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Illustração Portugueza, 3, Primeiro semestre, 2.ª série, p. 85
Do século XII, a croça do báculo de S. Bernar¬do, em cobre dourado, e o belo cálice românico que na orla da base tem a legenda: «Geda Menendiz me fecit in onorem sci michaelis e MCLXXXX»;
Cálice românico
Do século XIV, o relicário de coral e prata, a imagem da Virgem com o Menino ao colo e a cruz de ágata, objetos que pertenceram á Rainha Santa, e todos eles marcados com as armas de Portugal e de Aragão;
Relicário de coral e prata que pertenceu à Rainha Santa
Do século XV, a grandiosa cruz processional cuja reprodução acompanha estas linhas;
Cruz processional
Do século XVI, a custódia tão sumptuosamente decorativa de D. Jorge d'Almeida, uma caldeirinha de prata com o brasão do mesmo Prelado, uma riquíssima coleção de cálices, e a bacia e gomil também aqui reproduzidos em gravura; do século XVII, a grande custódia e a cruz-relicário do Bispo D. João Manuel, o relicário de Santa Comba e uma grande cruz de azeviche; finalmente, do século XVIII, o jogo de sacras em prata e lápis-lazúli.
Na secção dos paramentos, figura, em primeiro lugar, a capa da abadessa de Lorvão, com sebastos soberbamente bordados, e na das tapeçarias um pano flamengo, representando Marte o Vénus surpreendidos por Vulcano, e uma alcatifa persa, em seda, verdadeira maravilha de brilho e cor.
Referindo-se ao Tesouro da Sé, escrevia há meses o sr. Joaquim de Vasconcelos: «Quem subscreve «estas linhas teve ensejo de visitar repetidas vezes os museus capitulares de alguns dos cabidos mais ricos da Europa; pode comparar sem prevenções e julgar do valor das obras expostas por experiência própria e por algum estudo, adquirido durante longos anos de pacientes investigações; não hesita, contudo, em afirmar que o Museu de Coimbra rivaliza com os mais opulentos».
O mesmo ilustre crítico escrevera também na «Arte e Natureza em Portugal»: «A criação do Museu é um exemplo preclaro, dado aos restantes prelados portugueses, que podem e devem abrir, os tesouros das catedrais ao estudo. O senhor Bispo-Conde soube achar em Coimbra o artista erudito, competente para a difícil obra da Sé Velha. Temos fé que encontrará, sem sair de Coimbra, o arqueólogo sagaz e bem informado, que deve inventariar num índice impresso, luminoso, manuseável o barato as incomparáveis riquezas do museu diocesano».
Castro, E. O Thesouro da Sé de Coimbra. In Illustração Portugueza, 3, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 84-87.
Illustração Portugueza, 3, Primeiro semestre, 2.ª série, p. 86
A primitiva instalação constava apenas de duas salas: na primeira, estavam as tapeçarias e os paramentos; na segunda, as peças de ouro e prata.
Capa da Abadessa de Lorvão
No entanto os últimos conventos iam acabando, e, à proporção que acabavam, ia a coleção crescendo. Não sem o obstáculo de alguns respeitáveis pedregulhos, cuja remoção não foi das mais fáceis, de Lorvão, de Semide, de Santa Clara, de Tentúgal e de Vila Pouca vinha correndo para o Tesouro da Sé uma rutilante enxurrada de alfaias preciosas, relicários, cibórios, turíbulos, cálices, gomis, frontais e dalmáticas, numa estranha confusão em que o ouro, a prata, as pedrarias e os esmaltes se misturavam com o veludo, a seda, a tartaruga, o coral e a malaquite.
Exposição de vários objetos religiosos
A acumulação tornara-se excessiva. Ousadamen¬te, se rasgou en¬tão uma ampla galeria contigua às duas salas, e ao longo dela se dispuseram, em vitrines, os objetos mais preciosos. Entro estes, alguns há que lu¬ziriam como estrelas de primeira grandeza nos mais ricos museus do estrangeiro. Dadas as di¬mensões naturalmente estabelecidas para este ar¬tigo, apenas mencionarei as peças mais notáveis pe¬la beleza e pelo valor histórico.
Castro, E. O Thesouro da Sé de Coimbra. In Illustração Portugueza, 3, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 84-87.
Um leitor do blogue A’Cerca de Coimbra questionou-me acerca do edifício onde atualmente funciona a Administração Regional de Saúde do Centro. Indagando, consegui reunir algumas informações relacionadas com o mesmo.
