilo Soldado, com fotografias de Paulo Pimenta e publicado no jornal “Público” a 20 de agosto de 2022. Aos seus autores agradecemos a autorização para citarmos o texto e para reproduzir as fotografias.

Artigo Museu 1. Foto Paulo Pimenta b.jpg

O eléctrico 15 foi recuperado e é frequentemente colocado à frente da antiga central. Foto Paulo Pimenta

Vários eléctricos que serviram o sistema de transportes públicos de Coimbra até à década de 1980 estão fechados, na sua antiga remise, desde a década de 2000. Entre os nove veículos que ainda se encontram na antiga central da Alegria, ao fundo da mata do Jardim Botânico, há carros centenários, que são testemunha do nascimento do serviço de transportes públicos de Coimbra.

Entre 1984 e a viragem do milénio, os veículos históricos podiam ser visitados no Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, que funcionava no mesmo edifício. Desde que o espaço fechou as portas, houve planos para as voltar a abrir, mas nunca saíram do papel.

A viatura mais rara da remise da Alegria é o carro americano, um veículo que andava sobre carris mas era de tracção animal. O “chora”, como ficou conhecido, começou a circular em 1874.

 

Artigo Museu 2. Foto Paulo Pimenta b.jpg

O Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra esteve aberto entre 1984 e a viragem do milénio. Foto Paulo Pimenta

 Nova candidatura

É difícil apontar uma data de fecho com precisão. A autarquia não tem essa informação … Certo é que, entre 2004 e 2008, o antigo museu teve novos inquilinos: a companhia O Teatrão, que ali se instalou depois da Capital Nacional da Cultura (CNC) de 2003 … pelo que o museu já tinha sido desmantelado nesse ano.

… Em Fevereiro deste ano, poucos meses depois de tomar posse, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), José Manuel Silva, visitava o edifício. “Vamos trabalhar para que possa ter melhores dias”, escrevia o autarca, numa declaração de intenções com que legendava uma publicação nas redes sociais.

Ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação da autarquia refere que “o actual executivo pretende criar um núcleo dedicado ao carro elétrico em Coimbra e à sua relação com o crescimento e com a história da cidade”. Para isso, submeteu já “uma candidatura ao programa [de fundos comunitários] 2030 neste sentido”.

… Pelo meio, em 2016, o primeiro director do museu, António Rodrigues Costa, diz ter sido encarregue pelo então presidente da câmara, Manuel Machado, de elaborar um documento que fizesse um ponto de situação do museu. No relatório, há um inventário e breve história de cada veículo, mas há também uma menção a quatro itens em falta: um chassi e motor do eléctrico número 19, que permitiria compreender o funcionamento do veículo; o troleicarro número 21 (o primeiro do género a circular em Coimbra; o autocarro número oito, da marca Volvo, e um carro torre da marca Hansa-Lloyd, utilizado para a manutenção da rede eléctrica.

Desses elementos, sabe-se que o chassi terá sido cedido ao Museu de Sintra e que o troleicarro estaria resguardado nas instalações dos SMTUC. A autarquia não conseguiu responder em tempo útil ao pedido de informação do PÚBLICO sobre a localização dos restantes.

 Manter a memória

… No seu site, Kers publicou a mais completa informação sobre o serviço de eléctricos que circulou em Coimbra, com várias linhas que foram abrindo entre 1911 e 1934 e que chegaram a ligar o centro da cidade como Santo António dos Olivais, o Calhabé e Coimbra B.

Artigo Museu 5. Foto Paulo Pimenta b.jpg

Autarquia tem um projecto para recuperar o espaço e voltar a abrir portas. Foto Paulo Pimenta

 O último eléctrico circulou em Coimbra na noite de 8 para 9 de Janeiro de 1980, perto da uma da madrugada, escreve Ernst Kers, no site onde disponibiliza a informação compilada.

Uma relação complicada

…  Em 2014, o processo é recuperado e o executivo de Machado aprova o traçado da linha, que ligaria a Rua da Alegria à rotunda das Lages, na margem esquerda.

O investimento necessário, estimava a autarquia em 2016, rondava 4,9 milhões de euros. Desde que, em 2016, a câmara aprovou um protocolo com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes a proposta não voltou à praça pública. Questionada pelo PÚBLICO, a CMC responde através do gabinete de comunicação que essa questão está “ainda a ser estudada, não havendo ainda uma decisão do actual executivo”.

