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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 13.07.21

Coimbra: O Púlpito de Santa Cruz 2

Apresenta-se com parapeito de quatro faces poligonais sobre base em forma de cone invertido. É revestido de finíssima decoração renascentista de candelabros, pequenos medalhões e outros motivos clássicos, tudo em delicado relevo à flor da pedra, mas os baldaquinos das figuras angulares são ainda de tradição gótica.

Pulpito de Santa Cruz 2.jpg

Púlpito de Santa Cruz

Nas quatro faces abrem-se elaborados nichos onde se sentam os quatro doutores da Igreja do Ocidente. São eles, começando do lado da entrada, Santo Ambrósio de Milão, mitrado, S. Jerónimo, com chapéu de cardeal e leão aos pés, S. Gregório Magno, com a tiara papal, todos ostentando um livro simbólico da sua sabedoria e dos seus escritos, e, por fim, Santo Agostinho segurando um templo nas mãos, como fundador da Ordem seguida em Santa Cruz.

S. Jerónimo, com chapéu de cardeal e leão aos pS. Jerónimo com chapéu de cardeal e leão aos pés

Nos ângulos dispõem-se dez figurinhas plenas de grande significado. Na linha inferior representam-se os quatro profetas maiores, Isaías, Joel, Ezequiel e Jeremias, tendo ao centro o rei David segurando a harpa. Nos pequenos nichos superiores aos profetas erguem-se cinco donairosas donzelas: as sibilas do mundo clássico que se cria, desde o concílio de Niceia em 325, terem prenunciado o nascimento, a paixão e morte e a ressurreição de Jesus. Foi tema dos humanistas renascentistas, no esforço de conciliar a sabedoria da Antiguidade com a doutrina cristã, tendo o seu exemplo máximo nas pinturas de Miguel Ângelo no teto da capela Sistina e, igualmente, a sua expressão neste púlpito. Identificamo-las como: Cumana ou Ciméria, Herófila ou Samiana, Pérsica ou Caldeia (a do centro, com a cruz), Délfica, e Helespôntica ou Troiana.

O cone invertido de sustentação do púlpito gera-se a partir da representação de um monstro alado fantástico, a hidra de Lerna, com suas sete cabeças de serpente que renasciam sempre que se lhe cortavam, mas morta por Hércules no seu segundo trabalho. Um pouco mais acima, cinco harpias, monstros imundos, raptoras de almas, com rosto de mulher, corpo de abutre e orelhas de urso. Esta zona agitada é o mundo do pecado, por demais simbolizado nas sete cabeças da hidra. A transição para a parte superior é feita por frisos de elementos clássicos, onde cinco querubins transmitem paz e tranquilidade.

o cone invertido de sustentação do púlpito.JPG

... o cone invertido de sustentação do púlpito

Nicolau Chanterene era, sem dúvida, homem culto e artista de génio, mas não poderia ter executado esta obra, de tão denso conteúdo iconográfico e teológico, onde o bem se sobrepõe ao mal, sem ter a aconselhá-lo os doutos cónegos crúzios. Infelizmente o tempo tem deixado as suas marcas bem notórias nesta obra prima da arte portuguesa e mesmo europeia.

Nelson Correia Borges

Borges, N.C. O Púlpito de Santa Cruz. In: Correio de Coimbra, n.º 4785, de 2020.05.07

 

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por Rodrigues Costa às 20:00

Terça-feira, 06.07.21

Coimbra: O Púlpito de Santa Cruz 1

Os púlpitos das nossas igrejas tornaram-se obsoletos com o advento da amplificação sonora e sobretudo depois do concílio Vaticano II, quando toda a ação litúrgica se centrou no altar da celebração. Foram substituídos pelo ambão, normalmente colocado à direita do altar, no lado outrora destinado ao Evangelho. Será difícil às novas gerações percecionar a função e utilidade que estava destinada a estas peças, sempre tratadas com muito esmero e muitas vezes expressão artística de alto merecimento. No pós-concílio, alguns púlpitos chegaram mesmo a ser retirados das igrejas, esquecendo que a sua presença de séculos é parte da história dos monumentos e das comunidades.

