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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 23.11.23

Coimbra: a terra que Torga amou 3

Frente ao rio ao longo dos tempos, escreveria mais tarde:

MEMORIA

De todos os cilícios, um, apenas,

Me foi grato sofrer:

Cinquenta

A ver correr,

Serenas,

As águas do Mondego.

Como dramaturgo publica em 1941 «Terra Firme. Mar» e nesse ano inicia o seu «Diário», o primeiro de 16 volumes em que, ao longo de mais de 50 anos, nos deixou as suas reflexões, os seus pensamentos, os seus poemas, as suas angústias e a sua visão de um mundo em constante mutação.

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Torga. «Diário. II». Acedido em https://www.bing.com/images/search

O seu consultório era também a sua oficina. de escritor.

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O seu consultório era também a sua oficina. de escritor

Um a um, novos livros iam saindo da sua pena; «Rua», «Lamentação, «O Senhor Ventura». A partir de 1944, com «Libertação» é a Coimbra Editora que lhe imprime que lhe imprime os seus livros: «Novos Contos da Montanha», «Vindima», «Odes», «Sinfonia», «Nihil Sibi», «O Paraíso», «Cântico do Homem», e tantos, tantos outros.

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Torga. «Contos da Montanha». Acedido em: https://www2.unicentro.br/pet-letras/2017/08/29/resumo-da-obra-contos-da-montanha-de-miguel-torga/

Miguel Torga conhecia profundamente o seu país, desde as agrestes terras do norte às suaves planuras do sul. A sua ligação à terra, às montanhas, aos rios, é uma das suas mais evidentes características. Escritor telúrico, como tão largamente é referido, ele próprio, filho de camponeses transmontanos, aspirava a ser um semeador de poesia:

 

RASTO

Semeador de versos? Quem me dera!

Não haveria homem mais feliz.

Ter o espírito em flor na primavera,

E o corpo, no inverno, com raiz.

Não.

Retalho apenas a ilusão…

À teimosa procura

Dum singular e único sinal

Que todo me defina e me resuma,

Vou desfolhando a rosa da expressão

E deitando no chão

Caídas as palavras, uma a uma.

O constante peregrinar, o calcorrear do país, estão bem patentes na sua obra. consubstanciados no seu livro «Portugal», um retrato vivo e nítido da terra portuguesa.

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Torga. «Portugal». Acedido em https://livrariaultramarina.pt/product/portugal-miguel-torga-1950-1a-edicao/

E nos volumes do «Diário» são constantes as impressões que lhe causam e as reflexões que lhe inspiram as suas viagens de norte a sul do país.

Mas Miguel Torga viajou também por outras paragens. Mais uma vez a Europa, de novo o Brasil da sua adolescência, o México, Angola e Moçambique, a longínqua Macau, deixando-nos de todas essas viagens as suas sensações, os seus poemas.

Numa cidade que mudava, também ele mudara de residência. E na Rua Fernando Pessoa, para os lados da Cumeada, passa a ter o seu novo lar, em 1953, a que, em breve, o sorriso de uma filha vem dar nova vida.

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O reconhecimento da sua obra não tardaria, com a atribuição de vários prémios, quer nacionais quer internacionais, e a sua universalidade está bem patente na tradução dos seus livros nas mais variadas línguas e nos mais diversos países.

«Orfeu Rebelde», o título de um dos seus livros, aplica-se com propriedade à sua obra e à sua personalidade. Poeta da rebeldia, avesso a escolas literárias, Torga foi um lutador solitário, usando a caneta como arma para transmitir toda a sua força interior. Que está bem expressa no seu poema

 

ORFEU REBEIDE

 Orfeu rebelde, canto como sou:

Canto como um possesso

Que na casca do tempo, a canivete,

Gravasse a fúria de cada momento;

Canto, a ver se o meu canto compromete

A eternidade no meu sofrimento.

 

Outros felizes, sejam rouxinóis …

Eu ergo a voz assim, num desafio:

Que o céu e a terra, pedras conjugadas

De moinho cruel que me tritura,

Saibam que há gritos como há nortadas,

Violência faminta de ternura.

 

Bicho instintivo que adivinha a morte

No corpo de um poeta que a recusa,

Canto como quem usa

Os versos em legítima defesa.

Canto, sem perguntar à Musa

Se um canto é de terror ou de beleza.

