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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 14.12.17

Coimbra: Claustro de Celas

É tão surpreendente a igreja de planta redonda do mosteiro cisterciense de Celas que quase ofusca a beleza do claustro e a originalidade da sua fonte central, cavada e escondida.

Celas claustro.jpg

 Convento de Celas, claustro

Mas neste quadrado ao ar livre, pouco estudado e ainda menos visitado, surge-nos, na fonte, o fascínio renascentista pela geometrização dos espaços. A disposição em planta do claustro, que se liga à igreja redonda, é o resultado criativo deste esforço de arrumação dos elementos construídos, deixados pela Idade Média neste ermo distanciado de Coimbra, conhecido por Vimarães.

Uma vez dentro do próprio claustro votamos a ter novo atrativo que desvia a atenção da fonte central: são os extraordinários capitéis, minuciosamente esculpidos e pintados com as cenas da vida de Cristo, cuja datação dos séculos XIII a XIV é insegura, mas que vieram do Paço Real da Coimbra, oferecidos por volta de 1533, por D. João III.

Celas Claustro fonte.jpg

 

Convento de Celas, fonte do claustro

 ... A originalidade da fonte reside no facto de ela estar afundada e mal se ver, apesar de respeitar a quadripartição por eixos e se encontrar no centro exato do claustro. De facto, a fonte redonda está abaixo  do plano do claustro e a ela se acede por escadas que descem cerca de 1,5 metros «Ao centro do jardim cava-se um tanque circular para onde se desce por quatro escadas de sete degraus dispostas segundo os eixos do claustro. Uma inscrição esclarece: ESTE . CHAFERIS . MANDOU / REIDIFECAR . A ILMª . SNRª . D / THEREZA . LUIZA . RANGEL . / SENDO . SGDª . VES . ABBADESA / DESTE MOSTRº . NO ANNO / DE 1761».

O espaço criado forma um cilindro e isola-se visualmente de quem está no claustro, oferece bancos redondos de pedra em circunferência assim criada, que escondem ainda mais quem neles se senta. A taça de água redonda com cerca de 40 centímetros de altura é cilíndrica e, do seu centro, a que corresponde também o centro geométrico do claustro, sai um repuxo. O conjunto não tem um único ornamento. Esta invenção pode ser uma simples resposta ao nível da água que se encontra, de facto, a 1,5 metro abaixo da cota do claustro com uma mina visível numa das paredes em arco deste cilindro vazio.  

Esta simplicidade revelou-se esteticamente genial: o desenho afundado, num claustro tão pequeno, aduziu-lhe a terceira dimensão, mas em negativo; conseguiu dar o efeito de espaço redobrado e, sem qualquer ornamento, consegue animar as paredes e as formas com efeitos de sombra projetadas nos degraus e nas paredes concavas. Interrogamo-nos, então, se este jogo de geometria a três dimensões e a total ausência de ornamento chegarão para confirmar o traço de um bom artista do Renascimento?

... Resta-nos assim apresentar – reconhece-se que um pouco a medo – a hipótese de poder ter sido João de Ruão o imaginário da fonte do claustro de Celas. 

Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 175- 177

 

 

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por Rodrigues Costa às 08:55

Quinta-feira, 04.05.17

Coimbra: o «Imperador de Eiras»

 Havia antigamente (até 1832) uma interessante festa em Celas: a festa do «Imperador de Eiras».

Eiras é uma pequena povoação situada a cerca de uma légua ao norte da cidade. Os seus habitantes, segundo muito antiga tradição, vendo que a peste havia invadido Coimbra, começara, capitaneados pelo pároco, a implorar o auxílio celeste, dirigindo principal ou exclusivamente as suas instantes preces ao Espirito Santo.

A divina pomba resolveu-se a atender aos rogos dos eirenses; a peste não penetrou no lugar; e eles fizeram voto de todos os anos elegerem de entre os melhores homens da terra um “a quem haviam de tributar as ofertas dos seus frutos, para que com o nome de «Imperador do Espirito Santo» festejasse ao mesmo Divino nos dias de Páscoa da Ressurreição e do Pentecostes”.

Eleito o imperador pela câmara da povoação (a terra tinha as honras de concelho), era-lhe por ela entregue a quantia de vinte e seis mil réis, cinquenta alqueires de trigo, e oito almudes de vinho.