Púlpito de Santa Cruz de Coimbra.jpg

Púlpito de Santa Cruz

As origens dos púlpitos podem procurar-se na civilização romana, de que somos herdeiros. Estavam presentes nos edifícios públicos e no foro como um local elevado, onde se situavam os oradores. Nas primitivas basílicas cristãs havia já uma tribuna semelhante ao ambão dos dias de hoje. Na segunda metade do século XIII, a atividade oratória de franciscanos e dominicanos levou à criação do púlpito como uma tribuna elevada, no centro da nave e por vezes com um dossel ou quebra-voz, para melhoria das condições acústicas, geralmente posicionado do lado do Evangelho. A partir do século XVI o púlpito ganha grande protagonismo no espaço interior das igrejas. Ali se fazia lembrar o louvor a Deus e o proveito espiritual das almas para a salvação eterna, em sermões inspirados, por vezes exuberantes e teatrais para que a mensagem chegasse a todos, pois grande parte da população era iletrada.

Em Santa Cruz de Coimbra o púlpito situou-se junto à desaparecida grade que separava o espaço conventual do espaço dos fiéis.

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o púlpito situou-se junto à desaparecida grade

 Ele é bem a expressão da sapiente cultura dos cónegos crúzios e da arte refinada de Nicolau Chanterene. O escultor francês Nicolau Chanterene fez uma passagem quase episódica por Coimbra. No mosteiro de Santa Cruz deixou o melhor da sua obra, na fachada, no claustro e no púlpito, executado em 1521, data descoberta pelo Pe. Nunes Pereira quando fazia desenhos de pormenores, publicados neste jornal em 1985.

1521, data descoberta pelo Pe. Nunes Pereira.jpg

1521, data descoberta pelo Pe. Nunes Pereira

Parte do púlpito onde em 1985 foi.jpg

Parte do púlpito onde em 1985 foi identificada a data da sua construção, ilegível passados 35 anos.

Borges, N.C. O Púlpito de Santa Cruz. In: Correio de Coimbra, n.º 4785, de 2020.05.07

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:21

Terça-feira, 21.03.17

Coimbra: o púlpito de Santa Cruz

 ... uma obra prima da escultura em pedra, a mais perfeita que há na Península e talvez na Europa. Designamo-lo pelo nome sob eu é tão célebre: o púlpito de Santa Cruz.

Do lado do evangelho, ao pé do que se chama transepto (não existe este, rigorosamente, nesta igreja), apenas à altura de um metro e meio, o púlpito parece ter sido ali colocado expressamente para ser visto, examinado e apreciado com toda a facilidade.

Ig. Sta Cruz. Púlpito 01.jpg

 

Talhado um só canto, sob a forma de um meio prisma octógono regular, assente sobre a base de um cone voltado, é de uma beleza extraordinária, inexcedível. O cone, cujo vértice é formado por uma hidra alada, compõe-se de algumas fileiras de arabescos, de frisos, de esfinges e querubins, na mais bela disposição.

Nas quatro faces do púlpito vêm-se, em elegantes nichos, estatuetas representando alguns doutores da igreja; ei-los por sua ordem, começando do lado da entrada. Santo Ambrósio, mitrado: S. Jerónimo, com chapéu de cardeal, tendo a seus pé um leão; S. Gregório, o magno, com a tiara; cada um destes com um livro na mão: por último, vem Santo Agostinho, de mitra, e sustentando em ambas as mãos um templo. Cada uma das arestas do meio prisma octogonal é ornado com duas estátuas, uma sobreposta à outra, representando as de cima a Religião e as Virtudes cardeais (mas não as dos cardeais), e sendo as outras as dos quatro profetas maiores, Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, e a desse santo rei que fez morrer Urias para lhe ficar com a mulher. David tem nas mãos a harpa inseparável; os quatro profetas sustentam «volumina».

Os pedestais, os baldaquinos, as estatuetas, o arrendado da pedra, tudo enfim, desde os mais insignificantes cinzelados até às mais importantes figuras, é de uma perfeição que não pode ser excedida e muito dificilmente igualada.

Por cima dos baldaquinos dos nichos centrais, vêem-se dois escudos de diferente forma, sustentados por anjos; um tem a cruz da ordem de Cristo, o outro a esfera armilar, uma e outra, divisas do rei D. Manuel.

Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 55-56

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:54


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