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Foi com esta maneira de trajar que as Tricanas se apresentavam nas tradicionais fogueiras do Romal, da rua do Borralho, de Santa Clara e da Arregaça. Esse modelo foi aproveitado em pinturas, telas e cartões, e aberto na pedra por muitos artistas.
Há também o trajo referido no livro - «Cartas duma tricana» - do distinto advogado e escritor, Herlander Ribeiro, referente ao período de 1903 a 1908, assim descrito: - «saias pretas de barras de seda, meias de algodão em branco, chinela de verniz, blusas brancas e cor de rosa, de setineta, na cabeça lenços de tonalidades berrantes».
Ainda o sr. Dr. Vergílio Correia, em «Coimbra e arredores», 1939, … refere a Tricana nestes termos: «Terra de estudantes e tricanas costumam chamar a Coimbra. Se os estudantes persistem, as tricanas citadinas não aparecem senão em reconstituições literárias ou em festivais. A mulher da cidade veste-se atualmente segundo as modas correntes na classe a que pertence; mas cobrindo o busto airoso como xaile fino, e diademando a cabeça com a coifa negra, ou a mantilha, sabe distinguir-se entre todas pela elegância comedida das atitudes. A mulher dos arrabaldes conserva as suas saias de pregas, rodadas, os corpetes justos, o xaile traçado sobre o ombro, o lenço caído, elementos valorizadores da sua mobilidade desperta e da graça rítmica de movimentos, acorde com a paisagem e planura.
Op. cit., pg, 578
Assim, é que Mestre Quim Martins, o notável arqueólogo, crítico de arte e saudoso jornalista, já encontra a Tricana em Sexta-feira de Paixão:
- «O lenço de seda, branco enrolar de lírio, cai sobre o xaile preto retesado nos ombros delgados, puxados para diante, sobre o peito fraco, como duas asas. Adiante do cruzamento do chale cai a finura da sua mão talhada em mármore, branca como a cera, afilada como uma pétala de flor».
Rafael Salinas Calado, no seu livro - «Memórias de um estudante de Direito», no capítulo «Tricanas», indicando que ninguém definiu, com mais admiração, a donzela pobre de Coimbra que o «Quim Martins», escreve:
«Esguia, formas graciosas, estilizada, pé pequenino, de tamanquinha ou sapato de verniz, artelho fino, a saia caindo em pregas airosas, o xaile de merino cingido aos ombros delicados e ao corpo de sonho, o lencinho de seda preto deixando ver o seu rosto de delicado contorno de bandós negros, olhos grandes sonhadores e espirituosos, narizinho às vezes arrebitado, boca de maravilha sobrepujada da «ligeira penugem do pêssego a amadurecer», era, assim, a tricana de Coimbra».
Op. cit, og, 611
A forma de vestir que se encontra apontada no capítulo desse livro, revela a progressão do trajo das moças desta cidade.
Ao lenço de ramagem substitui-se o de seda e por último a mantilha.
Rocha Madail, bibliógrafo e publicista muito ilustre, no precioso livro «Alguns aspetos do trajo popular na Beira-Litoral», descreve também a Tricana, e transcreve do etnógrafo Luís Chaves estes belos períodos: «A Tricana é a mulher dos campos e baixas do Mondego inferior;
Op. cit., pg, 600
o seu tipo taful concentra-se em Coimbra, a cidade santa de todo o ribeirinho mondeguenho. Está afeita a todos os trabalhos dos campos, pelos arrozais, nas hortas, onde trabalha corno um homem a par dos homens, ora cavando, ora ceifando, ora tirando com movimentos rítmicos a água dos poços baixos com os engenhos primitivos de pau, que surgem de todos os lados, no meio das terras rasas, um aqui, dois acolá, como pernaltas de bico em riste, à espera do peixe que passe...
«Galantes, rápidas, saia curta, amarrada às coxas pela cinta que as enleia com arregaçá-las; camisota leve, de mangas a descobrir-lhes os braços, torneados pelo trabalho; o lenço na cabeça arrochado em nó sobre a nuca ou sobre o cocuruto, arrecadas pendentes das orelhas, elas tudo correm, em toda a parte as vemos; os pés, espalmados, quase não tocam no chão; cantam e riem; sobre o ombro traçam o chale que cruza o peito e a custo cobre as costas, deixando-lhes livres os braços no ritmo da marcha.
