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Como já referimos, decidimos complementar a primeira entrada com a descrição de cada um dos Autores relativamente à emoção sentida face à visão que a cidade lhes oferecia quando observada da margem esquerda do Mondego.
Gusmão utiliza uma prosa mais sóbria, mas também bela.
VISTA EXTERIOR DE COIMBRA
«Esta Coimbra, a formosa, sentada em seu monte de primavera; com o largo Mondego a seus pés, como barra de viva prata em seu manto verde,' dentro em o seu tão sereno horizonte, que parece jeito de um beijo risonho do Criador.
CASTILHO, Quadros históricos de Portugal».
As estradas, que do Porto ou de Lisboa conduzem a Coimbra, cortando comummente por brenhas serradas, descampados inférteis, pinhais extensíssimos mas sem majestade, e povoações pobres e derramadíssimas, preparam o caminhante com disposições de tristeza, para contemplar a cena de Coimbra, que, semelhante a uma pirâmide esculpida, se alevanta dominadora dos seus fresquíssimos e saudosíssimos arredores, e do tranquilo Mondego, que se revolve mansamente a seus pés, como uma fita branca lançada por meio de um tapete de verdura.
Quanto é bela a aparência desta multidão de casas, diferentes na fábrica, nas cores e na altura, entressachadas de góticos palácios, mostrando ainda pela forma acastelada, os longos séculos de sua existência!
Quando se deleita a vista na gradação variada, com que se vão apinhando os edifícios, aparecendo na crista do monte, como patriarca e rei de todos, o Paço Real das Escolas, com a sua torre quadrangular!
Torre da Universidade
Ou se aviste Coimbra, quando o astro do dia surgindo no horizonte espalha seus raios sobre a cidade, ou quando já vai a submergir-se no oceano para renascer mais brilhante e luminoso, ou enfim quando o pálido clarão de uma lua desmaiada apenas deixa ver indistintamente os objetos, sempre a Rainha da Beira aparece majestosa e com gracioso donaire; porém, em quadra nenhuma ostenta mais solene perspetiva que olhada do Monte da Esperança em noite bem escura.
Nos confins de um horizonte nubloso e melancólico, no meio de um silêncio profundo, enxerga-se a cidade, qual montanha longínqua. Espesso véu de negras sombras a envolve desde o viso até às raízes do outeiro; nem homens, nem animais, nem habitações se avistam; através, porém, do escuro manto reverbera o fulgor de numerosos lumes. É que, lampejando milhares de luzes para entre as vidraças das janelas, vem formar um contraste maravilhoso com a
escuridão da noite; e o vulto enorme da cidade, negrejando por entre a claridade destas luzes, amostra-se como fantasma gigante cercado de estrelas.
Vista geral de Coimbra
E que ideias não afluem ao pensamento, ao contemplar tão primoroso quadro?! Lembram esses palácios encantados, tão ricos de ouro e pedraria, de que nos belos dias da infância ouvimos embevecidos a mui longa e mui curiosa história,
Em verdade, Coimbra, a mais bem situada de todas as nossas cidades (embora Braga lhe dispute a preeminência, que a não beija um Mondego plácido e cristalino), e edificada em anfiteatro, oferece o mais formoso e encantador aspeto.
R. de Gusmão
Corte-Real, A.M.B. e Gusmão, F.A.R. 2020. Belezas de Coimbra seguido de Memória topográfica e descritiva de Coimbra e seus arredores. Recolha de textos e notas de Mário Araújo Torres. Lisboa, Edição Gráfica de Edições Ex-Libris.
Decidimos complementar a entrada anterior, inserindo mais duas. Nelas, cada um dos Autores em causa descreve, à sua maneira, a emoção sentida com a vista da cidade tomada da margem esquerda do Mondego.
Corte-Real narra a sua experiência dentro do contexto romântico em que viveu.
Quando sopra do nordeste algum vento forte, ouvem-se em grande distância os sinos do antigo Mosteiro de Santa Cruz. As suas vozes harmoniosas, trazidas por este espírito de Deus, excitam em nossa alma alegria saudosa e enchem-nos o coração de um entusiasmo religioso. Soam depois as horas na Torre da Universidade e nos vão marcando a longitude do dia e a rapidez da existência. Chega-se finalmente à extremidade da planície, onde começa a descer-se a montanha fronteira a Coimbra; gritam os arrieiros a um tempo: Olha a Torre da Universidade. Começam então a descobrir-se, pouco e pouco, os edificios de Coimbra, que está posta sobre os ombros de uma montanha, que nos fica defronte. Insensivelmente vai caindo a cortina que nos encobria a cidade e vê-se correr a seus pés um rio de prata sobre areias de oiro. Salve, rainha da antiga Lusitânia, salve, pátria das ciências: eis as vozes que arranca do peito do viajante a vista majestosa desta capital das luzes.