Perante tudo “isto”, repetimos o nosso apelo.

Elaborem e planejem os projetos que entenderem, mas façam-no faseadamente.

Num primeiro momento reabram o Museu, o Núcleo, ou que lhe quiserem chamar, porque embora mutilado, ainda ali existem peças únicas a nível mundial.

A reabertura deve ter em linha de conta as novas técnicas museológicas relacionadas com o património industrial, o que está, perfeitamente, ao alcance do Município de Coimbra, sem lhe seja necessário recorrer a subsídios de qualquer Entidade.

Este é, quiçá, o único caminho a trilhar, para tentar redimir, minimamente, os erros do passado.

 

Soldado, C. Os eléctricos centenários de Coimbra estão há 20 anos à espera de futuro. Fotografias de Paulo Pimenta. Acedido em https://www.publico.pt/2022/08/20/local/noticia/electricos-centenarios-coimbra-estao-ha-20 anos-espera-futuro-2017719?access_token=7DA9PSwHVE2PY%2BV2Uq0vzjR8mXXZzKG4s7HJzVdEqM8W9R05xizcUcxDIhPdgDsy

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por Rodrigues Costa às 09:52

Terça-feira, 29.11.22

Coimbra: Museu dos Transportes Urbanos. Reflexões 3

Na primeira entrada desta série assinalei um relato difundido nas redes sociais por Bob Lennox, um profundo conhecedor e estudioso dos sistemas de tração elétrica e da sua musealização a nível internacional

É esse texto que, numa tradução de Ana Rita Costa, levamos ao conhecimento dos conimbricenses e de todos os interessados no assunto.

Cada carro elétrico precisa de sobresselentes, ou seja, materiais guardados em armazém para reparações e substituições devido ao uso e desgaste que ocorre diariamente e em condições normais. O carro elétrico de Sintra não é diferente, mas não estava muito dotado dessas peças.

No entanto, quando que se estabeleceu uma colaboração entre o falecido Waldemar Alves, administrador do elétrico de Sintra e responsáveis políticos na cidade de Coimbra, que também tinha tido um sistema de carros elétricos que funcionou até 1980, surgiu uma oportunidade de colmatar essa falta.

Isto, porque tomamos conhecimento de que um número de peças dessa frota estava a definhar numa lixeira municipal, periférica perto de Coimbra, sob a ameaça de destruição iminente.

Liderados pelo chefe de manutenção, Berto Francisco, partimos com um camião para lá, a 221 quilómetros a norte de Sintra.

Ao chegar, deparamos com a triste cena de restos de três motores de elétricos e um atrelado, todos deteriorados por estarem expostos aos elementos durante vinte anos.

 

Elétricos “guardados” nas instalações munic

Elétricos “guardados” nas instalações municipais de Eiras. O veículo da esquerda, datado de 187(?) era um carro americano de tração animal, depois adaptado a “chora”.

Elétricos “guardados” nas instalações munic

O elétrico n.º 13, datado de 1928, Foto Jorge Oliveira

Elétricos “guardados” nas instalações munic Elétricos “guardados” nas instalações municipais de Eiras.

As carrocerias dos grandiosos veículos que outrora transportaram orgulhosamente os bons cidadãos da Cidade Universitária estavam irreconhecíveis, mas o coração do equipamento parecia poder ser salvo. Com a ajuda dos funcionários da lixeira, começámos a tarefa dilacerante de desmantelar o que tínhamos à nossa frente.

Passadas algumas horas, tínhamos ‘libertado’ com sucesso uma seleção de motores e rodas, três carruagens completas e uma coleção de diversos equipamentos elétricos, que poderiam ser úteis para manter as operações de Sintra vivas.

Infelizmente, já não tínhamos mais espaço no camião e um número de equipamentos úteis (incluindo o chassis e rodas da carruagem), tiveram de ser abandonadas e deixadas à sua sorte.

Regressando a Sintra, o stock recém-adquirido foi descarregado no há pouco renovado depósito da Ribeira, onde agora integra uma substancial reserva para o elétrico de Sintra.