O tempo corria, inexoravelmente. Para trás iam ficando as longas jornadas de caça, o subir dos montes, a descida dos vales. O médico usaria menos vezes o bisturi, daria maior descanso ao estetoscópio. E um dia o velho consultório da Portagem deixaria de ser o ser o seu posto de observação. Estávamos em 1992: "Desfiz-me do escritório. Mil circunstâncias adversas conjugaram-se encarniçadamente nesse sentido. E adeus, meu velho reduto, onde durante tantos anos lutei como homem, médico e poeta". Mais do que uma porta que se encerrava era uma vida que se escoava, fechadas que estavam as janelas por onde o mundo entrara pelos seus olhos iluminando as paredes do que fora espaço de tertúlia. alívio de dores e oficina de poesia.

Longa fora a sua vida. Grande é a sua obra. Por fim, a doença que lhe debilitou o corpo, não o impediu de escrever, escrever sempre. O último poema que publicou, no 16° volume do «Diário», em 1993, é uma despedida comovente:

 

REQUIEM POR MIM

 E tenho pena de acabar assim,

Em vez de natureza consumada,

Ruína humana.

Inválido do corpo

E tolhido da alma.

Morte em todos os órgãos e sentidos.

Longo foi o caminho e desmedidos

Os sonhos que nele tive.

Mas ninguém vive

Contra as leis do destino.

E o destino não quis

Que eu me cumprisse como porfiei,

E caísse de pé, num desafio.

Rio feliz a ir de encontro ao mar

Desaguar,

E, em largo oceano, eternizar

O seu esplendor torrencial de rio.

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Torga na sua Casa de Coimbra, da Rua Fernando Pessoa

 Estava a chegar ao fim a luta desigual que Miguel Torga travava, há anos, com coragem e estoicismo. E um dia, a 17 de janeiro de 1995, termina uma vida de interrogações e ansiedades. Só ficava a poesia. E no dia seguinte era a despedida de Coimbra, o fim da jornada em que a cidade, ao longo de sete décadas, se habituara a ver o seu perfil de granito transplantado para a suavidade do seu calcário. S. Martinho de Anta reclamava o seu filho, para o afagar no seu húmus materno.

 Andrade, C. S. Passear na Literatura, A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego. Sem data. Coimbra. Edição do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra.

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por Rodrigues Costa às 21:39

Terça-feira, 21.11.23

Coimbra: a terra que Torga amou 2

Formado em Medicina. regressa a S. Martinho de Anta. Mas não cabiam na terra natal as suas ambições.

MT. 7.jpgTorga em S.Martinho de Anta. Imagem Col. CF

E pouco depois está de novo em Coimbra.

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Op. cit., s/ numeração

Sem uma situação profissional definida, numa terra em que abundavam os médicos, a escrita continuava, e mais uma vez a «Atlântida» lhe iria imprimir um novo livro. Escritor e médico, como depois escreveria, "servira devotadamente a dois amos". Mas sentia que era necessário separar os nomes de quem empunhava o bisturi e de quem maneja a caneta. Adolfo Rocha seria o clínico, cuidando dos corpos. Para o escritor iria buscar na admiração por Cervantes e por Unamuno o nome de Miguel, a que acrescentaria Torga, matriz transmontana das urzes selvagens das suas origens. E quando em 1934 sai o livro «A Terceira Vez», encimava o título o seu nome literário, “Com um ósculo vo-lo entrego. Chama-se «Miguel Torga", escreveu pela última vez Adolfo Rocha no prefácio.

No mesmo ano vai substituir, temporariamente, o médico de Vila Nova, no concelho de Miranda do Corvo, tornando todos os fins de semana, quando as obrigações médicas não o impediam, o comboio para Coimbra. onde tinha um quarto para as suas pernoitas na A. C. E. (hoje A C. M.), na Rua Alexandre Herculano. E do convívio à mesa da «Central», bálsamo semanal para o isolamento da aldeia, nascia mais uma revista «Manifesto», que finda em 1936 com Albano Nogueira.

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Pastelaria Central, onde acontecia a “Tertúlia do Torga” que também tinha lugar nos cafés da ”Brasileira” e do “Arcádia”. Imagem da Col. CF. Op. cit., s/ numeração.

Nesse ano, mais um livro, «O Outro Livro de Job». Não se demoraria muito em Vila Nova. O regresso do médico permanente, as intrigas aldeãs e a falta de saúde fazem-no regressar à cidade do Mondego.