Este imperador, relativamente barato, tomava posse do seu elevado cargo na primeira oitava do Espirito Santo, indo à igreja matriz com acompanhamento da camara, da nobreza da vila, de dois pajens e dois criados, tudo precedido de uma bandeira de damasco encarnado. O pároco esperava o imperador no arco da capela-mor, assistido do juiz da igreja com cruz alçada e duas tochas; e, ajoelhado sua majestade, lhe punha na cabeça, «sobre um casquete vermelho, a coroa de prata», que dois pajens lhe ministravam, dizendo-lhe com toda a solenidade: – «Eu vos constituo imperador de Eiras». Em seguida entregava-lhe um terçado antiquíssimo, que o imperador beijava, restituindo-o ao pajem; e depois começava sua majestade a percorrer as ruas do seu estado, dirigindo-se com o mesmo acompanhamento, aumentado com a cruz alçada entre duas tochas, à capela do Santo Cristo, aonde ajoelhava para o pároco lhe tirar a coroa e o casquete.

Dali, formando uma luzida cavalgata, dirigia-se o cortejo – o imperador, os pajens, a camara, a nobreza – com a sua bandeira à frente e com alguns músicos, para o mosteiro de Celas.

... Entrados todos na igreja ao som de repiques de sinos, e feita a oração do estilo, cantava-se um «Te Deum», e era o imperador novamente coroado pelo capelão.

Terminado o ofício, ia o imperador sentar-se junto às grades do coro, ande conversava com a abadessa e mais freiras.

... Em seguida, sua majestade recolhia-se à casa da hospedaria a descansar e a tomar alguns refrescos, oferta da abadessa. Pedida por esta a coroa, era ela beijada pelas freiras, que ... a consideravam milagrosa.

Durante a visita, sua majestade era da parte das travessas freiras muito escarnecido ... sucedendo-se às troças das sorores as da rapaziada quando o imperador passava.

... Depois da receção em Celas, ia o imperador à capela do Espirito Santo, perto de Santo António dos Olivais, aonde continuavam as festas, com arrial, e um grande banquete publico ... por esta ocasião havia também corridas de éguas, e lutas de homens.

Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 329-332

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por Rodrigues Costa às 09:51

Terça-feira, 24.01.17

Coimbra: Uma Escola de Canteiros 1

Iremos aqui relembrar um artigo que Joaquim Martins Teixeira de Carvalho - Homem que em Coimbra foi, na transição do século XIX para o século XX, professor da Universidade, arqueólogo, crítico de arte, jornalista, diretor do jornal A Resistência, polemista, entre muitas outras coisas, conhecido então apenas por Quim Martins - publicou na conceituada revista Illustração Portugueza, no segundo semestre de 1906, a propósito de uma exposição promovida, em Lisboa, pela conimbricense Escola Livre das Artes do Desenho.

O texto, de excelente recorte literário e com ilustrações magníficas, revela também um profundo amor a Coimbra e ao que de melhor aqui, então, se fazia. Para uma mais fácil compreensão decidimos proceder a pequenos acertos e à atualização da grafia.

UMA ESCOLA DE CANTEIROS

Em Coimbra, a arte de canteiro é uma eflorescência do solo, criou-se pelo amor ao calcário brando, que se vê alvejar à flor da torra, mal passa a chuva forte do inverno.

E é opinião que aqui teria nascido e florescido naturalmente a mais bela escola de escultores se não fosse o que muitos julgam a ventura da arte em Portugal – o glorioso movimento da Renascença, que é mais uma página da histeria da arte estrangeira do que propriamente um movimento decisivo e determinante de progresso na evolução da arte nacional.

O delicioso claustro de Celas, tão tocante de sentimento popular e de ingenuidade artística, as obras, assinadas ou não, de dois Pires, o velho e o moço, as de Pedro Anriquez e do irmão, as dos Alvares, as estátuas anónimas que o acaso depara às vezes esquecidas, os lábios num sorriso enigmático, os olhos pequeninos a rir, cobertas de ouro, como ídolos preciosos, de um lavor gótico cheio de intenção, inquieto, revelando num detalhe mínimo sempre a vontade de progredir, palpitando da vida da consciência artística nacional em formação, muitas vezes me têm feito adivinhar a gloriosa escola de escultores que poderia ter sido a honra de Portugal e que morreu no meio dos esplendores da Renascença como as crianças fracas ao beber à vontade um leite abundante e forte.

Os canteiros de Coimbra foram sempre os primeiros de Portugal, e são-no ainda hoje, como demonstrou a exposição que vamos analisando ao correr destas sumárias notas.

Pelos trabalhos expostos não pode fazer-se ideia completa nem das aptidões dos artistas nem da sua orientação.

A exposição foi organizada com as obras em elaboração no momento, em estilo determinado, com destino certo.

O acaso fez por isso que as obras expostas tenham o cunho do estilo manuelino, ou da Renascença francesa.

