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Depois da guerra de 1914-1918, começou a desenvolver-se, um pouco por todo o país, o culto aos Mortos da Grande Guerra. As entidades responsáveis determinaram que, numa grande manifestação nacional, fossem trasladados para o Mosteiro da Batalha, os restos de um desses heróis.
Em Coimbra, e mais concretamente no Quartel General, despontou um movimento no sentido de ser colocado um lampadário condigno na Casa do Capítulo batalhino, junto do sarcófago que deve guardar os despojos do soldado desconhecido. Para concretizar esta ideia, foi aberta uma subscrição, que, num primeiro momento se pensava estender a todas as unidades militares do país, mas, posteriormente, se limitou à contribuição dos oficiais, sargentos e praças da 5.ª divisão do Exército, com sede em Coimbra.
Desde logo ficou assente que o candelabro, mais tarde denominado “Chama da Pátria”, fosse executado por Lourenço Chaves de Almeida, que até era militar. Entretanto, uma comissão composta de oficiais do exército pertencentes às várias unidades desta cidade, procurou António Augusto Gonçalves para lhe pedir que desenhasse a peça.
“Chama da Pátria”
“Chama da Pátria”. Pormenor
O lampadário, de ferro forjado, utilizou o estilo gótico e mede 1,80 m de altura; foi exposto ao público no átrio da Câmara Municipal de Coimbra, aquando do II congresso Beirão. Na cerimónia, em que estiveram presentes numerosas senhoras, autoridades, académicos, professores e uma enorme multidão, proferiram-se discursos patrióticos e foram elogiados Chaves de Almeida e António Augusto Gonçalves. Antes de ir para a Batalha, por deliberação do governo, foi exposto, primeiro, em Lisboa e depois, em Viana do Castelo, na altura em que ia ser imposta a Cruz de Guerra à bandeira que a França oferecera à brigada do Minho. O lampadário ocupou o seu lugar no Mosteiro de Santa Maria da Victória no dia 28 de junho, data da assinatura do tratado de paz.
“Chama da Pátria” na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha
O Presidente da Comissão Administrativa do município de Coimbra, em 1930, encomendou ao “ferreiro”, a fim de ser colocado no salão nobre, um candelabro de 30 luzes; data, também, desse ano a execução de um candelabro para a casa do Dr. Ângelo da Fonseca.
Lustre destinado ao Salão nobre da Câmara Municipal de Coimbra
Em 1938, em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes esteve patente uma exposição de ferros de arte de Lourenço Chaves de Almeida, homem que trabalhava em Coimbra há quarenta anos, sendo, por isso, justo considerá-lo um artista conimbricense. A mostra, antes de encerrar, recebeu a honrosa visita do então Presidente da República, António Óscar de Fragoso Carmona.
Lustre encomendado pelo Dr. Bissaia Barreto
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.
Começo por mencionar Lourenço Chaves de Almeida que nasceu no lugar e freguesia de Santa Maria de Almacave (Lamego), em 1876. Pertencia a uma família de artistas, pois um seu bisavô era canteiro; o avô materno, entalhador; o avô paterno e o pai, serralheiros. Em outubro de 1897, a seu pedido e porque era sargento espingardeiro, foi transferido do Regimento de Infantaria 13, com sede em Lamego, para o 23, que ocupava, em Coimbra, o antigo convento de Sant’Ana.
Lourenço Chaves de Almeida
Depois de se fixar nesta cidade, ele que era serralheiro artífice, conviveu com os artistas e fez-se amigo de João Machado, tendo começado a aprender modelação na sua oficina. Entretanto, com a reabertura da Escola Livre, em 1904, passou aí a ser discípulo de Mestre Gonçalves e, posteriormente, frequentou a Escola Industrial, onde foi aluno do arquiteto Silva Pinto, de Pereira Dias (professor de desenho ornamental) e do próprio Gonçalves. Quando morreu, no dia 15 de dezembro de 1952, tinha 76 anos e morava no Tovim de Baixo.
