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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 13.04.17

Coimbra e as suas personalidades: Lourenço Chaves de Almeida

Nasceu no lugar e freguesia de Santa Maria de Almacave (Lamego), em 1876. Pertencia a uma família de artistas, pois um seu um bisavô era canteiro; o avô materno, entalhador; o avô paterno e o pai, serralheiros. Em Outubro de 1897, a seu pedido e porque era sargento espingardeiro, foi transferido do Regimento de Infantaria 13, com sede em Lamego, para o 23, que ocupava, em Coimbra, o antigo convento de Sant’Ana.

Depois de se fixar nesta cidade, ele que era serralheiro artífice, conviveu com os artistas e fez-se amigo de João Machado, tendo começado a aprender modelação na sua oficina.

Entretanto, com a reabertura da Escola Livre, em 1904, passou a ser discípulo de Mestre Gonçalves e, posteriormente, frequentou a Escola Industrial.

Quando morreu, no dia 15 de Dezembro de 1952, tinha 76 anos e morava no Tovim de Baixo.

É com os ferros do fogão da casa dos Patudos, que Chaves inicia a sua carreira. O gótico, o manuelino, o renascimento, o rococó, não tinham segredos para o forjador. O artista apresentou, como referi, as ferragens (suporte, tenaz e pá), correspondentes ao fogão executado por João Machado ... Tratava-se de uma obra para ser admirada “pela elegancia nervosa com que foi concebida e executada, torcendo e levantando o ferro com o cuidado delicado de um ourives”. Os ferros do fogão “poder-se-iam fazer com o mesmo desenho em prata martelada, sem necessitar mais elegância no desenho, mais delicadeza na execução” .

Anos mais tarde, em 1919 ... um candelabro, executado de acordo com o gosto pompeiano ... No ano seguinte ... uma segunda obra de vulto: agora tratava-se de uma braseira, que seguiu o mesmo gosto estilístico da peça anterior . Mas, desta vez, o artista auferiu uma dupla consagração, porque o trabalho foi mostrado aos conimbricenses na sala romana do Museu Machado de Castro e, depois, em Lisboa, seria exposto pelos possuidores das suas peças, “que assim lhe queriam dar uma prova de admiração”.

Em 1924, a mesma sala romana do Museu Machado de Castro abre-se novamente para apresentar o chamado Lectus, obra em ferro forjado ... Esta peça é uma verdadeira joia de ferro, “que tanto honra o nome [do artista] e que nos enche de orgulho por ser executada em Coimbra, terra de arte, graça e beleza!” . Juntamente com o canapé expôs um lampadário.

Depois da guerra de 14-18, começou a desenvolver-se, um pouco por todo o país, o culto aos Mortos da Grande Guerra. As entidades responsáveis determinaram que, numa grande manifestação nacional, fossem trasladados para o Mosteiro da Batalha, os restos de um desses heróis.

Em Coimbra, e mais concretamente no Quartel-general, despontou um movimento no sentido de ser colocado um lampadário condigno na casa do capítulo, junto do sarcófago que deve guardar os despojos do soldado desconhecido. Para concretizar esta ideia, foi aberta uma subscrição, que, num primeiro momento se pensava estender a todas as unidades militares do país, mas posteriormente limitada à contribuição dos oficiais, sargentos e praças da 5.ª divisão do Exército, com sede em Coimbra.

Lampadário Chaves de Almeida 03 a.png

Lourenço de Almeida. Chama da Pátria (desenho de António Augusto Gonçalves)

 Desde logo ficou assente que o lampadário, mais tarde denominado Chama da Pátria, fosse executado por Lourenço Chaves de Almeida, que até era militar.

O lampadário, que foi batido dentro do estilo gótico e mede 1,80 m de altura, foi exposto ao público no átrio da Câmara Municipal de Coimbra ... em Lisboa  e depois, em Viana do Castelo, na altura em que ia ser imposta a Cruz de Guerra à bandeira que, em França, fora oferecida à brigada do Minho .

O lampadário seria colocado no Mosteiro de Santa Maria da Victória no dia 28 de Junho, data da assinatura do tratado de paz.

Seja-me ainda permitido referir, em 1930, a encomenda de um candelabro de 30 luzes, feita pelo presidente da Comissão Administrativa do município de Coimbra, a fim de ser colocado no salão nobre.

Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 21-25

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por Rodrigues Costa às 09:14

Terça-feira, 11.04.17

Coimbra: Ourives Conimbricenses do Ferro 3

Os artistas conimbricenses do ferro iam batendo as mais diversas peças, trabalhando quase sempre isoladamente, mas expondo-as coletiva ou individualmente, tanto em mostras locais, como nacionais; contudo, quando elaboravam algum artefacto mais requintado, não se eximiam de o apresentar no Museu Machado de Castro, na Faculdade de Letras, ou na montra de algum estabelecimento da Calçada.

Uma, talvez a primeira grande apresentação pública dos seus trabalhos fora da cidade, aconteceu em 1905, na exposição que o Grémio Artístico anualmente realizava em Lisboa. Estiveram aí presentes trabalhos de Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, António Craveiro e António Maria da Conceição.

Mas, a primeira obra coletiva de vulto surgiu quando foi necessário dar resposta aos trabalhos de ferro, destinados ao edifício da Faculdade de Letras ... em 1927 vieram a ser assentes, na fachada principal do edifício, os grandes portões de ferro forjado, obra dos artistas Manuel Pedro de Jesus, António Maria da Conceição (Rato), Daniel Rodrigues, Albertino Marques.

Albertino Marques. Portão da antiga Faculdade de

Albertino Marques. Portão da antiga Faculdade de Letras

 Aliás, a Faculdade de Letras, pode bem dizer-se, manteve uma avença com o ferro forjado, porque, dois anos antes, em 1925, Albertino Marques tinha em mãos uma grade que se destinava àquela casa e em 1928 e 1929 executou quatro lindos e artísticos candelabros, para serem colocados na escadaria, bem como dois outros monumentais tocheiros que se destinavam ao vestíbulo. Além disso, no mesmo estilo dos candelabros, também com desenho e sob a orientação de Silva Pinto, bateu dois portões de ferro forjado para a entrada do museu da Faculdade.

E as encomendas da Faculdade de Letras não ficaram por aqui, pois em 1930, nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques estavam a executar-se umas artísticas ferragens para a porta do salão nobre do edifício e umas grades em estilo pombalino para as escadas do vestíbulo da reitoria. Anos mais tarde, em 1936, aquele imóvel ia ser revestido com uma grade de ferro, cuja execução fora confiada a Albertino Marques, a Daniel Rodrigues e a Jesus Cardoso.

Uma outra obra conjunta e de grande envergadura, a envolver quase todos os artistas mondeguinos do ferro, encontra-se relacionada com o edifício do Palácio da Justiça, a erguer-se na antiga e inacabada morada dos condes do Ameal.

Na sessão de 29 de Agosto de 1929, a Câmara Municipal de Coimbra apreciou um requerimento ... pedindo licença para proceder à vedação do Palácio da Justiça, com um muro e gradeamento. Mas, quase em simultâneo com o pedido, a imprensa noticiava que tinha sido aprovada a proposta conjunta dos serralheiros Lourenço Chaves de Almeida, António Maria da Conceição, Daniel Rodrigues, José Domingos Baptista e Albertino Marques, para a confeção de 106 metros de grade, 2 portões e várias pilastras destinadas à parte exterior das traseiras do imóvel.

Palácio da Justiça 01 Grade c.tif

Palácio da Justiça. Portão pormenor

... A vedação, que se andava a assentar em Agosto de 1930, é em ferro batido e a imprensa da época considerava-a como um dos mais artísticos trabalhos “que se têm executado nos últimos tempos em Coimbra, obedecendo à arquitetura do renascimento do século XVI, tão notável e abundante na nossa região e que tem servido de escola aos artistas contemporâneos” ... no ano seguinte (1931) Albertino Marques forjava, para o Palácio da Justiça, um novo portão em estilo renascença; concomitantemente, executava, no mesmo gosto, quatro candeeiros, destinados à iluminação do claustro superior ... para o salão nobre do tribunal, Albertino Marques e Daniel Rodrigues, coadjuvados por João Machado Júnior que modelou os bustos destinados a ser, posteriormente, executados em ferro forjado, bateram um lustre .

Conhecendo conclusão em fins de Junho de 1934, foram executados nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques quatro artísticos lampiões e as respetivas gárgulas de suporte.

Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 14-21

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por Rodrigues Costa às 18:32

Quinta-feira, 06.04.17

Coimbra: Ourives Conimbricenses do Ferro 2

António Augusto Gonçalves entregou-se ao ressurgimento do trabalho em ferro com o mesmo fanatismo que lhe era reconhecido no respeitante às outras artes e “encontrando” em Manuel Pedro de Jesus que, por volta de 1900, já era sócio da Escola Livre, aptidões excecionais para a serralharia decorativa, incentivou-o a trabalhar nesse campo. Quando finalmente, em 1907, na Escola Industrial Brotero, começaram a funcionar as oficinas de marcenaria e talha, de serralharia, de cerâmica e de formação, Manuel Pedro foi nomeado mestre da de serralharia, lugar que, em 1925, voltava a ocupar, sendo-lhe então reconhecida uma enorme competência e a capacidade de saber aliar a um profundo conhecimento prático da sua especialidade, a teoria necessária, para que o ensino resultasse profícuo e consciente.

A indústria contemporânea do ferro forjado renasceu em Coimbra com a nova centúria, viveu na cidade, mas espalhou-se por todo o país. Homens e mulheres de bom gosto e fartos meios económicos faziam as suas encomendas aos serralheiros do burgo, que também não eram esquecidos pelos arquitetos lisboetas e não só. Adães Bermudes encomendou-lhes peças de ferro forjado para ornamentar edifícios saídos do seu lápis; Raul Lino desenhava peças para eles forjarem; Álvaro Machado louvou-os pelo trabalho executado e, em 1928, foram convidados a participar na exposição de Sevilha.

Também na exposição que Raul Lino levou a efeito nas salas do Instituto, onde apresentou, entre projetos, anteprojetos, plantas, esboços, fotografias, etc., trinta e nove peças, foi feita referência a trabalhos “de distinctos artistas de Coimbra”, concretamente a João Machado, na escultura, e a Manuel Pedro de Jesus e a Lourenço Chaves de Almeida, no ferro forjado.

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Casa dos Patudos. Candelabro neogótico

... No entanto, para sobreviver, a arte do ferro não podia apenas contar com encomendas vultuosas, teria de se democratizar, como bem dizia o Dr. Quim Martins e, para tal, fazer com que se tornassem necessários os objetos mais simples e de uso corrente, manufaturados naquele metal.

A par com os grandes candelabros, com os leitos pompeianos, com os portões da Faculdade de Letras ou do Palácio da Justiça, teriam de surgir as grades das varandas, os pequenos portões de jardins, as bandeiras das portas, as tabuletas de anúncios, os gradeamentos dos muros, os portais dos jazigos, as pequenas grades de campas, os puxadores das gavetas e as dobradiças das arcas. Realmente, a arte do ferro, democratizou-se, a indústria vingou e, para além das peças que ainda hoje ornamentam tantas casas e causam orgulho aos que as fruem, Coimbra passou a ser a “cidade das grades”.

Ninguém podia imaginar que nas negras e mal apetrechadas serralharias de Coimbra, entre as labaredas rubras das suas forjas e o ruído dos malhos tirando chispas fulgurantes dos vagalhões candentes, existia, latente, à espera de a despertarem, essa força criadora que transforma o ferro duro e de aspeto indomável em peças de requintado gosto artístico.

A serralharia artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, na intimidade Mestre Gonçalves e Mestre Quim Martins, como lhe chamava a plêiade de artistas que foram seus discípulos: António Maria da Conceição (Rato), Albertino Marques, António Craveiro, Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, José Domingues Baptista e Filhos, José Pompeu Aroso, e tantos outros.

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Daniel Rodrigues. Igreja de S. António porta

 Das mãos dos ‘ferreiros’ saíram obras importantes, capazes de marcar o ressurgimento daquela arte rude e maravilhosa que, em Coimbra, a partir de meados do século XIX, tanto tinha decaído, limitando-se, a bem dizer, ao fabrico de camas e de lavatórios, como se verificou na exposição, realizada em 1869.

Nesse renascimento, para além dos dois mestres citados, podem ainda referir-se os nomes de Manuel Pedro de Jesus e de João Augusto Machado, este também a tentar o ferro e o ouro que, a partir de certo momento, lhe dedicou todo o ser saber e criatividade; por isso, foram precursores da serralharia artística de Coimbra.

Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 9-13

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por Rodrigues Costa às 09:53


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