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Completamos a recolha de informações sobre a igreja de S. Cristóvão com excertos de um trabalho realizado por Sérgio Madeira e Maria Antónia Lucas da Silva, intitulado Vestígios arqueológicos na Alta de Coimbra: Redescobrir a igreja de S. Cristóvão.
Trata-se do relatório do acompanhamento arqueológico da remodelação do edifício da Rua Joaquim António de Aguiar, n.os 26 e 28, contíguo ao que resta do Teatro de Sousa Bastos, resultante da obrigatoriedade de este se situar numa área a que o Plano Diretor Municipal vigente atribui o Grau de Proteção 1 (grau máximo de proteção no que diz respeito ao património histórico e arqueológico).
Desse documento, destacamos:
Através da picagem de rebocos e arranque de taipas, para além de aparelhos construtivos pobres, de pedra e argamassa, ficou a descoberto, no interior do edifício, a partir do 1º piso, um cunhal composto por pedras de grandes dimensões. Comparando a localização destes vestígios com a planta da antiga Igreja de S. Cristóvão poder-se-á concluir que tais vestígios poderão pertencer à parede de um anexo do lado norte da igreja, talvez no espaço que outrora abrangeu «uma casa annexa de religiosos da regra de Santo Agostinho».
O prolongamento vertical do cunhal revela a existência de, pelo menos, dois níveis de alteamento, visíveis sobretudo no 3º piso e, muito provavelmente, relacionados com a construção e adossamento do imóvel (séculos XVIII/XIX) e o posterior alteamento desse mesmo piso (eventualmente após a destruição da igreja no século XIX).
Remoção de argamassas inerentes ao projeto de empreitada e aspeto do cunhal em evidência. Op. cit., sem numeração.
A referência mais antiga à Igreja de São Cristóvão remonta ao século XII, altura em que foi construída à semelhança da Sé Velha no seu estilo e disposição, ainda que de mais reduzidas dimensões. Sob a tutela de um grupo de Religiosos Agostinhos vindos de França este foi, assim, um dos templos mais antigos de Coimbra, sendo que se idealiza a hipótese de ter sido edificado sobre um outro templo religioso mais antigo, fundamentando-se essa teoria em vestígios de ossadas com cronologia anterior à construção da igreja românica, descobertas em escavações na década de 90 do século passado. Na planta da Igreja de S. Cristóvão (1859) pode observar-se a representação de uma cripta que poderá corresponder ainda ao vestígio dessa pré-existência.
O edifício medieval manteve-se ao longo dos séculos quase sem alterações estruturais, à exceção de algumas obras no 2º quartel do século XVIII, das quais constam um alongamento lateral a Norte no terceiro e quarto tramos e a abertura de cinco novas frestas.
Sobreposição da Planta do 1º piso dos números 26-28 da Rua Joaquim António de Aguiar e da Planta da Antiga Igreja de São Cristóvão. Op. cit., sem numeração.
No entanto, em meados do século XIX, a igreja encontrava-se muito arruinada e desprovida da importância que havia tido em tempos anteriores. Após várias ponderações, acabou por se avançar em 1859 com o desmonte integral da igreja, com vista à construção do Teatro D. Luís, inaugurado a 22 de Dezembro de 1861. A leitura da planta do teatro permite verificar que manteve grosso modo a implantação da igreja destruída, com alargamentos que resultaram na eliminação da rua e consequente adossamento da fachada sul às construções existentes e na redução da rua a nascente. Em resultado de falta de obras de manutenção e da apressada demolição da igreja, este novo edifício irá cair também em ruína e acabará por sofrer outras alterações arquitetónicas importantes na sua adaptação a cinema em meados do século XX para dar origem ao Cine-Teatro Sousa Bastos em 15 de Junho de 1914, em homenagem ao empresário ligado ao mundo do teatro.
Após uma vida de vários momentos de notoriedade o Cine-Teatro Sousa Bastos entrou num declínio que culminou com o seu fecho em 1978, ficando o edifício votado ao abandono até aos dias de hoje, encontrando-se a edificação totalmente devoluta e com sinais evidentes de degradação.