Mais uma vez em Coimbra procura um destino profissional duradouro, tirando uma especialidade: "Dispus-me, finalmente, a meter o corpo aos varais. Comecei a praticar no consultório de um colega otorrinolaringologista". Mas, ao mesmo tempo, a escrita não para. E, assim, em 1937, publica «A Criação do Mundo. Os  Col. CFDois Primeiros Dias», biografia romanceada dos seus primeiros anos de vida, até aos primeiros tempos no Brasil. Ainda nesse ano colabora na «Revista de Portugal», dirigida por Vitorino Nemésio. E em Dezembro faz uma viagem a Espanha (em plena guerra civil), França e Itália, dando um salto a Bruxelas, para visitar o seu amigo Nemésio, então professor na capital belga. Em 1938, novo livro da «Criação do Mundo, o Terceiro Dia» relato da sua vida, desde o regresso do Brasil até à partida para a viagem à Europa.

Concluída a especialidade, nova fase surge m sua vida. Como não era fácil abrir consultório cm Coimbra, vai para Leiria, onde "montou a sua tenda", segundo as suas próprias palavras. Foi determinante para a escolha da cidade a proximidade de Coimbra o que lhe permitia ir aí todas as semanas, para o convívio literário de que necessitava e pela proximidade das livrarias, das tertúlias e da tipografia onde imprimia os seus livros. E um deles, saído em 1939, «O Quarto Dia da Criação do Mundo», narração da sua viagem pela Europa, da Espanha franquista e da Itália de Mussolini, bem como do encontro em Paris com os exilados do regime salazarista, iria levá-lo à prisão do Aljube, em Lisboa, onde passou o Natal desse ano e escreveu alguns dos seus mais significativos poemas.

Liberto da prisão, regressa a Leiria. No ano de 194 a vida de Miguel Torga iria tomar um novo rumo, com o casamento com Andrée Crabbé, uma jovem belga que conhecera em Coimbra em casa de Vitorino Nemésio, de quem era aluna em Bruxelas.

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Andrée Crabbé Rocha e Torga. Acedida em  https://www.bing.com/images/search

E nesse ano publica um livro de contos, «Bichos», um dos mais representativos da sua obra A censura não dormia e, no ano seguinte, um outro livro do escritor, «Montanha» é apreendido.

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Torga. «Os Bichos». Op. cit., s/ numeração

Continua a viver, agora casado, em Leiria. Mas a cidade não preenchia os seus anseios. E quando pensa em mudar de ares, a resposta surge naturalmente: "Coimbra como não podia deixar de ser. Era ela, quer eu quisesse quer não, a minha Agarez alfabeta, o húmus pavimentado que os meus pés pisavam com mais amor".

E assim, mais um nome vinha juntar-se aos clínicos da cidade. Num primeiro andar do Largo da Portagem estava agora o seu consultório. Na parede uma placa: "Adolfo Rocha - Ouvidos, Nariz e Garganta".

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 Op. cit., s/ numeração

Em frente, o pequeno jardim, com a estátua de Joaquim António de Aguiar, mais além o Mondego e, em fundo, o verde do horizonte de Santa Clara.

Não longe, no nº 32 da Estrada da Beira, num caminho bordejado pelo Parque da Cidade, instalara-se o casal. Nas traseiras, a vista descia até ao Mondego numa paisagem inspiradora

O seu consultório era não só um local de alívio para os seus doentes, mas também um ponto de reunião com os seus amigos e com sucessivas levas de estudantes, onde tudo se discutia, da política à literatura, e sobretudo, as suas janelas eram os olhos com que Miguel Torga viu, no decorrer dos anos, o mundo à sua volta e as alterações que se iam desenrolando e de que, observador atento, deu conta nos seus livros.

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Adolfo Rocha no seu consultório. Op. cit., s/ numeração

Andrade, C. S. Passear na Literatura, A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego. Sem data. Coimbra. Edição do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra.

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por Rodrigues Costa às 11:12

Quinta-feira, 27.10.22

Coimbra: Do castro primitivo à cidade de hoje 4

O processo de fixação e estruturação do território não foi espontâneo nem casual, uma vez que obedeceu à lógica da implantação das Ordens e Comunidades religiosas e fixação das suas agregações em porções de terreno delimitados por cercas.

A regra de localização das capelas e igrejas foi ditada ao longo da via principal, aquela pela qual “todos” passavam, podendo assim fazer cumprir as suas obrigações de assistência no apoio aos peregrinos e de quem mais precisasse. Assim, o arrabalde passou a ser definido pela colocação de igrejas ao longo do eixo viário, direcionando todo o espaço urbano. Implantaram-se quatro templos: Santa Justa, S. Tiago, S. Bartolomeu e o convento Crúzio.