É com os ferros do fogão da casa dos Patudos, que Chaves inicia a sua carreira. O gótico, o manuelino, o renascimento, o rococó, não tinham segredos para o forjador. O artista apresentou, como referi, as ferragens (suporte, tenaz e pá), correspondentes ao fogão executado por João Machado para o palacete de José Relvas. Tratava-se de uma obra para ser admirada “pela elegancia nervosa com que foi concebida e executada, torcendo e levantando o ferro com o cuidado delicado de um ourives”. Os ferros do fogão “poder-se-iam fazer com o mesmo desenho em prata martelada, sem necessitar mais elegância no desenho, mais delicadeza na execução”.
Ferragens para a chaminé do palacete de José Relvas
Anos mais tarde, em 1919, D. Genoveva de Lima Mayer Ulrich, de Lisboa, encomendou-lhe um candelabro, executado de acordo com o gosto pompeiano. Ignoro o lugar onde a peça foi exposta depois de concluída, mas um periódico da terra insurge-se contra o sítio escolhido escrevendo ser “um atentado ao bom gosto ir expor um candelabro artístico, onde há arte, onde há paciência, onde se patenteia o sentimento do Belo, num encadrement de correias e freios para cavalos ou jarras artísticas emolduradas em caixas de charutos e anúncios de canetas de tinta permanente” e tece considerações acerca da obrigação dos artistas exporem as suas obras num local adequado.
Candelabro pompeiano. Encomenda de Veva de Lima
No ano seguinte, a mesma senhora, que era casada com um diplomata e usava o nome artístico de Veva de Lima, encomendou a Chaves de Almeida uma segunda obra de vulto, uma braseira, que seguiu o mesmo gosto estilístico da peça anterior. Mas, desta vez, o artista que “quando acaba as pernas de gazela que servem de apoio à braseira, quando abre borboletas e grinaldas, recurva volutas graciosas ou cinzela quimeras que são produções de mestre, não esquece que o material que tem de dominar é o ferro” auferiu uma dupla consagração, porque o trabalho foi mostrado aos conimbricenses na sala romana do Museu Machado de Castro e, depois, em Lisboa, seria exposto pelos encomendantes “que assim lhe queriam dar uma prova de admiração”.
Braseira pompeiana. Encomenda de Veva de Lima
Em 1924, a mesma sala romana do Museu Machado de Castro abre-se novamente para apresentar o chamado Lectus, obra em ferro forjado que Chaves de Almeida bateu também para Veva de Lima. Esta peça é uma verdadeira joia de ferro, “que tanto honra o nome [do artista] e que nos enche de orgulho por ser executada em Coimbra, terra de arte, graça e beleza!”. Juntamente com o canapé expôs um lampadário que se destinava à cripta funerária do Doutor António de Vasconcellos, em S. Paio de Gramaços.
Lectus pompeiano. Encomenda de Veva de Lima
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.
Os artistas conimbricenses do ferro iam batendo as mais diversas peças, trabalhando quase sempre isoladamente, mas expondo-as coletiva ou individualmente, tanto em mostras locais, como nacionais; contudo, quando elaboravam algum artefacto mais requintado, não se eximiam de o apresentar no Museu Machado de Castro, na Faculdade de Letras, ou na montra de algum estabelecimento comercial da Calçada.
Uma, talvez a primeira grande apresentação pública dos seus trabalhos fora da cidade, aconteceu em 1905, na exposição que o Grémio Artístico ou a Sociedade Nacional de Belas-Artes (as fontes divergem) anualmente realizava em Lisboa. Estiveram aí presentes trabalhos de Daniel Rodrigues, de Lourenço Chaves de Almeida, de Manuel Pedro de Jesus, de António Craveiro e de António Maria da Conceição.
António Craveiro. Porta de jazigo
Pode ficar-se com uma ideia desta mostra através da leitura do artigo que Quim Martins publicou, em 1906, na “Illustração Portugueza”.
A Resistencia, por seu turno, informa que Chaves de Almeida expôs as ferragens (tenaz, suporte e pá) que se destinavam a fazer conjunto com um fogão que João Machado esculpira para a casa de José Relvas, em Alpiarça. “As peças foram batidas em estilo renascença e o ferro está torcido como o dos pequenos balaústres que essa arte requintada deixou espalhada por palácios e jardins de Coimbra. A obra foi feita segundo um croquis de António Augusto Gonçalves, como os ele sabe fazer, apontamento ligeiro destinado apenas a sugerir, a excitar a actividade criadora dos seus discípulos. Os dois monstros que o enfeitam estão poderosamente martelados e esculpidos em ferro. Toda a obra revela excepcionais aptidões para a arte de trabalhar o ferro que, depois do período atormentado do ferro fundido, hoje renasce por toda a parte”.