A torre do Mosteiro de Santa Cruz emerge do casario da cidade
Ó minha Júlia, que linda vista não é a de Coimbra em qualquer ocasião que a observemos daqui? Se a contemplamos pelo silencioso escuro de uma noite serena da primavera ou do verão, o seu grande vulto coberto de um largo manto de trevas todo estrelado de luzes que lá estão brilhando ao longe por entre as vidraças das janelas, figura-se-nos o corpo imenso de um enorme gigante com o seu vestido de sombras matizado de estrelas; se ao pálido clarão da lua, derramando por cima da cidade, do rio e dos campos a sua
luz misteriosa, Coimbra é então para nós um palácio de fadas, rico de ouro e pedrarias, semelhante àqueles com que os contos de Mil e Uma Noites nos dilatavam a imaginação nos dias da nossa chorada infancia; se ao romper da manhã, quando o sol vem saindo detrás da cidade entre ondas de luz por um horizonte todo iluminado de ouro e de rosas, julgamos estar vendo sair de seu palácio o rei dos dias para ir fazer o seu giro diurno pelos confins do universo; se enfim, de tarde começa a descer por entre as oliveiras da montanha ocidental, iluminando a cidade com as luzes multicolores do reflexo, Coimbra, com o rosto voltado para o ocidente parece-nos uma cidade encantada, dando ao sol que lhe dourava os campos os seus últimos adeuses mil sorrisos de luz.
Coimbra no período do romantismo
Vem agora prender-nos a atenção aquele monte de casas todas diferentes na cor, no risco e tamanho, entremeadas de góticos palá cios, que até por sua forma acastelada nos estão mostrando a diuturnidade dos séculos da sua prolongada existência; encantando-nos sobretudo os olhos a variedade com que todos os edifícios se vão apinhando uns sobre os outros, elevando-se mais que nenhum,
coroado com sua Torre e Observatório, o Palácio das Ciências.
É edifício majestoso: a sua torre altíssima, que se avista muitas léguas ao longe, parece um luminoso farol, que está despedindo raios
de sabedoria para todos os pontos da terra portuguesa, e, protegendo com suas asas os mais edifícios da montanha, entre os quais inculca certa majestade, que bem dá a conhecer que é a rainha de todos eles.
Corte-Real, A.M.B. e Gusmão, F.A.R. 2020. Belezas de Coimbra seguido de Memória topográfica e descritiva de Coimbra e seus arredores. Recolha de textos e notas de Mário Araújo Torres. Lisboa, Edição Gráfica de Edições Ex-Libris.
Na sequência da muito meritória tarefa a que meteu ombros, o Dr. Mário Araújo Torres colocou em letra de forma mais um livro, o terceiro, que nos trás à memória escritos relacionados com Coimbra e relegados, com o decorrer dos anos, para o esquecimento.
Capa do livro
Textos relevantes não só pelas informações que carreiam, mas também porque nos permitirem imaginar a cidade de Coimbra e as suas gentes no tempo em que foram escritos.
Coimbra deve ao Dr. Mário de Araújo Torres o agradecimento institucional pelo esforço e pela generosidade demonstrada.
Da badana da contracapa retiramos o que segue:
Prosseguindo no propósito de facilitar o acesso a publicações relevantes sobre a história de Coimbra de há muito esgotados e na sequência da reedição da «Conquista, antiguidade e nobreza da mui insigne e ínclita cidade de Coimbra», de António Coelho Gasco, e da «História breve de Coimbra: sua fundação, armas, colégios, conventos e Universidade» de António Francisco Barata, reúnem-se no presente volume duas obras de características diferentes, mas complementares: «Belezas de Coimbra», de António Moniz Barreto Corte-Real, e, sob o título «Memória topográfica e descritiva de Coimbra e seus arredores». recolha dos artigos da autoria de Francisco António Rodrigues de Gusmão sobre esta remática, dispersos por diversas publicações periódicas, que ele projetara reunir em volume, com a apontada designação, o que não chegou a concretizar.
Imagem do frontispício da edição de 1831
«Belezas de Coimbra», publicado pelo terceirense António Moniz Barreto Corte-Real, em 1831, quando estudante da Universidade, distingue-se pela sua superior qualidade literária. Enquadrado por cartas saudosas à sua “amada Júlia”, propõe-se levar ao meio do Atlântico a descrição da “terra que possui o seu amante” e fazê-la “admirar comigo os prodígios e encantos que a Providência liberalizou (…) à risonha Coimbra, que se está erguendo sobre as margens do Mondego, majestosa como o trono da sua sabedoria”.
Na reedição da sua obra, em 1855, Corte-Real assinalou:” Depois do meu livrinho têm aparecido em vários periódicos literários muitos e excelentes artigos sobre o mesmo assunto. Entre eles distinguem-se superiormente, pela profundidade e vastidão de conhecimentos arqueológicos, os do sr. Francisco António Rodrigues de Gusmão, a quem respeito e admiro”.
Francisco António Rodrigues de Gusmão
Em 1859, Inocêncio Francisco da Silva anunciou, no «Dicionário Bibliográfico Português, que o seu particular amigo e colaborador Francisco António Rodrigues de Gusmão projetava publicar uma obra intitulada «Memória topográfica e descritiva de Coimbra e seus arredores», em parte composta por artigos já saídos em publicações periódicas e no resto inédita, propósito que não chegou a concretizar.
Por isso se reputou adequado, na sua segunda parte do presente volume.
Corte-Real, A.M.B. e Gusmão, F.A.R. 2020. Belezas de Coimbra seguido de Memória topográfica e descritiva de Coimbra e seus arredores. Recolha de textos e notas de Mário Araújo Torres. Lisboa, Edição Gráfica de Edições Ex-Libris.
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