Os conventos foram as grandes estruturas organizadoras do arrabalde, tendo a sua fundação gerado importantes aglomerações, dentro de novas circunscrições religiosas. O casario crescia de forma compacta em torno dessas igrejas paroquiais.

Coimbra aos pedaços, pg. 31.png

Planta de Coimbra dos finais do século XVIII. Autor não identificado.. Fonte: “a Sofia. Primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade portuguesa”, Walter Rossa in Monumentos. Nº25. Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Setembro 2006. p.16. Op. cit., pg. 31

Destes espaços abertos nasceu uma tipologia urbanística que vive ainda nos nossos dias: o terreiro e o adro sempre foram espaços ancestrais de encontro e troca na cidade medieval. Poder-se-á dizer que são um elemento espacial identificador da cultura citadina. Os aglomerados populacionais reuniam-se à volta de uma paróquia como suporte institucional e espiritual da vida em comunidade. Atualmente, os largos fronteiros das igrejas ainda são palco de manifestações religiosas e culturais.

Coimbra aos pedaços. Largo de Sansão com vendede

Largo de Sansão, hoje Praça 8 de Maio. Inícios do séc. XX

Coimbra aos pedaços, pg. 41d.png

Praça do Comércio actual, após a remodelação em 2002. Fonte: BOOKPAPER – Publicidade e Artes Gráficas, Lda. in Coimbra Através dos Tempos, 2004, p.151. Original existente na Imagoteca da Biblioteca Municipal de Coimbra.

Dentro do sistema urbano, as Ordens religiosas dividiam-se e tinham funções bem específicas. A Ordem dos Agostinhos, implantada na parte alta da cidade, dava um apoio importante do poder real no processo da Reconquista e servia como referência dessa organização espacial. Posteriormente, deu-se a explosão urbanística fora das muralhas e o auge do processo de consolidação territorial, onde as ordens mendicantes – Dominicanos e Franciscanos – reforçariam o vigor e o entusiasmo burguês no desenvolvimento comercial das cidades. As ordens revelaram-se uma instituição que regrava toda a “política comunal das cidades”.

Enquanto arrabalde, a zona da Baixinha era considerada um bairro fora de portas, pertencente ao subúrbio da povoação da cidade alta, fora dos limites administrativos, mas com forte vocação mercantil. Situado entre a calçada romana e o rio, a zona fixava todas as atividades relacionadas com o comércio. Os mercadores instalavam-se ao longo da via, fora do perímetro amuralhado, onde os produtos não estavam sujeitos a taxas e onde havia espaço mais amplo, mais barato e de maior acessibilidade. O percurso mais direto entre a ponte e a porta da cidade foi o ponto propício ao início do fluxo de atividade comercial, donde resultou a chamada Rua dos Francos. Era o local onde se cobravam os direitos de “portagem”, quando as mercadorias ficavam dentro da cidade, ou de “passagem” quando estas apenas transitavam dentro dela Daí resultar a conformação de um “Largo da Portagem” com continuação da rua a que, hoje, designamos de Ferreira Borges.

R. Ferreira Borges com cartaz.jpg

Rua Ferreira Borges. Meados do século XX.

Durante toda a época medieval houve um progressivo desenvolvimento comercial da zona ribeirinha, potenciando a sua definição e consolidação urbana.

Ferreira, C.C. Coimbra aos pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves. 2007, acedido em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/13799.

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por Rodrigues Costa às 15:41

Quinta-feira, 10.02.22

Coimbra: Baixa na época medieval 2

No período final da reconquista, o Arrabalde já se afigurava como um polo de comércio e produção de alguma relevância, concentrado, sobretudo, na zona junto ao rio Mondego, área já relativamente urbanizada e que contava com a presença das importantes igrejas paroquiais de Santa Justa, Santiago e São Bartolomeu, e de antigos mosteiros. O papel desta zona, no entanto, era ainda meramente acessório, e seria somente com a perda de dinamismo na Almedina que alcançaria o protagonismo do qual gozou durante todo período tardo-medieval.