Chaves de Almeida. Ferros para uma chaminé da Casa dos Patudos
Mas, a primeira obra coletiva de vulto surgiu quando foi necessário dar resposta aos trabalhos de ferro, destinados ao edifício da Faculdade de Letras, que havia sido projetado, em 1913, pelo arquiteto António Augusto da Silva Pinto.
Faculdade de Letras projetada pelo arquiteto António Augusto da Silva Pinto
Um pouco estranhamente, ou talvez não (a falta de dinheiro pode ser uma das explicações viáveis), só em 1927 vieram a ser assentes, na fachada principal do edifício, os grandes portões de ferro forjado, obra dos artistas Manuel Pedro de Jesus, António Maria da Conceição (Rato), Daniel Rodrigues, Albertino Marques. A direção do trabalho e o desenho dos portões é da responsabilidade de Silva Pinto.
Portão da antiga Faculdade de Letras sem a bandeira
Aliás, a Faculdade de Letras, pode bem dizer-se, manteve uma avença com o ferro forjado, porque, dois anos antes, em 1925, Albertino Marques tinha em mãos uma grade que se destinava àquela casa e em 1928 e 1929 executou quatro artísticos candelabros para serem colocados na escadaria, bem como dois monumentais tocheiros, pesando, cada um 70 quilos e medindo 1,80 metros, para o vestíbulo. Além disso, no mesmo estilo dos candelabros, também com desenho e sob a orientação de Silva Pinto, bateu dois portões de ferro forjado para a entrada do museu da Faculdade. Numa linha mais prosaica e utilitária, foi entregue a mestre Albertino a feitura de 39 metros de estantes de ferro.
Portão da antiga Faculdade de Letras. Pormenor
Mas as encomendas da Faculdade de Letras não se ficaram por aqui, pois em 1930, nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques estavam a executar-se umas artísticas ferragens para a porta do salão nobre do edifício e seis anos depois aquele imóvel ia ser rodeado com uma grade de ferro, cuja execução fora confiada a Albertino Marques, a Daniel Rodrigues e a Jesus Cardoso.
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.
A serralharia artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, na intimidade Mestre Gonçalves e Mestre Quim Martins, como lhe chamava a plêiade de artistas do ferro que foram seus discípulos: António Maria da Conceição (Rato), Albertino Marques, António Craveiro, Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, José Domingues Baptista e Filhos, José Pompeu Aroso, e tantos outros. Das mãos dos ‘ferreiros’ saíram obras notáveis, capazes de marcar o ressurgimento daquela arte rude e maravilhosa que, em Coimbra, a partir de meados do século XIX, tanto tinha decaído, limitando-se, a bem dizer, ao fabrico de camas e de lavatórios, como se verificou na exposição, realizada em 1869, no salão da Associação dos Artistas.
Joaquim Martins Teixeira de Carvalho
Nesse renascimento, para além dos citados Gonçalves e Quim Martins, podem ainda referir-se os nomes de Manuel Pedro de Jesus e de João Augusto Machado, este também a tentar o ferro e o primeiro que, a partir de certo momento, lhe dedicou todo o seu saber e criatividade; por isso, os podemos apelidar de precursores da serralharia artística aeminiense.
A Câmara Municipal, logo em 1903, entendendo que devia encorajar a nova indústria, abriu concurso para a construção de um coreto destinado a ser colocado no novo Passeio Público que se iniciava no Largo das Ameias. Manuel José da Costa Soares, o artista que emprestara os utensílios a João Machado e o ensinara a bater o ferro, concorreu, a par com algumas firmas industriais sediadas no Porto.
