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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 07.02.19

Coimbra: Evolução do Espaço Físico 2

No contexto ibérico, o sítio de Coimbra – cartograficamente assinalado com um caprichoso meandro do rio Mondego – é um módulo de importância nevrálgica entre o norte e o sul, o interior e o litoral. Já ao nível do território de transição entre o Baixo e o Alto Mondego, especificidades da colina que hoje designamos por «Alta» ou «Almedina» ditaram um precoce despontar do aglomerado que, desde logo, o processo de romanização fez florescer como cidade. Eram elas as características defensivas naturais, o domínio do Mondego, e dos vales nele concorrentes, a exposição ao rio pelos quadrantes mais favoráveis em termos solares, o fácil acesso fluvial ao mar e ao interior, os recursos aquíferos do subsolo, etc.

Réplica da pedra gravada do MNMC.jpg

Réplica da pedra gravada do MNMC, 395 ou 396 da era cristã

… Hoje estável e controlado, o rio foi de facto até há pouco menos de dois séculos um rebelde elemento de perturbação do quotidiano e [do] desenvolvimento urbanos de Coimbra. Correndo sobre um leito cujo perfil ainda não se encontrava estabilizado, o Mondego autoproduziu esse incontornável equilíbrio através de consecutivas, torrentosas e, por vezes, trágicas cheias, condicionando durante séculos – em especial durante a Idade Moderna –, todo o desenvolvimento urbanístico da «Baixa» da cidade e, por reflexo, o da própria «Alta». Em média, a cota do seu leito subiu até então 8 centímetros por década, destruindo e/ou açoreando diversos conjuntos edificados nas suas margens durante a Idade Média e, claro, a ponte instalada pelo menos desde a fundação da nacionalidade.

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620.jpg

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620

…. Sabemos, por exemplo, que é a cerca de uma dezena de metros de profundidade que, sob o Largo da Portagem, jaz o pavimento de acesso à ponte primitiva.

Illustris Ciutatis Conimbria.JPG

Illustris Ciutatis Conimbria in Lusitania. Georg Hoefnahel/Hogenbeerg, colorida por Braun, 1598

… Mas a influência da plasticidade global do suporte territorial na evolução morfológica da cidade torna-se particularmente relevante se melhor nos focarmos sobre a própria colina (…) tem ela uma expressão morfológica planimétrica algo em ferradura com abertura a poente (…) Continuando, inevitavelmente, a acentuar as principais características topográficas da colina, da dinâmica da dualidade habitante-invasor acabou por resultar do penúltimo dos casos da ocupação estranha – o do invasor islâmico nos últimos séculos do primeiro milénio – uma estrutura palatina sobre o extremo mais proeminente da tal virtual ferradura. Também então se reformava o perímetro defensivo que, de uma forma geral, consistia na linha definida pela intersecção entre as encostas de declives praticáveis e impossíveis. No fundo a muralha acabou por acentuar a já clara individualidade da colina, da cidade ou, se assim o quisermos, da «Almedina». Mas complementarmente também salvaguardou o aceso seguro às zonas baixa e ao rio.

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo de Coimbra

Protegendo a retaguarda e simultaneamente o acesso mais fácil ao topo pelo festo do Aqueduto [de S. Sebastião], implantou-se e desenvolveu-se também pela primeira dobragem do milénio o castelo, o qual em articulação com o palácio, clarificou o desenvolvimento daquele que ainda hoje é o principal eixo viário da «Alta», a Rua Larga.

Rossa, W. O Espaço de Coimbra. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 17-42.

 

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por Rodrigues Costa às 22:26

Terça-feira, 01.11.16

Coimbra: O Foral Manuelino ou uma exposição a visitar

O foral manuelino veio confirmar alguns dos direitos e deveres consignados nos anteriores documentos reguladores do concelho de Coimbra (1085, 1111 e 1179), atualizando regras e tributos. A reforma manuelina dos forais, os designados «forais novos», visava articular a Lei geral do reino com a Lei local e proceder à atualização dos pesos e das medidas para que os direitos régios fossem cobrados devidamente. D. Manuel I, rei descobridor e venturoso, ciente dos seus deveres políticos e sociais e preocupado com o bem das comunidades, regulamentava e, simultaneamente fortalecia o seu poder.

O foral, atribuído a Coimbra em 1516, testemunha a dinâmica económica e social do concelho, mostrando uma cidade onde decorreram vários melhoramentos, como a reforma da igreja e mosteiro de Santa Cruz, o projeto de engrandecimento da alcáçova (mais tarde o edifício da Universidade), a construção da ponte e arranjo da couraça, entre outros. Apresenta, igualmente, uma urbe com um intenso comércio que provia as necessidades vitais dos seus moradores (alimentos, vestuário, objetos domésticos e utensílios de trabalho), constituindo um entreposto abastecedor da região.