Dissertação, fig. 10.png

Dissertação. Imagem nº 10: Detalhe do desenho de Baldi, mostrando a zona ribeirinha das freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. A direita, ao fim da ponte, encontra-se a torre manuelina e a zona da Portagem, pg. 42

Desta maneira, e auxiliada também pela sua privilegiada situação geográfica face aos principais acessos à cidade, a Baixa converte-se, finalmente, no principal centro de produção e, principalmente, de comércio da urbe, servindo de terreno fértil e florescendo juntamente com a burguesia mercantil, grupo social então em franca ascensão. Em conformidade com este ambiente de prosperidade e vigor económico, a área torna-se foco principal das ações da municipalidade, o que contribuirá para o aparecimento, a partir de finais do séc. XIV, de novos elementos urbanísticos no local, como é o caso da Calçada, importante via calcetada de ligação entre a Portagem e a Porta da Almedina, documentada pela primeira vez em 1392, e a já referida Praça, juntamente com os equipamentos públicos que viriam a rodeá-la.

A partir desta pequena contextualização e aproveitando-nos de um dos capítulos de nossa tese de mestrado, exploremos mais profundamente o perfil socioeconómico das freguesias arrabaldinas de S. Bartolomeu e Santiago durante a Idade Média. Procuraremos expor, a partir de dados colhidos em documentação publicada e manuscrita, o cotidiano de quem habitava o local, identificando os principais personagens e as atividades económicas que dominariam a paisagem desta zona de extramuros, focando-nos, especialmente, nos últimos séculos da Idade Média, para os quais a informação é-nos mais abundante. Assim, seguindo uma rota pelas principais ruas e bairros das ditas freguesias – representadas no mapa a seguir –, reconstituamos as possíveis cenas e visões presenciadas por quem, no período medieval, vagueasse pela área.

Baixa medieval, ruas. Artigo..png

Coimbra Medieval: Ruas e equipamentos urbanos. Mapa adaptado do presente em Augusto, Octávio – A Praça de Coimbra e a afirmação da Baixa…, Anexo I, pg. 170-176

Legenda: 1 – Praça, 2 – Porta da Almedina e traçado aproximado da muralha, 3 – Ponte Afonsina sobre o Mondego, 4 – Largo da Portagem, 5 – Traçado presumido da Rua da Ponte, 6 – Rua da Sota, 7 – Adro de S. Bartolomeu, 8 – Rua dos Prazeres, 9 – Romal, 10 – Rua de S. Gião, 11 – Possível Rua dos Peliteiros, 12 – Rua Olho do Lobo, 13 – Rua dos Tanoeiros, 14 – Escada, 15 – Rua de Coruche, 16 – Calçada (Rua dos Francos), 17 – Adro de Santiago. a – Igreja de S. Bartolomeu, b – Igreja de Santiago, c – Hospital de Santa Maria de S. Bartolomeu, d – Casas do prior do Hospital e Marechal do Rei, e – Pelourinho, f – Açougues.

Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view

 

 

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por Rodrigues Costa às 16:31

Quinta-feira, 28.02.19

Coimbra: Estalagens Coimbrãs e do seu termo 2

Ao longo do texto de Carneiro da Silva As Estalagens Coimbrãs e do seu termo, para além das três estalagens mencionadas na entrada anterior, são ainda referidas:

- Estalagem de Santa Clara, primeira
… nas reuniões da Câmara de 22 de julho de 1642 e na de julho de 1644, se discutiram os problemas que o estalajadeiro … criava na sua «Estalagem de Santa Clara» … por estar notificado não usasse de venda nem de agasalho pessoa alguma em sua casa, de «mau viver», e ele fazia o contrário.

- Estalagem de Santa Clara, segunda

Panorâmica do Bairro de Santa Clara aa.JPG

Panorâmica do bairro de Santa Clara. Notar a estrada para Lisboa, e no extremo esquerdo da gravura [não identificada] o que foi segunda estalagem de Santa Clara

Em 1674, Cosme Francisco Guimarães, morador em Sansão, pagava o foro de 200 reis de explorar aquela estalagem no Rossio de Santa Clara [a qual fora construída] «para substituir outras que se tinham arruinado com as cheias perto da ponte.»

- Estalagem na Rua da Sofia
Na passagem do século XVI existiu na Rua da Sofia, na vizinhança da entrada da Rua Nova [uma estalagem que] Diogo Marmeleiro de Noronha … fizera … para agasalho dos passageiros e caminhantes com muito gasalhos e camaras fechadas para fidalgos e pessoas graves.