Estado atual do edifício do extinto Teatro Sousa Bastos, na sua maioria desprovido de cobertura e de miolo e fachadas com janelas partidas, rebocos soltos, vegetação nos beirados. Op. cit., sem numeração.
Por entre todas as alterações que o espaço sofreu ao longo de quase mil anos de História, o cunhal posto em evidência aquando da recuperação do imóvel sito nos números 26-28 da Rua Joaquim António de Aguiar mantém-se como vestígio dessa Igreja cuja imponência se pode agora reconstituir e que, a seu tempo, foi sede de paróquia e de freguesia e onde nas ruas que dela radiavam, agora camufladas pela atual malha urbana, múltiplos mesteres e respetivas confrarias se fixaram, numa importante dinâmica económico-social.
Considerando o seu potencial patrimonial e estético, propôs-se como medida de minimização e salvaguarda que o cunhal fosse mantido a descoberto e integrado no projeto de remodelação do imóvel em apreço.
Madeira, S. e Silva, M. A. L. Vestígios arqueológicos na Alta de Coimbra: Redescobrir a igreja de S. Cristóvão. Texto acedido em file:///C:/Users/Fernando/Desktop/Rel%C3%ADquias%20da%20Arquitectura%20Romano/Vestigios%20arquel%C3%B3gicos%20...%20-Igreja-de-S.-Cristovao.pdf
Terceira e última entrada dedicada à obra de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulado Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.
Quando pensei nos objetivos que o blogue “A´Cerca de Coimbra” pretenderia atingir coloquei em primeiro lugar o de avivar a memória dos Conimbricenses para a história e para o património da sua Cidade. Coimbra tem de ter memória e orgulho naquilo que atualmente é e que resultou de uma evolução longa de milénios.
Recentemente voltou a falar-se da igreja de S. Cristóvão e daí resultou a prioridade que damos a uma entrada sobre este templo, um dos mais antigos da Urbe.
Fazemo-lo na esperança de que ele possa servir aos decisores municipais como motivo de reflexão sobre o destino a dar ao espaço onde este local de culto esteve erigido.
Há dez anos que transformaram num teatro a velha igreja de S. Cristóvão de Coimbra. De sua veneranda fábrica não ficou patente um só vestígio. Foi completo o sacrifício. À voz imperiosa das necessidades da moderna civilização, um monumento perfeito da arquitetura cristã cedeu o lugar a um edifício acanhado e defeituoso da alvenaria contemporânea. Aquelas paredes esmaltadas de hera e de musgo, aquelas pedras tisnadas pelos soes de muitos séculos, aquelas formosas esculturas, em que a firmeza do cinzel exprimia a força da nação pareceram velharias inúteis. As recordações gloriosas do reinado de D. Afonso Henriques deviam sumir-se para deixar em todo o esplendor as pinturas, a cola e os ouropéis do Teatro de D. Luiz.
Todavia, o desamor das artes, o desprezo das tradições históricas, a estúpida indiferença para com as memórias do passado não chegaram ainda a tal ponto que nos tornasse impossível dar hoje por meio do desenho, uma ideia clara e exata do que foi aquela igreja. O sr. conde da Graciosa, coletor diligente de curiosidades artísticas e naturais, recolheu com louvável empenho em suas propriedades de Luso e da Graciosa alguns capiteis e outros ornatos que estariam provavelmente destinados para avolumar as paredes do teatro. O sr. Luiz Augusto Pereira Bastos, à primeira noticia da demolição, correu pressuroso a desenhar o frontispício da igreja antes que a pusesse por terra o camartelo destruidor.
Igreja de S. Cristóvão. Desenho de Luiz Augusto Pereira Bastos. Estampa 2, pormenor 1. Op. cit., pg. 15
O sr. António Francisco Barata, dedicado cultor da poesia do passado, guardou com veneração a planta do edifício.
Igreja de S. Cristóvão. Estampa 2, pormenor 2. Op. cit., pg. 15
Ao amoroso cuidado destes três homens e ainda ao santo zelo com que o sr. Joaquim de Mariz Júnior, fervoroso devoto das coisas da nossa terra, foi em piedosa peregrinação a quatro léguas de Coimbra desenhar os capiteis, devemos a estampa 2, sem a qual menos completo ficaria este trabalho.