A foto anexada

Elétrico em Sintra, utlizando um truck trazido de

Elétrico em Sintra, utilizando um truck trazido de Coimbra Foto Ernest Keers

mostra um truck Brill 21E, vindo de Coimbra, temporariamente colocados de baixo do carro elétrico número 2, permitindo que este seja movido. Este carro elétrico é o único à espera de renovação total.

Este e um outro truck, salvos de irem para a sucata são os únicos do tipo Brill 79E, no seu desenho final de dois rodados motrizes, produzidos pela “Birney Safety Car”.

Quando lemos este texto, que relata factos ocorridos por volta de 2005, a nossa primeira reação foi de estupefação, a que se seguiu um sentimento de revolta.

A revolta agravou-se (ainda mais, se assim se pode dizer) quando informações posteriores nos referiram que o truck Brill 21E, pertencente ao carro elétrico n.º 19, se encontra “exposto” na Casa do Elétrico de Sintra. A peça, que estava completa, possuindo sistema de travagem e dois motores, a partir de 1984 foi preservada e integrava o espólio do “Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra”.

Truck  e motor 79E SMC 19 - 1995. Foto Ernest Keer

Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra. Truck e motor de elétrico quando expostos devidamente carrilados e conservados. Foto Ernst Kers

A mesma peça guardada em Sintra. Foto Pedro Mende

A mesma peça cedida pela CMC ao Museu de Sintra, na atualidade. Foto Pedro Mendes

Estes factos levam-nos a colocar uma outra questão: como é que se explica a “cedência”, para Sintra, onde se encontram expostas, peças do património industrial conimbricense que integravam o acervo do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra?

Nota 1. O texto que vai em itálico foi publicado nas redes sociais por Bob Lennox que autorizou, expressamente, a sua divulgação.

Nota 2. A investigação que vimos realizando com o apoio de Pedro Rodrigues da Costa, aponta para que o depósito de carros elétricos tenha ocorrido em dois tempos. A primeira leva deverá datar de cerca de 1997, e a segunda ocorreu aquando do fecho do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra cerca do ano 2000.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 10:33

Quinta-feira, 24.11.22

Coimbra: Museu dos Transportes Urbanos. Reflexões 2

Na anterior entrada referimos o recente trabalho do Professor Doutor José Amado Mendes, intitulado O património industrial e os museus: que relação?

Vamos seguir esse texto, a fim de compreender o que se entende por património industrial.

O património industrial é um novo bem cultural e um dos patrimónios emergentes. A sua grande relevância corresponde ao significado dos fenómenos históricos a que está indissociavelmente ligado, isto é, a Revolução Industrial, o processo de industrialização e o desenvolvimento da tecnologia.

O património que nos foi legado pela industrialização é imenso … A sua diversidade é enorme e passa, entre outras, pelas seguintes modalidades: estruturas… equipamentos … aquivos, fotografias e relatos orais … meios de transportes e comunicações.

Álvarez Areces: «A arqueologia industrial como matéria que estuda, investiga e defende a preservação do património industrial está-se convertendo num movimento cultural e social que amplia, dia a dia, o marco estrito de uma disciplina académica»

O património industrial tem dado um excelente contributo à museologia, em especial à chamada nova museologia, intimamente associada à profunda renovação dos museus, à “criatividade renovada”, iniciada nos anos de 1970 e que se acelerou na década de 1980.

Texto que é ilustrado com as seguintes imagens.

O património industrial e os museus, pg. 68.png

Op. cit. Pg. 68

O património industrial e os museus, pg. 69.pngOp. cit., pg. 69

O património industrial e os museus, pg. 70.pngOp. cit., pg. 70

O Autor prossegue para, no final do artigo, apresentar as seguintes conclusões:

A evolução política, socioeconómica e cultual das comunidades, desde meados do século XX, induziu os decisores, investigadores, professores e agentes culturais a prestarem mais atenção aos vestígios e testemunhos do desenvolvimento económico, ao longo do tempo. Consequentemente, a noção de património cultural ampliou-se de forma significativa, passando a englobar novos aspetos da realidade, de entre os quais se tem destacado exatamente o património industrial.