- Estalagem da Quinta da Portela
Em 16 de Dezembro de 1624 «Diogo Marmeleiro de Noronha me enviou dizer por sua petição que ele queria fazer junto à sua Quinta e lugar da Portela uma estalagem que seria de grande comodidade dos passageiros que caminhavam por aquela estrada que era das mais seguidas da dita cidade por ser a de Madrid e por naquela paragem passar uma barca o rio Mondego, que quando no inverno com alguma cheia não podia passar a dita barca, e os que então caminhavam ficavam dormindo pelos pés das árvores sem terem nenhum agasalho pelo que me pedia lhe fizesse mercê de lhe privilegiar a dita estalagem e mandar passar seu privilégio».

Para além destas surgem, ainda, as seguintes outras referências a estalagens:

- Estalagem das Cardosas
No Paço do Conde … onde hoje está [esteve] uma casa de brinquedos, e onde serviu uma Mariana que há muito deve atender os viandantes do céu.

- Estalagem do Lopes ou Hospedaria do Caes Novo
Situava-se nas imediações do atual Banco de Portugal, visto que tinha outra entrada pela Rua do Sargento-Mor, e ter particularidade de ser pouso de estudantes endinheirados, acabados de chegar, até se mudarem para o seu território da Alta.

Na parte final do texto o Autor refere ainda que Camilo esteve hospedado na «Marquinhas do Leite Morno», na Rua Larga … e que pelos séculos XVII, XVIII e XIX existiram no burgo as estalagens «do Galego» … do «Fernando» mais conhecida pela «Estalagem do Inferno» a do «Raimundo da Teodora» … a do «Francisco Lopes de Carvalho», próximo da ponte, e a hospedaria do «João de Aveiro» que um incêndio destruiu em 1902.
Aqui e ali, muitas vezes nas proximidades das estalagens, existiam também as «albergarias».

Silva, A.C. As Estalagens Coimbrãs e do seu termo. Separata da Munda. 1988.

 

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por Rodrigues Costa às 11:38

Terça-feira, 12.02.19

Coimbra: Evolução do Espaço Físico 3

«Por 1850, Coimbra continuava ainda o velho burgo académico, iluminando-se a candeeiros de azeite, sem águas canalizadas, nem esgotos, nem vias férreas, nem estradas, nem escolas, dormitando letargicamente à sombra da Universidade e restabelecendo-se penosamente e com lentidão do enorme abalo sofrido com a extinção das congregações religiosas que mantinham aqui nada menos de 7 mosteiros e 22 colégios».
Assim escreve José Pinto Loureiro, em 1937, no preâmbulo dos «Anais do Município de Coimbra».
… Eram de facto estas as características da vida urbana. Mas Coimbra não era exceção nem caso isolado. Era a regra. Durante a primeira metade de oitocentos muitas cidades portuguesas e mesmo a capital do reino encontravam-se, quanto ao desenvolvimento urbano, tal como as da grande maioria dos países europeus, expectantes.

Cidade de Coimbra. Pinho Henriques.JPG

Cidade de Coimbra. Pinho Henriques. Séc. XIX

… A construção das infraestruturas é um tema caro às politicas liberais. Como resultado destas iniciativas, a partir da segunda metade do século, Coimbra ganha outro protagonismo dentro da rede urbana nacional. A mala-posta, em 1855, servindo-se de uma estrutura viária renovada, volta a ligar a cidade ao Carregado, retomando-se um serviço de transporte rápido e regular. Mas o tempo de comunicação da informação ainda mais se encurta quando, em 1856, no mesmo ano em que a cidade se ilumina a gás, se inaugura o telégrafo elétrico entre Lisboa e Coimbra, e depois Porto, anunciando a chegada do comboio. No entanto, é apenas em 1864 que a cidade passa a integrar a rede ferroviária com a inauguração do troço entre Taveiro e Vila Nova de Gaia, completando-se a linha do norte. Paralelamente a administração pública municipal vai-se modernizando, de acordo com a lei de 25 de novembro de 1854, reduzindo em número as freguesias e regularizando as suas fronteiras.
Criaram-se, assim, as condições para a implementação dos melhoramentos necessários a Coimbra.

Projecto para instalação de canos de abastecimen

Projecto para instalação de canos de abastecimento à cadeia da Portagem. Joaquim José de Miranda. Séc. XIX

Projeto da Ruas da Calçada. João Ribeiro da SilvProjecto da estrada entre as ruas da Calçada e da Sofia. João Ribeiro da Silva. 1857
Ponte de Santa Clara.jpgPonte de Santa Clara

…Como parte do programa de regularização e subida da cota dos cais incluiu-se o redesenho do largo da Portagem e a construção de uma nova ponte. O largo ganhou uma dimensão moderna como entrada urbana e como rótula de distribuição viária, depois de vagas de demolições e obras de regularização. A ponte construiu-se em ferro, no ano de 1875, depois da demolição da antiga ponde de pedra, em 1873,
…. Pela nova ponte continuou a conduzir-se o tráfego que ligava, pelo litoral, o norte ao sul do país, cruzando o largo da Portagem e percorrendo as ruas até Santa Cruz, e daí até à saída pela rua da Sofia, prolongada na rua Fora de Portas. Era este o caminho urbano da estrada real na ligação de Lisboa ao Porto e por aqui passavam as carruagens ao serviço da mala-posta.