Igreja de S. Cristóvão. Desenho de Joaquim de Mariz Júnior. Estampa 2, pormenor 3. Op. cit., pg. 15
Igreja de S. Cristóvão. Estampa 2. Frontispício, capiteis e planta da igreja de S. Cristóvão de Coimbra. Op. Cit., pg. 15
Os mais antigos documentos que se conhecem, além da carta citada em nota, respetivos à igreja de S. Cristóvão, são uma inscrição em que se memora a morte de D. João Pater, presbítero, em 21 de dezembro do ano 1169, uma doação de certas casas que lhe foi feita por Martim Anaia e sua mulher Elvira no mês de fevereiro da era de 1211 (ano de 1173) e uma inscrição sepulcral achada na base do cunhal da frontaria, ao lado esquerdo, quando em 1838 se principiou a obra do teatro. Nesta inscrição decifrou o sr. Aires de Campos algumas letras avulsas e a data: E : M : CC : XVIII : correspondente ao ano de 1180.
0 autor da Coimbra Gloriosa descreveu a igreja de S. Cristóvão nos termos seguintes: «Tem a capela-mor ao nascente, porta principal ao poente, travessa ao sul. Tem o templo 60 palmos de alto, 113 de comprimento e 58 de largo, obra toscana e de três naves, fabricada de pedra e cal e de abobada, a qual se segura sobre três colunas de cada parle e por todas são seis. Tem o coro quatorze cadeiras com suficiente claridade provinda de oito frestas, entre elas cinco que foram abertas no ano de 1754…. também lhe foi posta no mesmo ano uma cruz de pedra no teto da igreja ficando arvorada para o poente. Neste tempo foram extraídas do frontispício várias carrancas de pedra.»
Segundo uma comunicação do sr. prior M. da C. Pereira Coutinho, bem conhecido por seus estudos arqueológicos, as colunas de S. Cristóvão eram de um só corpo e coroadas por capiteis modelados pelos da Sé Velha. A cada uma das três naves correspondia um altar em forma de semicírculo que parecia da construção primitiva. Finalmente as paredes eram guarnecidas de ameias como as daquele templo.
Quando se fez a demolição apareceu pela parte anterior, junto da porta um subterrâneo com forma análoga à da igreja, porém em ponto mais pequeno. Nas paredes deste subterrâneo viam-se vestígios de pinturas a fresco. Dois grandes pedestais de alvenaria, quadrangulares e não afeiçoados serviam de apoio ás duas colunas do templo que a esta parle correspondiam. Na planta da estampa 2.a vê-se indicada com pontos esta construção inferior. Pelo lugar que ocupava, por sua forma e pintura, bem se conhece ter sido uma cripta. Convém saber que na Sé de Lisboa apareceu também um subterrâneo em lugar correspondente junto da porta principal.
No capítulo seguinte mostraremos como as semelhanças da arquitetura da igreja de S. Cristóvão e da Sé Velha, autorizam a supor que foram obra do mesmo arquiteto, ou pelo menos de artistas contemporâneos e da mesma escola.
À transcrição apresentada permitimo-nos acrescentar que são pertinentes e aplicáveis à realidade atual as reflexões do Autor, publicadas em meados do século XIX.
Importa, também, sublinhar aqui o meritório trabalho que Isabel Anjinho e Rúben Vilas-Boas têm vindo a concretizar no seu blogue “Coimbra Medieval”, onde apresentaram uma reconstituição do que seria a igreja de S. Cristóvão. Encontra-se disponível em: https://coimbramedieval.wixsite.com/coimbramedieval/post/igreja-colegiada-de-s-crist%C3%B3v%C3%A3o-ii.
Reconstituição do exterior da igreja de S. Cristóvão, disponível no blogue “Coimbra Medieval”
Reconstituição do interior da igreja de S. Cristóvão, disponível no blogue “Coimbra Medieval”
NOTA FINAL:
Ousamos perguntar se não será o espaço que ora regressa à posse da Cidade, o local ideal para a instalação de um núcleo museológico dedicado não só à igreja de S. Cristóvão e à sua história, mas também um local destinado a contar aos vindouros e aos nossos visitantes a história milenar de Coimbra?