Coreto no Passeio Público
Costa Soares era dono de uma alquilaria, sita à Rua da Sofia, na inacabada igreja de S. Domingos, onde, ao fundo, um pouco afastado da entrada, montara a forja. Mas os seus trabalhos de ferro já eram conhecidos, porque foi ele que arrematou a parte metálica do então Teatro-Circo e também é da sua autoria a cúpula metálica da Penitenciária, feita em 1887.
A comissão nomeada para apreciar as propostas que haviam sido apresentadas acabou por dar o seu aval à do referido industrial, porque, para além do mais, o seu projeto não era uma obra de catálogo, de fabrico em série, mas tratava-se de uma construção inédita. Contudo, foi “o modesto artista sr. João Gaspar, que na officina do sr. Manoel José da Costa Soares forjou as peças do corêto que a camara municipal mandou construir na Avenida Emygdio Navarro”.
Coreto. Manuel José da Costa Soares com desenho de Silva Pinto
A estrutura, posteriormente transferida para o Parque Dr. Manuel Braga, foi adjudicada a 18 de fevereiro do ano seguinte, e sabe-se, apenas através do que se encontra escrito em jornais publicados na cidade, que o arquiteto Silva Pinto, “um dos mais calorosos apóstolos do novo culto”, executara o seu desenho e que a edilidade tinha todo o interesse em entregar a obra a um artista da cidade, porque podia, deste modo, implementar a indústria nascente.
O coreto depois de transferido para a Parque Dr. Manuel Braga
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.
O arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto aderiu mais tarde a este movimento, mas nem por isso deixou de, ao longo dos tempos, o impulsionar ativamente; nascido em Lisboa, depois de ter sido professor na Escola Superior de Belas-Artes deslocou-se a França, a fim de aí aprofundar os seus conhecimentos. Regressou em 1895 e radicou-se em Coimbra, terra que adotou como sua e onde, para além de ter sido diretor e professor da Escola Industrial Brotero e de ter colaborado com a Escola Livre das Artes do Desenho, deixou numerosos trabalhos, alguns deles também relacionados com a arte do ferro.
Augusto de Carvalho da Silva Pinto
António Augusto Gonçalves entregou-se ao ressurgimento do trabalho em ferro com o mesmo fanatismo que lhe era reconhecido no respeitante às outras artes e “encontrando” em Manuel Pedro de Jesus que, por volta de 1900, já era sócio da Escola Livre, aptidões excecionais para a serralharia decorativa, incentivou-o a trabalhar nesse campo. O artista foi contemporâneo e comparticipante, com João Machado, no desenvolvimento e na afirmação, em Coimbra, da arte do ferro forjado.
Quando finalmente, em 1907, na Escola Industrial Brotero, começaram a funcionar as oficinas de marcenaria e talha, de serralharia, de cerâmica e de formação, Manuel Pedro foi nomeado mestre da de serralharia, lugar que, em 1925, voltava a ocupar, sendo-lhe então reconhecida uma enorme competência e a capacidade de saber aliar a um profundo conhecimento prático da sua especialidade, a teoria necessária, para que o ensino resultasse profícuo e consistente.
Os serralheiros da Escola de Coimbra
Provavelmente, Manuel Pedro não se manteve ininterruptamente à frente da oficina de serralharia da Escola Industrial Brotero desde 1907 até depois de 1925, porque se sabe que, em 1914, foi exonerado, a seu pedido, do lugar de mestre da referida oficina António Maria da Conceição “que, enquanto ali esteve, desempenhou esse cargo de modo a merecer elogios de todo o professorado de referida Escola”.
A indústria contemporânea do ferro forjado renasceu em Coimbra com a nova centúria, viveu na cidade, mas espalhou-se por todo o país. Homens e mulheres de bom gosto e fartos meios económicos faziam as suas encomendas aos serralheiros do burgo, que também não eram esquecidos pelos arquitetos lisboetas e não só.
Adães Bermudes, arquiteto de Lisboa e engenheiro das construções escolares, em 1907, ao passar por Coimbra vindo de Viseu, demorou-se algumas horas para entregar os desenhos de umas varandas destinadas a decorar um grande prédio situado num dos mais concorridos lugares de Lisboa e que ele projetara, a fim de elas serem executadas, em ferro forjado, por quatro artistas desta cidade. O convite foi considerado uma honra e a encomenda devia importar em 1:400$00. As peças utilizam o estilo moderno e o ferro curva-se dando o recorte de animais em linhas elegantes, “formando uma renda de um desenho leve e cheio de espírito, sem perder a aparência de solidez que a natureza da matéria impõe como condição essencial”.