… Simultaneamente com a valorização e preservação do dito património industrial foi criada, a partir dos anos de 1950, um novo “território” de pesquisa e ensino-aprendizagem, a Arqueologia Industrial. Esta, cujo objeto é precisamente o mencionado património industrial, tem por função o estudo e divulgação, bem como a sua salvaguarda, requalificação e reutilização de bens culturais de índole industrial, no sentido genérico da expressão e sem restrições cronológicas rígidas.

As repercussões desse novo olhar para os bens culturais de índole industrial fizeram-se sentir, por exemplo, no mundo académico – investigação, ensino-aprendizagem e publicações especializadas –, no turismo, especialmente no turismo cultural, e nas políticas e estratégias de gestão cultural, urbanística e ambiental.

No âmbito da museologia – sobretudo na “nova museologia” – os efeitos foram de grande monta e muito contribuíram para a criação ou atualização de elevado número de instituições museológicas, designadamente museus, ecomuseus e centros de interpretação. Em muitas circunstâncias, tem-se também optado pela musealização e preservação in situ de ambientes industriais, mineiras ou relacionados com os transportes e comunicações.

Importa reter esta conclusão e, pensamos, as fotografias que seguidamente publicamos encontram-se em consonância com os conceitos atrás enunciados.

A primeira mostra as primitivas instalações, onde, na Rua da Alegria, os elétricos eram reparados e, inicialmente, guardados.

Primitiva oficina e recolha dos elétricos, nas in

Primitiva oficina e recolha dos elétricos, nas instalações da R. da Alegria

A segunda apresenta a fachada exterior dessas mesmas instalações, quando ali funcionava o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra.

Museu dos Transportes, exterior.jpg

Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, exterior

Por último, reproduz-se um pequeno desdobrável do Museu, então elaborado.

Museu Transp Urbanos Coimbra 1.jpg

Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, desdobrável. Col. Vítor Rochete

Tudo o que ficou dito permite-nos colocar uma questão: a musealização e a preservação dos carros elétricos e da oficina onde eles eram reparados “in situ” é, ou não adequada? Tanto uns, como a outra, fazem parte do património histórico da cidade.

A resposta é, para nós, óbvia.

Rodrigues Costa

Mendes, J.A. 2022. O património industrial e os museus: que relação? In: Revista Memória em Rede, Pelotas, v.14, n.27, Jul/Dez 2022. Pg. 59-84.

 

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por Rodrigues Costa às 10:31

Terça-feira, 22.11.22

Coimbra: Museu dos Transportes Urbanos. Reflexões 1

Carro elétrico n.º1, à saída da fábrica.jpg

Carro elétrico n.º 1, à saída da empresa construtora, J.G. Brill Company.1910.

Noticia da inauguração.jpg

Noticia da inauguração da tração elétrica em Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 258. 1911.01.30, pg. 139.

Quem tem uma já longa experiência de vida, a par com uma passagem – ainda que efémera – na esfera da ação política e quem trabalhou muitos anos numa autarquia, aprendeu, obviamente, algumas regras da prática política.

No âmbito deste contexto, embora fazendo uma caricatura onde as exceções só confirmam a regra, constata-se que um político nunca diz não a um projeto que lhe seja apresentado.  Numa primeira fase afirma: sabem que a autarquia não tem dinheiro, há que estabelecer prioridades, vamos pensar.

Num segundo tempo, se a pressão dos eleitores se fizer sentir de forma muito persuasiva, declara: vamos elaborar um projeto, a fim de analisar o que fazer e os respetivos custos.

Num terceiro momento, se a pressão pública continuar a fazer-se sentir, fala-se de um projeto, que raramente é apresentado publicamente, e, simultaneamente, revela-se a respetiva orçamentação, essa sim, bem publicitada e calculada por um valor tão elevado quanto o possível; ao mesmo tempo informa-se que esta obra não cabe dentro do orçamento camarário, consequentemente iremos apresentar uma candidatura destinada a obter o seu financiamento.

Estamos perante a quadratura do círculo perfeita, pois nada de concreto é feito, nada é prometido, mas o político pode afirmar o “grande” interesse do projeto e a esperança da atribuição do tal subsídio, ainda que este não tenha viabilidade ou aponte para uma hipotética exequibilidade, num futuro tão longínquo quanto possível.