Op. cit., pg. 614
Em Coimbra enchem as margens dos rios, metidas na água como ninfas do Mondego.
Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0
Orgulhoso e altaneiro, bem cioso dos direitos que representa, o pelourinho não desvenda com facilidade a sua origem, mas verificamos que a sua existência se estendeu a toda a Europa ocidental, cronologicamente até à implantação das ideias liberais e que, nalguns países, ultrapassou mesmo esta época. Sabemos também que atravessou os mares e se implantou no Novo Mundo por influência de portugueses, espanhóis e ingleses.
Herculano pretende ver a sua origem associada ao direito itálico (jus italicum) que consignava uma total organização municipal e permitia levantar no forum a estátua de Marsyas ou de Sileno com a mão erguida, símbolo da liberdade burguesa.
Pinho Leal, filia a origem destes monumentos na columna moenia, colocada pelo cônsul romano Moenio na praça, isto é, no forum que se estendia frente à sua casa, onde se realizavam os julgamentos feitos pelos magistrados (triumviros), se aplicavam os castigos públicos e se faziam as festas populares.
Teófilo Braga vê no pelourinho a representação do Genius Loci romano, patrono da independência municipal.
Luís Chaves filia o aparecimento do pelourinho na antiga imagem do poste pessoal ou coletivo de um clã, de um povoamento ou de um agrupamento religioso.
Mas a sua origem, provavelmente, tem de se ir buscar em tempos ainda mais recuados.
Todas as picotas, mais ou menos esbeltas, mais ou menos ricas na sua decoração, têm um elemento comum: a coluna.
… Monsenhor Nunes Pereira, nos idos de Quarenta, escrevia que os pelourinhos “testemunham a autonomia (jurisdicional, digo eu) que a terra goza ou gozou noutros tempos. Devem ser estimados, conservados e reconstituídos onde isso possa fazer-se”.
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O pelourinho de Coimbra transferiu-se do adro da Sé Velha, onde se encontrava junto à Casa do "Vodo" (casa da audiência da Câmara que se erguia frente à igreja da Sé [Velha] para a praça do Comércio nos finais do século XV (1498).
Retirado deste lugar, deslocou-se para o Largo da Portagem (1611), tendo então sido adaptado a fontanário. Aí permaneceu até 1836, ano em que o desmontaram e armazenaram até 1894.
Grimpa do pelourinho de Coimbra, original
Do original resta apenas a grimpa, conservada no acervo do Museu Nacional de Machado de Castro.
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Da sua reconstrução, ocorrida nos anos oitenta do século passado, posso dar testemunho.
Eu era, ao tempo, Chefe de Serviços de Turismo aos quais estava adstrito o Gabinete de Salvaguarda do Património, de que era responsável o arquiteto António José Monteiro.
Tendo sido determinado pelo então Presidente da Câmara, Dr. Mendes Silva, a recuperação da Praça do Comércio, na altura mais conhecida por Praça Velha, entendeu-se reinstalar ali uma reconstituição do Pelourinho, até porque ele, outrora, já estivera erguido naquele local.
Pelourinho de Coimbra na Portagem
Baseado em desenhos que se pensam ser fidedignos, o arquiteto António José Monteiro riscou uma proposta reconstrutiva e o saudoso Mestre Pompeu Aroso bateu as partes metálicas, copiando-as do original, existente no Museu Machado de Castro.
Pelourinho de Coimbra reconstituição
Praça Velha com reconstituição do pelourinho
Bibliografia
. Anacleto, R. 2008. Para que servem os pelourinhos? Conferência proferida nas I Jornadas de História local, Pampilhosa da Serra. Auditório Municipal, 2008.04.10 e 2008.04.11.
. Malafaia, E.B.A. 1997. Pelourinhos portugueses. Tentâmen de inventário geral. Col. Presenças de Imagens. Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda.
. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pelourinho_de_Coimbra. Acedido em 2018.07.17
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