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Nos meados do século XII, segundo Edrisi, a foz do Mondego era ainda defendida pelo «forte» de Montemor-o-Velho. Navios de certo porte chegariam até à cidade de Coimbra ou à área da sua jurisdição. Pelo menos o foral de 1179 privilegia com foro de cavaleiro certos cargos navais … Vestígios dessa atividade passaram ainda para o foral manuelino … O Mondego era navegável até à Senhora da Ribeira. Aqui, por volta de 1732, se celebrava, em dia de Ramos, uma grande feira (e romagem) onde acudiam, em barcas, os mercadores de Coimbra.
… no tempo das cheias ou, em outras épocas, nos lugares onde não havia vaus, a travessia só era possível por meio de embarcações.
Em alguns pontos, os camponeses podiam utilizar pequenos barcos … mas a travessia normal fazia-se através de barcas de passagem pública.
… Em Janeiro de 1600: um barqueiro comprometeu-se a ter uma barca continuamente, desde manhã até às Avé Marias, em frente de Agua de Maias. Iria sair ao Porto de Mós … Uma barca de passagem, defronte da Conraria, encontramo-la documentada em 1624 … na foz do Ceira, existia outra muito mais movimentada … um barqueiro de passagem nas Carvalhosas. E mais acima, a importante barca de Palheiros, «passagem de Coimbra para a Beira Baixa» (sic), como se exprime a referida Descrição do Mondego. Este documento (de 1732?) assinala ainda «barcas de passagem» em Couços, Bogueira e Asna Brava.
A jusante, ao tempo da referida Descrição funcionavam outras travessias por meio de barcas. A partir de Água de Maias … havia barcas de passagem no Amial, Arzila e Pereira … ao longo do campo de S. Martinho de Árvore.
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 2 a 5, 7 a 6.
Nada mais natural pensar que a antiga estrada da Beira até á Portela tenha seguido um traçado que a atual decalca; o próprio terreno parece indicar esse lógico trajeto; e todavia não se deu isso.
… A estrada da Beira partia não da ponte mas da parte alta, da porta do Castelo … Passada a porta da fortaleza tinha-se logo abaixo ao lado direito o caminho que permitia voltar á cidade pela porta da Traição; à esquerda a estrada de Entremuros que levaria a Fonte Nova, de onde se tomaria para a porta Nova ou rua das Figueirinhas ou ainda se cortaria a norte para o Montarroio.
… Muito naturalmente o sítio, na parte mais plana, a do colo do monte, pedia um agregadozinho populacional. Ao lado direito, aonde vinha bater o muro da velha quinta dos crúzios, havia um, como hoje, em frente ao aqueduto. Prolongava-se mais que agora (e duma demolição recente ainda nos lembramos todos), fazendo uma correnteza de casas, tendo só encostadas aos arcos e em frente portanto das outras umas duas ou três.
Tinha para o lado da Penitenciária a modesta capela de S. Martinho, e em ponto levemente anterior o oratório do Santo Cristo das Maleitas, transformação dum cruzeiro de caminho.
Era este o fatal bairro popular que precedia a entrada das cidades fortificadas. Tabernas, pequenos negócios, gente sem eira nem beira, vivendo em tugúrios e pronta a qualquer serviço humilde, a alombar todos os carregos, a encarregar-se de qualquer recado, tudo isso aí ficaria.
Sigamos o caminho, passando sob o arco principal, pois que a topografia foi modificada com o muro do jardim botânico. Era aqui o ladeirento e pequeno campo de Santa Ana, com o chafariz, donde seguia o caminho de Celas e cortava o da Beira para o novo bairrozinho, o de S. José, tirando o nome do colégio conventual de S. José dos Marianos (hospital militar).
… Começava a descida e, à capela de Santo Antoninho dos porcos (pois que ali se fazia o mercado deles) passava o caminho pelo desvio angular que ainda ali se vê, para depois se meter pela ladeira calçada das Alpenduradas.
No fundo da descida, depois do mercado e das traseiras da fábrica, atingindo o vale, encontrava-se, como hoje, o começo do bairro do Calhabé e que se continuava esgarçadamente até perto da passagem de nível, sítio este aonde todos nós conhecemos umas casa baixas. Numa destas parece que viveu o velho Calhabé, prazenteiro e bebedor, mas que fora homem de representação.
Já outrora ninguém pensaria que ainda fosse cidade o Calhabé, bem ao contrário do que os justos fados talharam e que começa a realizar-se: o Calhabé ser a cidade e Coimbra um pobre bairro do mesmo Calhabé!
Podia-se descansar um pouco que uma nova ladeira esperava o caminhante. Lentamente subia-se á Portela da Cobiça. Lançado um último olhar à cidade afastada, transposto o colo, caminhava-se pelo vale transverso até ao rio, que depois se ia acompanhando para cima das Torres. Em frente aos Palheiros esperava-se que a barca do concelho viesse da outra margem e nos transportasse.
A cidade, aonde ficava ela!
… Lá seguiriam os viandantes, pelo cume, até Carvalho. Por Poiares, Almas da Serra, (S. Pedro Dias) iriam cair na Ponte de Mucela, aonde buscariam agasalho conforme a sua bolsa.
A serra máxima, a da Estrela do pastor, esperava-os.
Gonçalves, A. N. 1952. Antigos Caminhos e Pequenos Bairros a Nascente da Cidade. In Diário de Coimbra, edição de 25.12.1951
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