Vem esta introdução a propósito, porque, curiosamente, no mesmo dia tive conhecimento de um artigo publicado no jornal “Público”, assinado pelo jornalista Camilo Soldado e de um relato difundido em Inglaterra, nas redes sociais, por Bob Lennox, um profundo conhecedor e estudioso dos sistemas de tração elétrica e da sua musealização. Os dois textos lançam alguma luz sobre o que se passou na nossa cidade nos últimos vinte e poucos anos, tantos quantos os que já decorreram desde o encerramento do então designado “Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra”.

Para além dos referidos textos, que tenciono abordar em entradas subsequentes, remeto os leitores para um recente trabalho do Professor Doutor José Amado Mendes, que se encontra disponível na net, intitulado O património industrial e os museus: que relação?

Os textos em causa merecem uma séria reflexão, até porque nos permitem esclarecer o que se tem passado com o espólio existente no Museu, a partir do seu encerramento no ano de 2000.

Ao longo destes anos tive conhecimento de “ideias” relacionadas com a criação de um Núcleo Museológico dedicado aos transportes urbanos de Coimbra a que estava associada a existência de uma linha histórico/turística. Contudo, se foi executado um qualquer projeto que desse corpo ao Museu, a verdade é que nunca o visualizei e, em contrapartida, relativamente ao preço da concretização dessas “ideias”, já ouvi referências ao seu elevado custo e à consequente necessidade de obter financiamento para o mesmo.

Elétrico com chora. Cerca de 1911.jpg

Carro elétrico com “chora”, na Rua da Sofia, cerca 1911

Estas “ideias” lançadas sem um projeto que as suporte, conjuntamente com os textos que referi, levam-me a tecer as seguintes considerações:

- Até ao momento, não me apercebi de que tenha sido alguma vez questionada a importância histórica do património então guardado no “extinto” Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra. Muito pelo contrário, tive conhecimento da existência de um elevado número de visitantes e das frases elogiosas que, acerca da estrutura então montada, proferiram.

Cito, apenas, a título de exemplo:

. Bob Lennox: Entrei no depósito da Alegria pela última vez em fevereiro de 1980. O depósito havia sido transformado em museu e alguns carros restaurados;

. Um dos impulsionadores do similar museu da Carris de Lisboa, ao visitar o Museu conimbricense, afirmou: Vocês com pouco fizeram muito.

- É verdade que já me inteirei, vagamente, da existência de projetos e referências relacionadas com a “futura” musealização do que ainda resta do espólio então exposto no “Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra”, mas jamais me foi concedida oportunidade de consultar a referida documentação. A notícia mais marcante relacionada com este assunto assenta na apresentação feita, com pompa e circunstância, em 2010.08.08, numa cerimónia presidida pela então Vereadora do Pelouro da Cultura, de um projeto para remusealização do material existente.

Dessa cerimónia subsiste documentação fotográfica que, seguidamente, reproduzimos.

Apresentação, em  2010.08.08 ---Col. Vitor Roche

Apresentação, em 2010.08.08, de um projeto de remusealização. Col. Vítor Rochete

Apresentação, em  2010.08.08 ---Col. Vitor Roche

Outro aspeto da mesma cerimónia, em 2010.08.08. Col. Vítor Rochete

Do que ficou dito depreende-se que tem sido abordada a forma de expor o material, mas ignoram-se os cuidados a ter com o património que ainda ali existe.

Esse património necessita de manutenção permanente, tem de estar recolhido em local que não permita a sua deterioração e muito menos pode ser mandado para a sucata ou ser oferecido a outras autarquias, a fim de estas enriquecerem com ele o seu acervo museológico.

Museu dos Transportes. Interior. 1995. Foto Ernest

Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra. Vista do interior. Foto Ernst Kers

Decorrem desta reflexão as propostas que seguidamente apresento:

- Alterem a designação de “Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra” para “Núcleo do Carro Elétrico do Museu da Cidade” ou aponham-lhe outro qualquer nome que julguem mais adequado. Para descanso das consciências outrossim sensíveis, até que seja possível a concretização dos seus grandes projetos, coloquem uma placa onde se possa ler “Instalações provisórias”.

- Procedam ao faseamento desses grandes projetos, dando prioridade à musealização “in situ” do património existente e deixem para uma segunda fase outras “ideias”, tais como a criação de uma linha histórica/turística, com a qual estamos, obviamente, de acordo, mas que implica uma manutenção consideravelmente onerosa.