Elemento destacado no largo de São João, a que se junta a fachada da igreja de São João de Almedina, o paço episcopal é digno de referência em diferentes autores nos finais do século XIX, que enaltecem a sua qualidade estilística maioritariamente assente no período maneirista. No «Roteiro Illustrado do Viajante em Coimbra», publicado nos finais de 1894 António Augusto Gonçalves … aponta os efeitos negativos de uma «moderna e insensata renovação do lanço norte», e aponta [o] preocupante estado de conservação do edifício, aludindo-o nos seguintes termos «O palácio está em ruína; parte do interior inhabitavel e a reforma é instante»
Paço episcopal, fotografia do Álbum de Jorge Oliveira
A presente citação de Gonçalves revela uma alusão, ainda que de modo subtil, às vicissitudes do recinto nos finais de oitocentos, alvo de uma polémica reforma que marcou de forma irreversível o bloco norte do paço episcopal. A referida centúria trouxe períodos conturbados ao referido edifício … Após a saída de D. Joaquim de Nossa Senhora da Nazaré, a 7 de Maio de 1834, a residência episcopal sofreu as intempéries de um espaço desocupado, como mais tarde historiou António de Vasconcelos: «A soldadesca e a populaça invadiram o paço episcopal desabitado, e principiaram a roubar e a estragar tudo, arrombando portas, escalando janelas, etc.
Paço episcopal. Finais do XIX
… O Estado tomou posse do imóvel … e um regimento de cavalaria chegou a usufruir dos seus espaços até aos primeiros anos da década de 1850, época em que a mitra voltou aos antigos aposentos, através dos esforços levados a cabo pelo bispo D. Manuel Bento Rodrigues da Silva.
D. Manuel Correia de Bastos Pina
No início da vigência do prelado D. Manuel Correia de Bastos Pina foi tomada a decisão de desocupar o palácio episcopal e reconstruir um novo edifício, destinado às mesmas funções, nas proximidades do mosteiro de Santa Ana. Esta solução apresenta-se no periódico «O Conimbricense», a 21 de outubro de 1873, como uma ideia salutar. Adjetivando o paço de «indecoroso pelo estado em que encontra».
… No mesmo sentido, foi levada a cabo uma proposta de lei, apresentada, a 20 de fevereiro de 1874, pelo governo à câmara dos deputados, consentindo ao prelado diocesano a venda do velho paço episcopal e a aplicação dos lucros obtidos nas expensas necessárias à edificação do novo.
… A edificação do novo edifício na cerca do mosteiro de Santa Ana iniciou-se nos finais da década de 1870, a partir de um projeto de Matias Cipriano Pereira Heitor de Macedo. A constante paragem das obras por falta de verba e o desagrado de D. Manuel Correia de Bastos Pina em relação a diversos aspetos do plano (1) levaram à desistência por parte do antístite, da ocupação do novo paço e, mais tarde, à consequente reconversão deste, sob expensas do Estado, no intuito de albergar um hospital para coléricos.
Edifício da Administração Regional de Saúde do Centro. Fachada principal
Nos dias-de-hoje são visíveis as marcas da função original, através das insígnias do citado bispo insculpidas no frontão triangular da fachada principal do edifício que alberga a Administração Regional de Saúde do Centro.
Edifício da Administração Regional de Saúde do Centro. Fachada principal, frontão com as armas epicopais de D. Manuel Correia de Bastos Pina
XXX
Porque o governo se tinha apoderado do paço episcopal, que viria a ser ocupado como museu, foi no seminário que se instalou o prelado quando, no final de 1912, voltou a Coimbra.
Residência episcopal no Seminário de Coimbra
(1) Segundo Milton Pedro Dias Pacheco, «Paira ainda hoje na memória dos eclesiásticos diocesanos … que Dom Manuel recusara o edifício por um simples motivo: o facto de lhe ter sido sempre negada a participação na traça arquitetónica do edifício, principalmente na organização interna das várias dependências e que viria a culminar na inadequação para receber os vários serviços da chancelaria episcopal.»
Freitas, D.M.R. 2014. Memorial de um complexo arquitectónico enquanto espaço museológico: Museu Machado de Castro (1911-1965). Tese de doutoramento em Letras, área de História … apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Vol. I, pg. 208-210 [policopiado]
Ramos, A.J. 1995. O Bispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina. Dissertatio ad Doctoratum in Facultate Historiae Ecclesiasticae. Ponttificiae Universitatis Gregorianae. Coimbra, Gráfica de Coimbra
Nota: Temos memória de neste edifício ter funcionado, durante muitos anos a Maternidade dos HUC e, posteriormente, o serviço de Ortopedia e simultaneamente ou posteriormente, algumas outras enfermarias, uma das quais a de Urologia.
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