Arnaldo Redondo Adães Bermudes
A execução deste trabalho foi entregue aos artistas António Maria da Conceição, João Gomes, Lourenço de Almeida e Manuel Pedro de Jesus; em setembro desse mesmo ano a primeira remessa da tarefa já havia sido enviada e o redator do jornal Resistencia soubera “que o arquitecto ficara satisfeitíssimo com a obra dos serralheiros de Coimbra”.
O Noticias de Coimbra tecera algumas observações acerca dos trabalhos que Adães Bermudes encomendara àqueles artistas e o Resistencia transcreveu os comentários: “Além desta tarefa, destinada a um edifício em construção na Avenida D. Amélia [atual Almirante Reis], em Lisboa, também o mesmo arquitecto confiou ao sr. Alfredo Fernandes Costa a execução de um portão no estilo D. João V, para o palácio do conde de Agrolongo.
Palacete do Conde de Agrolongo. Imagem acedida em https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2016/11/palacete-do-conde-de-agrolongo.html
É com grande satisfação que tornamos públicas estas apreciações aos trabalhos dos nossos conterrâneos que tanto se têm dedicado pelo desenvolvimento da sua arte, deixando ganância para só honrarem os seus nomes de artistas e a sua terra”.
Raul Lino desenhava peças para eles forjarem; Álvaro Machado, quando viu, em Lisboa, a grade de um túmulo executada por Manuel Pedro de Jesus, teve esta expressão: "Mas como é que os serralheiros de Coimbra têm a liberdade para amoldar o ferro como desejam!?". Afirmação feita por um arquiteto de reconhecido mérito que, por si só, era suficiente para legitimar a competência dos serralheiros aeminienses.
Em 1928 o comissário geral representante, em Portugal, da exposição de Sevilha convidou os artistas conimbricenses ligados à serralharia artística para participarem na exposição com trabalhos no estilo D. João V.
Também na exposição que Raul Lino levou a efeito, em Coimbra, nas salas do Instituto, onde apresentou, entre projetos, anteprojetos, plantas, esboços, fotografias, etc., trinta e nove peças, foi feita referência a trabalhos “de distinctos artistas de Coimbra”, concretamente a João Machado, na escultura, e a Manuel Pedro de Jesus e a Lourenço Chaves de Almeida, no ferro forjado.
Raul Lino escolheu a cidade de Coimbra para expor os seus trabalhos, “de construção económica e em estilo português”, em virtude de se estar a programar o bairro do Penedo da Saudade, “onde ficariam muito bem prédios daquele tipo” e também porque “o meio artístico de Coimbra permit[ia] uma avaliação correcta da sua obra”.
Raul Lino
No entanto, para sobreviver, a arte do ferro não podia apenas contar com encomendas vultuosas, teria de se democratizar, como bem dizia o Dr. Quim Martins e, para tal, fazer com que se tornassem necessários os objetos mais simples e de uso corrente, manufaturados naquele metal. A par com os grandes candelabros, com os leitos pompeianos, com os portões da Faculdade de Letras ou do Palácio da Justiça, teriam de surgir as grades das varandas, os pequenos portões de jardins, as bandeiras das portas, as tabuletas de anúncios, os gradeamentos dos muros, os portais dos jazigos, as pequenas grades de campas, os puxadores das gavetas e as dobradiças das arcas. Realmente, a arte do ferro, democratizou-se, a indústria vingou e, para além das peças que ainda hoje ornamentam tantas casas e causam orgulho aos que as fruem, Coimbra passou a ser, como lhe chamou Vergílio Correia, a “cidade das grades”.
Avenida Dias da Silva. Grade de varanda
Largo João Paulo II. Casa dos Martas. Grade da bandeira da porta
Coimbra, “a cidade das grades”.
Ninguém podia imaginar que nas negras e mal apetrechadas serralharias de Coimbra, entre as labaredas rubras das suas forjas e o ruído dos malhos tirando chispas fulgurantes dos vagalhões candentes, existia, latente, à espera de a despertarem, essa força criadora que transforma o ferro duro e de aspeto indomável em peças de requintado gosto artístico.