- O Museu que existia, teve em mente dois objetivos essenciais: por um lado, salvaguardar um exemplar de cada um dos tipos de viaturas que, ao longo do tempo, integraram a frota do sistema de transportes urbanos de Coimbra e, por outro, manter a operacionalidade da oficina/recolha, de forma a assegurar a viabilização do funcionamento de uma hipotética futura linha histórica/turística.

De acordo com o que ficou dito, sugerimos que refaçam o Museu com as peças (ainda existentes) que estiveram expostas, com êxito, durante cerca de 20 anos, embora tendo em conta, na medida do possível, a nova filosofia da musealização do património industrial.

E isto, rapidamente, antes do possível desencaminhamento do património existente que ainda integra peças únicas a nível mundial.

A concretização, das sugestões que apresento, estão perfeitamente ao alcance das capacidades económicas do Município de Coimbra sem necessidade do recurso a qualquer subsídio ou candidatura, e podem ser levadas a cabo pelos técnicos municipais do sector.

Rodrigues da Costa

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:47

Terça-feira, 27.10.20

Coimbra: Museu dos Transportes Urbanos 1

Foi recentemente divulgado na internet um trabalho intitulado O Museu Municipal de Coimbra: Contributos para o Programa do Núcleo Museológico do Carro Elétrico.

Trata-se do Relatório de Estágio de Mestrado em Política Cultural Autárquica, apresentada em 2016 ao Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, por Ana Filipa de Jesus Pereira. Estágio que teve como orientadora a Senhora Professora Doutora Maria Margarida Sobral Neto e como acompanhante responsável a Senhora Dr.ª Elisabete Carvalho.

Por razões éticas, dado que nos últimos 25 anos da minha carreira profissional exerci funções docentes, não irei discutir o mérito do referido trabalho, sem, contudo, deixar de sublinhar que a autora dispunha de fontes primárias e de informadores qualificados que marginalizou.

A obra apresentada tem, nas palavras da autora, como “principal objetivo contribuir para o enriquecimento dos conteúdos do futuro Núcleo do Carro Elétrico do Museu Municipal de Coimbra” o que a faz partir de um pressuposto errado.

Existe um Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, que ocupa a antiga oficina de reparações da rua da Alegria e que foi criado por decisão do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados, em 1982, apenas concretizada dois anos mais tarde, quando o seu Regulamento foi aprovado e os respetivos corpos diretivos empossados, ficando, desta forma, o Museu dotado de personalidade jurídica e de autonomia financeira. Ora, não tendo conhecimento de uma decisão formal da sua extinção e ainda que, lamentavelmente, as suas portas continuem vai 16 anos encerradas, a maioria do espólio que lhe dá razão de ser continua ali guardado.

O que seria de esperar é que a autora, depois de contextualizar a formação do Museu procurasse dar um contributo positivo para a sua revitalização e apontar caminhos que se inserissem no contexto das novas filosofias museológicas.

Face à minha intervenção no processo, considero ter o dever de comentar algumas situações que se encontram expressas ao longo do referido Relatório.

Desempenhava, na altura, o cargo de Diretor do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo da Câmara Municipal de Coimbra e, nesta qualidade, fui chamado a exercer as funções de Diretor do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, cargo que desempenhei durante os cinco primeiros anos de vida do mesmo.

As intervenções e trabalhos desenvolvidos no Museu durante o tempo em que fui responsável por aquela Instituição foram objeto de uma comunicação que apresentei ao “I Encontro sobre Património Industrial”, acontecido em Coimbra, Guimarães e Lisboa no ano de 1986 e publicada em 1990 no primeiro volume das Actas e Comunicações, pg. 265-278.

Irei republicar essa comunicação neste espaço, prometendo, desde já, se a minha saúde o permitir e logo que o Covid nos deixe, numa das conferências que vimos organizando, voltar a abordar o tema relacionado com o Museu Municipal de Coimbra,

Aqui, torna-se pertinente recordar que, em 2007, escrevi no livro Troleicarros de Coimbra. 60 anos de História que na minha perspetiva, o Museu dos Transporte Urbanos de Coimbra foi uma iniciativa que se pretendia como o primeiro núcleo de um projeto, ainda, tão necessário: o da criação de um Museu da Cidade, polinucleado, que abranja as múltiplas facetas de que o passado da nossa cidade se reveste.

