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Avenida Sá da Bandeira (continuação)
Adquirida a velha cerca, apesar da premência de a urbanizar, a decisão foi sendo sucessivamente protelada, mas o engenheiro Adolfo Ferreira Loureiro acabou por ser encarregado de elaborar, sob a direção do presidente, um plano de benfeitorias (ou seja, de urbanização) da quinta; apresentou-o a 23 de julho de 1885.
Adolfo Ferreira Loureiro.
Na criteriosa opinião do diretor de O Conimbricense, Adolfo Loureiro, o “muito hábil e intelligente director das obras do Mondego” era a pessoa indicada “e decerto não haveria ninguém mais competente para satisfazer este encargo”.
Adolpho Ferreira de Loureiro embora recordado na cidade que, em 1836, o vira nascer pela toponímia, pois existe uma rua com o seu nome, pode considerar-se um quase desconhecido e isso apesar do trabalho vultuoso que desenvolveu ao longo da sua vida profissional, dos diversos e importantes cargos que ocupou e das honrarias que lhe foram concedidas.
… O projeto que Ferreira Loureiro elaborou para o alargamento do espaço urbano conimbricense ainda hoje, no contexto citadino, se mostra estruturante.
Fig. 11 – Um dos projetos de urbanização do Bairro de Santa Cruz. 1889. [AHMC. Repartição de obras municipais. Pasta 43. B-14].
Lourenço Almeida Azevedo ocupou a cadeira municipal durante quase doze anos, mas os seus mandatos, lúcidos e virados para o futuro, foram marcados por acesas polémicas; da proposta apresentada por Ferreira Loureiro ressalta a experiência do pragmático engenheiro, a par com os conhecimentos profundos das necessidades citadinas advindas da clarividência presidencial.
O facto de o nome de Adolfo Ferreira Loureiro não aparecer relacionado com o projeto da abertura da nova avenida a rasgar-se na quinta dos crúzios e do bairro adjacente talvez se fique a dever à morosidade da execução e ao facto de o engenheiro ter deixado Coimbra antes da sua concretização.
Na realidade, o projeto, só tardiamente se cumpriu, até porque a Sá da Bandeira, antes de virar avenida foi pensada como Rua, mas teve sempre por base o plano de Ferreira Loureiro, que “traçou a partir do mercado uma grande avenida de 50 metros de largo que termina à entrada do jogo de bola da quinta por uma grande praça. Da praça partem simetricamente duas avenidas para Celas e para Sant’Ana e outras duas em direcção aos arcos de S. Sebastião”.
Em 1889 inicia-se o loteamento do Vale da Ribela e em junho desse ano são postos em praça diversos espaços destinados à construção de moradias. Os proprietários que então adquirissem os terrenos obrigavam-se a cumprir determinadas obrigações e a iniciar a obra no espaço de um ano; estas regras, que se encontram explicitadas tanto nas atas camarárias, como nos periódicos da época, evidenciam a preocupação da edilidade pelo planeamento urbanístico e pelo arranjo da nova zona citadina.
Os trabalhos desenvolvem-se a bom ritmo e no mês de dezembro desse ano, antes do Natal, em comemoração do batizado do infante D. Manuel (futuro D. Manuel II), inauguram-se os arruamentos de Sá da Bandeira, de Alexandre Herculano, da Escola Industrial (Oliveira Matos), de Castro Matoso, de Tomar e de Almeida Garrett.
Rua de Tomar
Rua Almeida Garrett
A cerimónia revestiu-se de solenidade: para além da presença das mais altas individualidades citadinas, tocou a banda do Regimento 23 e subiram ao ar numerosos foguetes. “À noite foram pela primeira vez acesos os candeeiros de gaz na Praça D. Luiz I [Praça da República], nas ruas Marquês de Sá da Bandeira e Alexandre Herculano”.
Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf
Em Coimbra a reforma pombalina da Universidade, implicou a transformação ou a construção de novos edifícios, exigindo a produção de vários documentos cartográficos, quer desenhos de levantamento, quer de projeto, incidindo não só na Alta mais intervencionada, mas também nos espaços mais importantes da Baixa, como o Largo da Portagem e o Largo de Sansão.
José Carlo Magne, Mapa da Alta de Coimbra, c.1780
Embora estes desenhos tenham ainda hoje uma importância fundamental para o conhecimento da cidade do final do século XVIII, no período liberal estavam na posse da Universidade e por isso não eram utlizados pelo município no planeamento da cidade.
Da mesma forma, existem hoje no Instituto Geográfico Português, três plantas do século XVIII representando a cidade, mas aparentemente nenhumas delas seria do conhecimento da Câmara Municipa
s/a, Planta de Coimbra e seus Contornos sobre o Rio Mondego, [final do século XVIII]
s/a, esboço Mapa topográfico da cidade com a divisão das freguesias, final século XVIII]
s/a, Mappa Thopografico da cidade de Coimbra com a Divizão das Antigas Freguezias, final do século XVIII
A primeira referência que encontramos a uma planta da cidade data de 1857, quando o município presidido por António Augusto da Costa Simões viu rejeitado o pedido para Izidoro Emílio da Expectação Baptista rever e retificar a planta que tinha sido desenhada em 1845.
A Planta Topográfica da cidade e arrabalde tinha sido desenhada pelo futuro lente da Escola Politécnica, quando ainda era estudante de Matemática em Coimbra. Este documento, para além da planta apresenta uma série de dados complementares muito interessantes para o estudo da cidade. Como a relação das casas religiosas da cidade indicando a Ordem, localização, data de fundação e nome dos fundadores, bem como o nome das principais, a altimetria quer de algumas ruas, quer do rio Mondego, a latitude e a longitude em relação às principais cidades europeias. Ainda um quadro da população da cidade entre os anos de 1834 e 1839, indicando o número de fogos e o número de indivíduos divididos por sexo, estado civil e idade.