Macedo, M.C. Coimbra na segunda metade do século XIX. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 43-64.

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por Rodrigues Costa às 18:59

Quinta-feira, 07.02.19

Coimbra: Evolução do Espaço Físico 2

No contexto ibérico, o sítio de Coimbra – cartograficamente assinalado com um caprichoso meandro do rio Mondego – é um módulo de importância nevrálgica entre o norte e o sul, o interior e o litoral. Já ao nível do território de transição entre o Baixo e o Alto Mondego, especificidades da colina que hoje designamos por «Alta» ou «Almedina» ditaram um precoce despontar do aglomerado que, desde logo, o processo de romanização fez florescer como cidade. Eram elas as características defensivas naturais, o domínio do Mondego, e dos vales nele concorrentes, a exposição ao rio pelos quadrantes mais favoráveis em termos solares, o fácil acesso fluvial ao mar e ao interior, os recursos aquíferos do subsolo, etc.

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Réplica da pedra gravada do MNMC, 395 ou 396 da era cristã

… Hoje estável e controlado, o rio foi de facto até há pouco menos de dois séculos um rebelde elemento de perturbação do quotidiano e [do] desenvolvimento urbanos de Coimbra. Correndo sobre um leito cujo perfil ainda não se encontrava estabilizado, o Mondego autoproduziu esse incontornável equilíbrio através de consecutivas, torrentosas e, por vezes, trágicas cheias, condicionando durante séculos – em especial durante a Idade Moderna –, todo o desenvolvimento urbanístico da «Baixa» da cidade e, por reflexo, o da própria «Alta». Em média, a cota do seu leito subiu até então 8 centímetros por década, destruindo e/ou açoreando diversos conjuntos edificados nas suas margens durante a Idade Média e, claro, a ponte instalada pelo menos desde a fundação da nacionalidade.

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620.jpg

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620

…. Sabemos, por exemplo, que é a cerca de uma dezena de metros de profundidade que, sob o Largo da Portagem, jaz o pavimento de acesso à ponte primitiva.

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Illustris Ciutatis Conimbria in Lusitania. Georg Hoefnahel/Hogenbeerg, colorida por Braun, 1598

… Mas a influência da plasticidade global do suporte territorial na evolução morfológica da cidade torna-se particularmente relevante se melhor nos focarmos sobre a própria colina (…) tem ela uma expressão morfológica planimétrica algo em ferradura com abertura a poente (…) Continuando, inevitavelmente, a acentuar as principais características topográficas da colina, da dinâmica da dualidade habitante-invasor acabou por resultar do penúltimo dos casos da ocupação estranha – o do invasor islâmico nos últimos séculos do primeiro milénio – uma estrutura palatina sobre o extremo mais proeminente da tal virtual ferradura. Também então se reformava o perímetro defensivo que, de uma forma geral, consistia na linha definida pela intersecção entre as encostas de declives praticáveis e impossíveis. No fundo a muralha acabou por acentuar a já clara individualidade da colina, da cidade ou, se assim o quisermos, da «Almedina». Mas complementarmente também salvaguardou o aceso seguro às zonas baixa e ao rio.

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo de Coimbra

Protegendo a retaguarda e simultaneamente o acesso mais fácil ao topo pelo festo do Aqueduto [de S. Sebastião], implantou-se e desenvolveu-se também pela primeira dobragem do milénio o castelo, o qual em articulação com o palácio, clarificou o desenvolvimento daquele que ainda hoje é o principal eixo viário da «Alta», a Rua Larga.

Rossa, W. O Espaço de Coimbra. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 17-42.

 

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por Rodrigues Costa às 22:26

Terça-feira, 20.11.18

Coimbra: Estação Nova

A construção da rede de caminho-de-ferro foi uma das principais obras do século XIX o que explica as acesas discussões que provocou em Coimbra, debatendo o traçado adotado e a localização das estações que serviam a cidade.
O traçado das linhas, apesar de ter inflamado a opinião pública por quase 50 anos … interessa-nos antes analisar o processo e as consequências da implantação da estação da cidade, junto ao cais das Ameias.