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.
Nasceu no lugar e freguesia de Santa Maria de Almacave (Lamego), em 1876. Pertencia a uma família de artistas, pois um seu um bisavô era canteiro; o avô materno, entalhador; o avô paterno e o pai, serralheiros. Em Outubro de 1897, a seu pedido e porque era sargento espingardeiro, foi transferido do Regimento de Infantaria 13, com sede em Lamego, para o 23, que ocupava, em Coimbra, o antigo convento de Sant’Ana.
Depois de se fixar nesta cidade, ele que era serralheiro artífice, conviveu com os artistas e fez-se amigo de João Machado, tendo começado a aprender modelação na sua oficina.
Entretanto, com a reabertura da Escola Livre, em 1904, passou a ser discípulo de Mestre Gonçalves e, posteriormente, frequentou a Escola Industrial.
Quando morreu, no dia 15 de Dezembro de 1952, tinha 76 anos e morava no Tovim de Baixo.
É com os ferros do fogão da casa dos Patudos, que Chaves inicia a sua carreira. O gótico, o manuelino, o renascimento, o rococó, não tinham segredos para o forjador. O artista apresentou, como referi, as ferragens (suporte, tenaz e pá), correspondentes ao fogão executado por João Machado ... Tratava-se de uma obra para ser admirada “pela elegancia nervosa com que foi concebida e executada, torcendo e levantando o ferro com o cuidado delicado de um ourives”. Os ferros do fogão “poder-se-iam fazer com o mesmo desenho em prata martelada, sem necessitar mais elegância no desenho, mais delicadeza na execução” .
Anos mais tarde, em 1919 ... um candelabro, executado de acordo com o gosto pompeiano ... No ano seguinte ... uma segunda obra de vulto: agora tratava-se de uma braseira, que seguiu o mesmo gosto estilístico da peça anterior . Mas, desta vez, o artista auferiu uma dupla consagração, porque o trabalho foi mostrado aos conimbricenses na sala romana do Museu Machado de Castro e, depois, em Lisboa, seria exposto pelos possuidores das suas peças, “que assim lhe queriam dar uma prova de admiração”.
Em 1924, a mesma sala romana do Museu Machado de Castro abre-se novamente para apresentar o chamado Lectus, obra em ferro forjado ... Esta peça é uma verdadeira joia de ferro, “que tanto honra o nome [do artista] e que nos enche de orgulho por ser executada em Coimbra, terra de arte, graça e beleza!” . Juntamente com o canapé expôs um lampadário.
Depois da guerra de 14-18, começou a desenvolver-se, um pouco por todo o país, o culto aos Mortos da Grande Guerra. As entidades responsáveis determinaram que, numa grande manifestação nacional, fossem trasladados para o Mosteiro da Batalha, os restos de um desses heróis.
Em Coimbra, e mais concretamente no Quartel-general, despontou um movimento no sentido de ser colocado um lampadário condigno na casa do capítulo, junto do sarcófago que deve guardar os despojos do soldado desconhecido. Para concretizar esta ideia, foi aberta uma subscrição, que, num primeiro momento se pensava estender a todas as unidades militares do país, mas posteriormente limitada à contribuição dos oficiais, sargentos e praças da 5.ª divisão do Exército, com sede em Coimbra.
Lourenço de Almeida. Chama da Pátria (desenho de António Augusto Gonçalves)
Desde logo ficou assente que o lampadário, mais tarde denominado Chama da Pátria, fosse executado por Lourenço Chaves de Almeida, que até era militar.
O lampadário, que foi batido dentro do estilo gótico e mede 1,80 m de altura, foi exposto ao público no átrio da Câmara Municipal de Coimbra ... em Lisboa e depois, em Viana do Castelo, na altura em que ia ser imposta a Cruz de Guerra à bandeira que, em França, fora oferecida à brigada do Minho .
O lampadário seria colocado no Mosteiro de Santa Maria da Victória no dia 28 de Junho, data da assinatura do tratado de paz.