Pedimos aos nossos leitores que reflitam sobre esta questão.
Simões, A. F. Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1879. Typographia Portugueza, Lisboa.
No início desta pequena série de três entradas, dedicadas à viola toeira de Coimbra, escrevemos que a mesma seria terminada recordando “o que, em 1983, quando era Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra o saudoso Fausto Correia e eu tinha a honra de chefiar o Departamento de Cultura, se implementou relativamente a este instrumento”.
Começo por citar uma notícia publicada no Diário de Coimbra de 9 de maio de 1983 – que Rui Marques, a quem agradeço, me disponibilizou – e onde se pode ler o seguinte:
Câmara cedeu violas toeiras a grupos folclóricos do Concelho
Viola toeira construída por Raúl Simões. Imagem acedida em: https://www.muralsonoro.com/mural-sonoro-pt/2014/3/4/viola-toeira
A Câmara Municipal de Coimbra entregou anteontem sete violas toeiras a grupos folclóricos do concelho.
O vereador do Pelouro, Fausto Correia, disse ao nosso jornal que esta medida vem na sequência de um processo de recuperação do instrumento musical, tradicional de Coimbra.
«O processo – salientou – iniciou-se com a aquisição dos instrumentos e da técnica, a Raul Simões, último fabricante, em Coimbra, da viola toeira».
Raul Simões, construtor e exímio tocador de viola toeira
«A partir daí – acrescentou – o professor Luís Filipe construiu 10 violas, sete das quais foram cedidas a grupos folclóricos, duas ficaram ao cuidado a Câmara e uma foi doada ao Instituto Português do Património Cultural».
Na sessão, que decorreu nos Paços do Concelho sob a presidência de Mendes Silva, presidente da Câmara, ficou ainda decidida a organização de um curso de aprendizagem de viola toeira.
O curso vai realizar-se no edifício Chiado em Coimbra, na próxima semana.
In: Diário de Coimbra, de 9 de maio de 1983
Uma outra notícia, saída no mesmo periódico, informa que no ato atrás referido estavam ainda presentes as Pessoas que então integravam a Comissão de Análise dos Grupos Folclóricos, constituída pelo Presidente da Federação do Folclore Português, Sr. Augusto Gomes dos Santos, pelo Doutor Nelson Correia Borges e pelo Dr. Francisco Faria responsáveis pelo reconhecimento “de interesse folclórico” dos grupos do Concelho de Coimbra.
O jornal O Despertar de 13 de maio do mesmo ano deu a conhecer o nome dos grupos a quem foi oferecida uma vila toeira: Camponeses do Mondego, de Ribeira de Frades; Típico da Palheira; Rancho de Vila Nova de Cernache; Vigor da Mocidade, de Fala, S. Martinho do Bispo; Rancho Típico do Bordalo; Rancho de Assafarge; e Casa do Povo de Ceira.
De memória, acrescento ainda as seguintes notas:
- O Município de Coimbra adquiriu aos herdeiros de Raul Simões, o último construtor de violas da cidade e homem que também tocava viola toeira, todo o material existente na sua oficina. Seguidamente, estabeleceu um acordo com o Museu Nacional de Etnologia, a fim de este levar a cabo a identificação e a catalogação dessas peças, cedendo-lhe, como contrapartida, alguns artefactos. Na altura, esse material destinava-se a reconstituir, no âmbito do projetado Museu da Cidade, a oficina do mestre violeiro.
- Algum tempo depois, cessei as minhas funções na Câmara de Coimbra e, por isso, desconheço o destino dado a esse precioso material. É evidente que o projeto da sua musealização, tal como a instalação do Meseu da Cidade, foram abandonados. Parece-me premente saber onde se encontra esse material, do qual faziam parte madeiras, moldes, ferramentas e produtos químicos que eram utilizados na sua oficina pelo último violeiro de Coimbra.
Após ter partilhado com os leitores estas informações talvez seja possível compreender melhor o espanto e a tristeza, para não dizer a revolta, que expressei na primeira destas entradas.
Rodrigues Costa
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