Acresce que o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra esteve aberto ao público durante 13 anos, assentou num trabalho de recolha e investigação e ali estava guardado e exposto um património valioso, parte do qual foi recuperado e mantido no propósito imposto pelo respetivo Regulamento, o de poder vir a ser utilizado numa sonhada e nunca concretizada linha histórica.

Um Museu que tem a sua história e um trabalho que no livro em apreço foi resumido, na página 34, do seguinte modo: Importa por fim referir que neste espaço funcionou de 1982 a 1995 o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, tendo sido o seu primeiro diretor António Rodrigues da Costa.

Perante o exposto, fica demonstrado que o principal objetivo da autora do trabalho não tem razão de ser, pois a haver um futuro Núcleo do Carro Elétrico, o mesmo terá que resultar da transformação do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra.

Aliás, é patente ao longo do Relatório, não só a intenção de passar uma esponja sobre o passado, cujo porquê não quero qualificar, bem como a tentativa de perspetivar um projeto salvífico que, como se disse, o poderia ser, mas com coordenadas bem diferentes das que foram apresentadas.

Embora desconhecendo as condições em que este tipo de estágio se efetua e não desejando formular processos de intenção, seja-me permitido, no entanto, manifestar a minha estranheza perante a (des)informação, nada compreensível, manifestada pela responsável deste trabalho efetivado no Museu Municipal de Coimbra, departamento de cuja equipa fazem parte Técnicos que ao tempo integravam o quadro de pessoal do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo, que não podiam ignorar o que então se passou.

Quero ainda afirmar que um Museu não pode ser estático, tem de se ir transformando e adaptando, tanto à evolução das técnicas, como das novas filosofias museológicas que, entretanto, se vão desenvolvendo. Decorre destes pressupostos a necessidade de surgirem novos projetos, devidamente enquadrados, capazes de marcar o rumo dessa evolução; não se pode, contudo, esquecer o acervo existente, razão da sua existência, acervo esse que se torna necessário salvaguardar e manter. Qualquer museu, e este em especial devido às suas características, exige um trabalho permanente e persistente de investigação capaz de completar e explicar com maior profundidade a sua história e simbolismo.

Quero ainda de chamar a atenção para a legenda de figura 4 que afirma tratar-se da Fachada da Remise / Futuras instalações do núcleo do carro elétrico.

Em primeiro lugar direi que “remise” é uma palavra francesa que tem como um dos significados mais arcaicos e menos usuais o de garagem, cocheira e recolha e que manda a verdade que esse termo foi utilizado por algumas pessoas para designar o local de recolha dos carros elétricos. Mas, também, manda a verdade que se diga que usualmente era usada a palavra portuguesa recolha.

2930.jpgVista geral das instalações. 1911 c. Col. Carlos Ferrão

Acontece, ainda, que o termo inicialmente utlizado para designar o local destinado a guardar os carros elétricos, foi o de cocheira, como se pode verificar numa fonte secundária, o Noticias de Coimbra datado do início de janeiro de 1911, onde se pode ler que a cocheira, situada junto à Central, tem espaço para recolher onze carros, tendo junto a oficina de reparações, o atelier de pintura e os armazéns de material.

Ora, a zona fotografada no livro em apreço, diz respeito à área da oficina de reparações e como tal foi salvaguardada aquando da abertura do Museu. Daí, a legenda estar errada.

Por último recordo que existiram em Coimbra três locais de recolha dos carros elétricos.

A primeira foi atrás referida, a qual com a expansão da frota, foi transferida para a antiga fábrica de produção de gás de iluminação, na rua Figueira da Foz.

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Recolha dos carros elétricos na fábrica do gás. Coleção Carlos Ferrão

Com a cedência desses terrenos ao Ministério da Justiça e a criação das oficinas na margem esquerda do rio Mondego, a recolha dos elétricos voltou à rua da Alegria, mas ocupou um outro local como se documenta na imagem que seguidamente se publica.

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Recolha de elétricos na zona da Alegria

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 13:04


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