Esta exposição encontra-se dividida em dois núcleos, um interpretativo e outro documental:

1 - No primeiro, na antiga sala da vereação (Torre de Almedina), contextualizam-se os antecedentes do documento regulador emitido por D. Manuel I, assim como o seu enquadramento na realidade nacional, particularizando os melhoramentos de Coimbra durante o reinado deste monarca e a estrutura e funcionamento do poder local no século XVI.

2 – No segundo, no Arquivo Histórico Municipal (Casa Municipal da Cultura), onde se encontram atualmente guardados os documentos originais do concelho para consulta pública, exibem-se os seguintes exemplares: «Privilégios dos Cidadãos de Coimbra» que compunham as vereações, os livros de «Actas das Vereações» do período manuelino, o «Foral da cidade de Coimbra de 1516», o «Foral de Cernache de 1514», o «Foral do Botão de 1514», o Foral de Anobra de 1514» e o «Foral do Reguengo de Bolão de 1558», terras pertencentes ao termo da cidade de Coimbra, no reinado de D. Manuel I

Câmara Municipal de Coimbra. Coimbra, 1516: o foral manuelino. Folheto de apresentação da exposição 20 Outubro / 2016 – 28 Outubro / 2017.

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por Rodrigues Costa às 09:40

Quinta-feira, 25.06.15

Coimbra e as suas muralhas 3

… a similitude do aparelho de construção ostentada pelo alcácer e pelos trechos arcaicos da muralha (num percurso homogéneo, entre a demolida «Porta da Traição» e a de «Almedina»), reconhecida por Vergílio Correia e Nogueira Gonçalves, tanto quanto o facto se confirmar que, do mesmo modo, “também pedras visigóticas foram aproveitadas para o enchimento dos muros” (sabendo-se hoje que onde se vê «visigodo» se deve, porventura, ver «moçárabe») … Tudo leva, assim, a crer que a importância simbólica e estratégica atribuída à recuperação de Coimbra, no quadro de um projeto imperial de «guerra santa» direcionado ao Reino de Leão, incluiria a sua conversão em praça militar, entendida como guarda avançada do Islão, em cujo âmbito se articulariam tanto o seu «repovoamento» como a sua poderosa fortificação; e que esta se levara a cabo por meio da edificação do «alcácer» e da própria cintura de muralhas, sem a qual, em boa verdade, não disporia aquele de verdadeira eficácia militar … desse modo melhor se compreendendo, aliás, a presença (há muito assinalada), no percurso mural, de trechos mais ou menos explicitamente «muçulmanos», como o arco ultrapassado da Porta da Traição, documentado em 1094, os arranques, também de arco ultrapassado, reconhecidos na Porta de Almedina, onde igualmente parecem divisar-se restos de duas torres circulares, estruturas que, pela sua afinidade técnica com a «alcáçova» e a muralha urbana, Nogueira Gonçalves atribuiria, uma vez mais, ao “século IX, ao período a seguir à primeira reconquista" e mesmo, talvez, a Porta do Sol, referenciada em 1087.

Parece, assim, configurar-se, no extremo norte do «Andalus» ocidental, mais do que um mero «alcácer», uma praça-forte cingida de muralhas: ciclópico anel, cerrando a ferradura e dando ao (duplo) «monte» a aparência «redonda» captada por Idrisi.


Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 197 a 199

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por Rodrigues Costa às 09:57

Quarta-feira, 24.06.15

Coimbra e as suas muralhas 2

Na verdade e mau grado a diversidade das suas interpretações, as descrições de Virgílio Correia e Nogueira Gonçalves coincidiam em absoluto e mesmo com a que, três séculos antes, elaborara D. Jerónimo Mascarenhas e que constitui a mais antiga referência conhecida sobre a estrutura da muralha coimbrã, “grandes pedras quadradas de mármore mui branco (…), umas inteiras e outras quebradas, lavradas e esculpidas ao modo romano”, em algumas se ostentando “buracos pelos quais se uniam umas com as outras com gatos de ferro (…), postas nos muros desta cidade, sem ordem alguma, e outras por fundamentos dos muros”, em muitas partes se divisando “entre outras pedras algumas colunas, que tudo mostra a grande pressa com que eles foram levantados, e que foram feitos de matéria, que já ali havia”. Posteriormente, contudo, ganharia novo fôlego a defesa da origem romana das muralhas, face ao conhecimento da implementação, em finais do século III e inícios do seguinte, sob Diocleciano e Maximiniano, de um plano geral de fortificação urbana.