Seja-me ainda permitido referir, em 1930, a encomenda de um candelabro de 30 luzes, feita pelo presidente da Comissão Administrativa do município de Coimbra, a fim de ser colocado no salão nobre.
Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 21-25
Os artistas conimbricenses do ferro iam batendo as mais diversas peças, trabalhando quase sempre isoladamente, mas expondo-as coletiva ou individualmente, tanto em mostras locais, como nacionais; contudo, quando elaboravam algum artefacto mais requintado, não se eximiam de o apresentar no Museu Machado de Castro, na Faculdade de Letras, ou na montra de algum estabelecimento da Calçada.
Uma, talvez a primeira grande apresentação pública dos seus trabalhos fora da cidade, aconteceu em 1905, na exposição que o Grémio Artístico anualmente realizava em Lisboa. Estiveram aí presentes trabalhos de Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, António Craveiro e António Maria da Conceição.
Mas, a primeira obra coletiva de vulto surgiu quando foi necessário dar resposta aos trabalhos de ferro, destinados ao edifício da Faculdade de Letras ... em 1927 vieram a ser assentes, na fachada principal do edifício, os grandes portões de ferro forjado, obra dos artistas Manuel Pedro de Jesus, António Maria da Conceição (Rato), Daniel Rodrigues, Albertino Marques.
Albertino Marques. Portão da antiga Faculdade de Letras
Aliás, a Faculdade de Letras, pode bem dizer-se, manteve uma avença com o ferro forjado, porque, dois anos antes, em 1925, Albertino Marques tinha em mãos uma grade que se destinava àquela casa e em 1928 e 1929 executou quatro lindos e artísticos candelabros, para serem colocados na escadaria, bem como dois outros monumentais tocheiros que se destinavam ao vestíbulo. Além disso, no mesmo estilo dos candelabros, também com desenho e sob a orientação de Silva Pinto, bateu dois portões de ferro forjado para a entrada do museu da Faculdade.
E as encomendas da Faculdade de Letras não ficaram por aqui, pois em 1930, nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques estavam a executar-se umas artísticas ferragens para a porta do salão nobre do edifício e umas grades em estilo pombalino para as escadas do vestíbulo da reitoria. Anos mais tarde, em 1936, aquele imóvel ia ser revestido com uma grade de ferro, cuja execução fora confiada a Albertino Marques, a Daniel Rodrigues e a Jesus Cardoso.
Uma outra obra conjunta e de grande envergadura, a envolver quase todos os artistas mondeguinos do ferro, encontra-se relacionada com o edifício do Palácio da Justiça, a erguer-se na antiga e inacabada morada dos condes do Ameal.
Na sessão de 29 de Agosto de 1929, a Câmara Municipal de Coimbra apreciou um requerimento ... pedindo licença para proceder à vedação do Palácio da Justiça, com um muro e gradeamento. Mas, quase em simultâneo com o pedido, a imprensa noticiava que tinha sido aprovada a proposta conjunta dos serralheiros Lourenço Chaves de Almeida, António Maria da Conceição, Daniel Rodrigues, José Domingos Baptista e Albertino Marques, para a confeção de 106 metros de grade, 2 portões e várias pilastras destinadas à parte exterior das traseiras do imóvel.
Palácio da Justiça. Portão pormenor
... A vedação, que se andava a assentar em Agosto de 1930, é em ferro batido e a imprensa da época considerava-a como um dos mais artísticos trabalhos “que se têm executado nos últimos tempos em Coimbra, obedecendo à arquitetura do renascimento do século XVI, tão notável e abundante na nossa região e que tem servido de escola aos artistas contemporâneos” ... no ano seguinte (1931) Albertino Marques forjava, para o Palácio da Justiça, um novo portão em estilo renascença; concomitantemente, executava, no mesmo gosto, quatro candeeiros, destinados à iluminação do claustro superior ... para o salão nobre do tribunal, Albertino Marques e Daniel Rodrigues, coadjuvados por João Machado Júnior que modelou os bustos destinados a ser, posteriormente, executados em ferro forjado, bateram um lustre .
Conhecendo conclusão em fins de Junho de 1934, foram executados nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques quatro artísticos lampiões e as respetivas gárgulas de suporte.
Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 14-21
António Augusto Gonçalves entregou-se ao ressurgimento do trabalho em ferro com o mesmo fanatismo que lhe era reconhecido no respeitante às outras artes e “encontrando” em Manuel Pedro de Jesus que, por volta de 1900, já era sócio da Escola Livre, aptidões excecionais para a serralharia decorativa, incentivou-o a trabalhar nesse campo. Quando finalmente, em 1907, na Escola Industrial Brotero, começaram a funcionar as oficinas de marcenaria e talha, de serralharia, de cerâmica e de formação, Manuel Pedro foi nomeado mestre da de serralharia, lugar que, em 1925, voltava a ocupar, sendo-lhe então reconhecida uma enorme competência e a capacidade de saber aliar a um profundo conhecimento prático da sua especialidade, a teoria necessária, para que o ensino resultasse profícuo e consciente.
A indústria contemporânea do ferro forjado renasceu em Coimbra com a nova centúria, viveu na cidade, mas espalhou-se por todo o país. Homens e mulheres de bom gosto e fartos meios económicos faziam as suas encomendas aos serralheiros do burgo, que também não eram esquecidos pelos arquitetos lisboetas e não só. Adães Bermudes encomendou-lhes peças de ferro forjado para ornamentar edifícios saídos do seu lápis; Raul Lino desenhava peças para eles forjarem; Álvaro Machado louvou-os pelo trabalho executado e, em 1928, foram convidados a participar na exposição de Sevilha.
Também na exposição que Raul Lino levou a efeito nas salas do Instituto, onde apresentou, entre projetos, anteprojetos, plantas, esboços, fotografias, etc., trinta e nove peças, foi feita referência a trabalhos “de distinctos artistas de Coimbra”, concretamente a João Machado, na escultura, e a Manuel Pedro de Jesus e a Lourenço Chaves de Almeida, no ferro forjado.
Casa dos Patudos. Candelabro neogótico
... No entanto, para sobreviver, a arte do ferro não podia apenas contar com encomendas vultuosas, teria de se democratizar, como bem dizia o Dr. Quim Martins e, para tal, fazer com que se tornassem necessários os objetos mais simples e de uso corrente, manufaturados naquele metal.
A par com os grandes candelabros, com os leitos pompeianos, com os portões da Faculdade de Letras ou do Palácio da Justiça, teriam de surgir as grades das varandas, os pequenos portões de jardins, as bandeiras das portas, as tabuletas de anúncios, os gradeamentos dos muros, os portais dos jazigos, as pequenas grades de campas, os puxadores das gavetas e as dobradiças das arcas. Realmente, a arte do ferro, democratizou-se, a indústria vingou e, para além das peças que ainda hoje ornamentam tantas casas e causam orgulho aos que as fruem, Coimbra passou a ser a “cidade das grades”.
Ninguém podia imaginar que nas negras e mal apetrechadas serralharias de Coimbra, entre as labaredas rubras das suas forjas e o ruído dos malhos tirando chispas fulgurantes dos vagalhões candentes, existia, latente, à espera de a despertarem, essa força criadora que transforma o ferro duro e de aspeto indomável em peças de requintado gosto artístico.
A serralharia artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, na intimidade Mestre Gonçalves e Mestre Quim Martins, como lhe chamava a plêiade de artistas que foram seus discípulos: António Maria da Conceição (Rato), Albertino Marques, António Craveiro, Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, José Domingues Baptista e Filhos, José Pompeu Aroso, e tantos outros.
Daniel Rodrigues. Igreja de S. António porta
Das mãos dos ‘ferreiros’ saíram obras importantes, capazes de marcar o ressurgimento daquela arte rude e maravilhosa que, em Coimbra, a partir de meados do século XIX, tanto tinha decaído, limitando-se, a bem dizer, ao fabrico de camas e de lavatórios, como se verificou na exposição, realizada em 1869.
Nesse renascimento, para além dos dois mestres citados, podem ainda referir-se os nomes de Manuel Pedro de Jesus e de João Augusto Machado, este também a tentar o ferro e o ouro que, a partir de certo momento, lhe dedicou todo o ser saber e criatividade; por isso, foram precursores da serralharia artística de Coimbra.
Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 9-13
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