JazigoNeoRenascentista.png

João Machado – Fragmento de um retábulo Renascença, em gesso

Carvalho, J.M.T. Uma escola de canteiros, In Illustração Portugueza, 2.º semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 162-165.

 

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por Rodrigues Costa às 11:04

Quarta-feira, 27.01.16

Coimbra, os moinhos e azenhas

Na quinta da Ribela (atual Av. Sá da Bandeira), no tempo do Prior D. Jerónimo da Cruz (eleito em 22 de Abril de 1557), foram construídas três azenhas que giravam com a água previamente recolhida num grande tanque. A água era conduzida do depósito às rodas das azenhas «por canais levantados em arcos de pedra». Nos três meses do Estio, o trigo de Santa Cruz podia moer-se em duas atafonas da quinta mandadas fazer pelo mesmo Prior. Estas moendas, quase dentro da cidade, deviam constituir uma exceção. (O mosteiro de Celas tinha também uma atafona).

Os moinhos situavam-se mais longe (da cidade), a começar nos subúrbios, e sobretudo junto dos rios e ribeiros do termo (e de fora dele).

… Os moleiros, como quaisquer outros mecânicos, não podiam exercer o ofício sem prestar juramento … Considerando como tais (moleiros) todos os que explicitamente não se destinam apenas a trazer e a levar o pão ao moinho, encontramos um mínimo de 306 unidades.

… O abastecimento de Coimbra exigia uma constante azafama dos moleiros, um vai-e-vem entre a cidade e os moinhos.

… Os moleiros de Coimbra não se podiam recusar a moer «segunda» (Por «segunda» neste parágrafo, entende-se milho, centeio e cevada»), nem a transportar taleigos de qualquer tamanho que fosse. Uma vez saído o pão da casa do dono, devia ser levado, diretamente, à Casa do Peso da Farinha. Aí ficava registada, em livro próprio e segundo as formas legais, a farinha que devia ser recebida.

… o Peso da Farinha estava na Praça «à porta dos açougues desta cidade debaixo dos arcos que aí estão»

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume I. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg.491 a 497.

 

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por Rodrigues Costa às 10:19

Segunda-feira, 14.12.15

Coimbra e a doçaria conventual 1

O esplendor da doçaria conventual em Portugal terá ocorrido em meados do século XV já que, foi neste século, que o açúcar entrou na tradição gastronómica dos conventos. Até esta altura, o principal adoçante era o mel, sendo o açúcar usado como componente na confeção de mezinhas e medicamentos.

“… Nos conventos só a abadessa e a madre responsável pelo economato e cozinha tinham possibilidade de escrever as receitas em livros que estavam sob a sua guarda e que não podiam ser consultados por mais ninguém”.
É certo, porém, que estes princípios nem sempre foram seguidos, pelo que encontramos, para a mesma iguaria, variadas receitas consoante a região e o convento de origem. É o caso, entre outros, do leite-creme, do pudim da abadessa, da barriga de freira, da charcada, dos ovos reais, das trouxas-de-ovos, do arroz de leite, do arroz doce, do toucinho-do-céu, da marmelada, das compotas de frutas.
De referir, ainda, que a nomenclatura de alguns doces é comum, não só, a conventos de outras regiões do nosso país, como também de outros países. Na vizinha Espanha existem algumas similitudes, por exemplo, com os pastéis e biscoitos de Santa Clara, os melindres, os suspiros, o arroz de leite, o toucinho-do-céu ou com o manjar branco. Curiosamente, ao lermos «Zorro o começo da lenda» de Isabel Allende, deparamo-nos com o herói a deliciar-se com o manjar branco, numa altura em que se encontrava em Barcelona, a estudar.
… Com algumas limitações, consegue-se reunir um curioso manancial de informações possibilitando delinear um pouco da história dos conventos de Coimbra, onde floresceu a doçaria, a par de algumas práticas e tradições ligadas a esta atividade. Referimo-nos aos Mosteiro de Santa Clara e de Santa Maria de Celas e aos Conventos de Sant’Ana e Sandelgas.

Relatemos, a propósito, a oferta de “marmelada” e de “pêssegos cobertos de Celas de Coimbra”, bem como ameixas de Santa Clara que, em 1652, as freiras destes Mosteiros fizeram ao rei D. João IV … Para o mesmo período também as religiosas de Celas enviaram ao Abade de Alcobaça um presente que incluía as famosas tigeladas.

Sousa, D. F. F. 2013?. Arte Doceira de Coimbra. Conventos e Tradições. Receituários (séculos XVII-XX). Sintra, Colares Editora, pg. 14, 16, 17

 

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por Rodrigues Costa às 10:09


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