Novos contributos viriam, de resto, reforçar essa interpretação, ainda que propondo, em termos de efetiva razoabilidade … um traçado de menor amplitude em relação ao que viria a ser a sai dimensão medieval. Dever-se-ia, porém, a Carneiro da Silva, em 1987 e partindo de levantamento fotográfico infelizmente nunca publicado, a mais recente (e concisa) caracterização técnica dos trechos arcaicos da muralha, em função da qual afirmaria ser “a sua estrutura … constituída por um intradorso de forte cimento, ligado com numerosos restos romanos, como telha, ladrilho, restos de colunas, degraus, vergas e outras cantarias, e uma forra de grossas alvenarias”. A verificação, porém, de que afinal “também pedras visigóticas foram aproveitadas para o enchimento de muros, levá-lo-ia “a considerar que são os árabes que levantam as muralhas de Coimbra, ao servirem-se daqueles materiais de épocas anteriores ao seu domínio”

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 196

 

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por Rodrigues Costa às 17:20

Terça-feira, 23.06.15

Coimbra e as suas muralhas 1

… data de 1930, por mão de António de Vasconcelos, a primeira reconstituição do circuito medieval das muralhas coimbrãs. Se o velho mestre não curara de deslindar a sua origem, mas tão só de definir o seu percurso, outro tanto não faria Virgílio Correia, que, no mesmo ano e sob o impacte da descoberta, nas infraestruturas do Museu que dirigia, do criptopórtico romano, afirmava, invocando Plínio, que “admitindo que «oppidum et flumen Minium» se referem a Coimbra, aí temos, além da designação do nome da terra, a sua qualidade de «oppidum», povoação de altura, fortificada, que de facto Coimbra é, e provavelmente sempre foi”. Apesar disso, não deixava de constatar que “acerca das muralhas romanas de Coimbra, nada conhecemos, até agora, de positivo. Em Junho de 1943, contudo, evocava Nogueira Gonçalves: “Alvorecia o século quinto. Iam caindo, feridas quase sem glória, as águias dos emblemas imperiais. Desabava a torrente dos povos bárbaros, alastrando em ruínas e morticínios. Em 409 … a primeira onda, a dos suevos, alanos e vândalos …”

Ganhava, pois, raízes, até por confronto com Conimbriga, onde os avanços da arqueologia comprovariam a origem tardo-antiga das muralhas, a tese da ereção da cerca coimbrã ao despontar do século V, perfilhada por Fernandes Martins, em 1951 e por Pierre David, desde 47, embora recuando a edificação dos muros, em ambas as cidades, à invasão dos Francos de 258. Antes que terminasse o ano de 43, contudo, meses depois de Nogueira Gonçalves, recordando a invasão bárbara de 409, com ela relacionar a edificação das muralhas coimbrãs, as obras em curso do palácio universitário, proporcionando a descoberta do pano de muro e do cubelo (depois demolido) incluídos no átrio de S. Pedro, abriam novas perspetivas, em função das quais Virgílio Correia, estribado no confronto do “aparelho de construção, onde, como noutros pontos dos muros e das portas de Coimbra, foram empregados blocos romanos, de algum grande edifício desmontado para o efeito”, deduzia ser o mesmo «coevo das grandes obras de fortificação citadina, cuja origem e cronologia precisa são ainda um problema em aberto”

E concluía: “O problema da idade das primeiras muralhas de Coimbra apresenta-se como de difícil solução … Por outro lado, não se encontraram, até agora, nas muralhas pedras de ornato paleocristão ou bárbaro. Donde tornar-se admissível o levantamento da fortificação precisamente na época do domínio dos visigodos, que tornaram Imínio numa capital onde quatro monarcas cunharam moeda; e capital significou sempre, na Idade Média, cidade poderosamente fortificada. As muralhas apresentam, desde o Castelo, ao longo da Couraça de Lisboa, até ao Arco de Almedina, a mesma composição, com aproveitamento nas fiadas inferiores de silhares do grande aparelho romano. Mal conhecidos os muros do lado poente e norte … sendo porém absolutamente seguro que a parte visível sobre a Ladeira dos Jesuítas é de época tardia, de material uniforme”. Por seu turno … exarava Nogueira Gonçalves … “As fortificações militares da cidade pertencem a diversas épocas…”


Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg.195 e 196

 

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por Rodrigues Costa às 10:42


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