Embora imprescindível para o planeamento de qualquer cidade, a Câmara Municipal de Coimbra só no dia 13 de Outubro de 1865, impelida pela recém formada comissão do plano de melhoramentos, mandou fazer duas cópias da Planta Topográfica da cidade e arrabalde.
Izidoro Emílio Baptista, Planta Topográphica da cidade e arrabalde, 1845.
… Na década seguinte, depois de cimentado o conhecimento da forma de projetação apreendida pelo contacto com as múltiplas obras das estradas municipais começou a surgir uma nova consciência do planeamento urbano. Neste sentido, o presidente Lourenço Almeida Azevedo … defendia como «uma imperiosa necessidade [a existência de] … uma planta topográfica», para o estudo e planeamento da cidade. O concurso para o levantamento atualizado a cidade pelos novos métodos de cartografia foi aberto a 11 de Julho de 1872 e o contrato assinado com Francisco e Cesar Goullard, em Outubro desse mesmo ano.
… Os trabalhos decorreram em 1873 e a Planta Topographica da Cidade de Coimbra foi apresentada em 1874, constituindo o primeiro trabalho de cartografia científica da cidade.
Francisco e Cesar Goullard, “Planta Topographica da Cidade de Coimbra”, montagem da cópia das 17 lâminas, 1874
Desenhada à escala 1:500 em 19 lâminas de grandes dimensões (0,80x1,25 metros) denota o rigor e a minúcia da cartografia urbana oitocentista, mas ficou incompleta, sem curvas de nível, que a Câmara Municipal dispensou devidos aos alteamentos projetados para as margens.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 228-237
Face ao aumento da população e às novas condições, quer de mobilidade, quer económicas e sociais, a cidade tinha, forçosamente, de romper os seus limites … Em 1856, quando D. Pedro V visitou a cidade, já havia sido aberta, rompendo a unidade do conjunto outrora pertencente aos frades agostinhos, a rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, que passou a consentir a ligação da baixa à zona alta da cidade, até então apenas possível pela rua de Montarroio.
Por quantas vicissitudes passou o sexacentenário complexo fradesco!
Não se pode deixar de acentuar que a edilidade, ao modificar, arrasar, substituir, alterar as estruturas monacais e ao transformar a quinta anexa, destruiu, no bom e no mau sentido, possivelmente mais neste do que aquele, o património existente, transfigurando, mesmo a fisionomia da urbe.
A 18 de Março de 1875, a Câmara pede ao Rei licença para demolir uma parte do mosteiro crúzio, a fim de aí construir os novos Paços do Concelho e, a 22 de Junho de 1876, sob a presidência de Lourenço Almeida Azevedo, votou, por entre o ruído feito por uma parte da imprensa local que vivamente se insurgiu contra este e outros atos da administração municipal, a primeira verba para custear a demolição parcial do mosteiro, justamente a zona em que se deviam erguer os novos paços municipais. A casa da Câmara, inaugurada a 13 de Agosto de 1879, ostenta, a coroar a fachada principal as armas da cidade … Mas, mal as colocaram, logo o diretor de O Conimbricense, notando o erro existente no escudo, afirma que elas serão para os vindouros “o padrão do desleixo, incúria e ignorância” da vereação citadina de 1879.
…
A partir dos inícios da década de oitenta de Oitocentos, a Câmara começou a pensar seriamente em adquirir os terrenos fradescos, então já hipotecados pelo seu proprietário. Pretendia abrir aí vários arruamentos, construir um passeio público e um matadouro … O processo arrasta-se, mas a edilidade acaba por via a adquirir a quinta … No mesmo dia em que a Câmara toma conhecimento da compra da antiga cerca encarrega o engenheiro Adolfo Ferreira Loureiro de elaborar, sob a direção do presidente, um plano de benfeitorias (ou seja, de urbanização) da quinta, trabalho que aquele apresenta a 23 de Julho de 1885; apesar de só tardiamente vir a ser cumprido, até porque a Sá da Bandeira, antes de virar avenida foi rua, a verdade é que o produto final tem por base o plano de Loureiro, dado que este “traçou a partir do mercado uma grande avenida de 50 metros de largo que termina à entrada do jogo da bola da quinta por uma grande praça. Da praça partem simetricamente duas avenidas para Celas e para Sant’Ana e outras duas em direção aos arcos de S. Sebastião”.
… Em 1889 inicia-se o loteamento do Vale da Ribela e em Junho desse ano são postos em praça diversos espaços destinados à construção de moradias … Os trabalhos desenvolveram-se a bom ritmo e no mês de Dezembro, antes do Natal … inauguraram-se os arruamentos de Sá da Bandeira, de Alexandre Herculano, da Escola Industrial (Oliveira Matos), de Castro Matoso, de Tomar e de Almeida Garrett … “À noite foram pela primeira vez acessos os candeeiros de gaz na Praça D. Luís I (Praça de República), nas ruas Marquês de Sá da Bandeira e Alexandre Herculano”.
Anacleto, R. 2010. Coimbra entre os Séculos XIX e XX. Ruptura Urbana e Inovação Arquitectónica. In Caminhos e Identidades da Modernidade. 1910. O Edifício Chiado em Coimbra. Actas. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, pg. 153, 155 a 158
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