Estação da zona do Padrão [Alexandre Ramires, R

Estação da zona do Padrão [Alexandre Ramires, Revelar Coimbra,22]

Quando se construiu a Linha do Norte, implantou-se a Estação de Coimbra nas imediações da cidade, na zona do Padrão. Na época discutia-se o traçado da Linha da Beira Alta, que segundo alguns estudos deveria partir de Coimbra pela margem do Mondego, prevendo a construção de uma nova estação dentro da cidade. A decisão de iniciar a linha da Beira Alta na Pampilhosa, muito contestada pela população de Coimbra, obrigou pela desconformidade com a lei de 26 de Janeiro de 1876, à criação de um ramal entra estação do Padrão e o centro da cidade. Depois de muito protelado o ramal foi construído, mas reequacionando-se a possibilidade de uma linha para a Beira pelas margens do Mondego implantou-se uma estação provisória, junto ao Cais das Ameias e lateralmente à via, o que permitia a possibilidade da linha ser prolongada anos depois.
O caráter provisório foi-se prolongando e as próprias dimensões da estação tornaram-se insuficientes para o afluxo de passageiros e de mercadorias, obrigando à construção de um conjunto de edifícios anexos em madeira. O que conduziu, a partir de 1899, a uma incessante campanha da Associação Comercial que reclamava a construção de um novo edifício. Apesar da urgência da melhoria deste equipamento, muito defendido na imprensa local, esta iniciativa não foi secundada pelo presidente do município, Manuel Dias da Silva, que procurava na época encetar os estudos para um Plano de Melhoramentos da cidade baixa, cujos resultados poderiam condicionar a construção da nova estação.
Por outro lado, anos antes, em Novembro de 1888, tinha sido concessionada à empresa Fonseca, Santos & Viana uma linha entre Coimbra e a Covilhã que acarretaria alterações na estação da cidade. Porém as dificuldades financeiras da companhia retardavam o início dos trabalhos e adiavam a necessidade de alargamento da Estação. Só no inicio do século XX, depois da Companhia Real de Caminho de Ferro Portugueses ter assumido a construção desta linha foi possível dar andamento e ao mesmo tempo encetar os estudos para nova estação nas Ameias.


Estação Nova primitiva CF.jpg

Estação primitiva

Inaugurada a linha para a Lousã a 16 de Dezembro de 1906 o problema da nova estação ganhou mais acuidade mas só começou a ser resolvido em 1918, no entanto o processo não foi pacifico. À data o município tinha em estudo um novo plano para a reforma da Baixa e depois de informado por via não oficial da aprovação pelo governo de um projeto para a nova estação, diligenciou junto da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses lembrando a necessidade de licenciamento municipal de todos os edifícios com fachada para a rua. Pese embora as diligências a referida companhia iniciou a compra dos terrenos necessários.
“A Companhia Portuguesa entendeu, porém, que a Cidade de Coimbra, quer pela categoria de 3.ª Cidade de Portugal, quer como centro da mais interessante região de turismo, era merecedora de um edifício mais vasto e de mais nobre aspeto do que o existente, e dispôs-se ao pesado sacrifício da sua construção, … visto tratar-se de um melhoramento de grande interesse para essa Cidade.”
Quatro anos depois, embora alegando que a “Companhia não se julga … na obrigação legal de submeter os seus projetos à apreciação de qualquer outra entidade, que não seja a Direção Fiscal dos Caminhos de Ferro” enviava à Câmara Municipal o respetivo projeto pela consideração que devo a V. Ex.ª e à Câmara da sua digna presidência para que V. Ex.ª e os munícipes de Coimbra possam apreciar a forma porque esta Companhia deseja contribuir para o embelezamento dessa cidade.
O engenheiro Abel Augusto Dias Urbano, na época chefe interino e como referimos responsável pelo Projeto para os novos arruamentos da cidade baixa contestou a implantação do ramal ao mesmo tempo que enaltecia a vontade de “substituir … a antiga Estação, acanhada, mal localizada, de aspeto sórdido e mesquinho de pequena Estação sertaneja” e propôs uma nova implantação para o edifício cerca de seis a dez metros para norte.

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Desenho de reconstituição da implantação da antiga estação
O objetivo era deixar entre a estação e o limite do cais uma distância mínima de dez metros para a construção de uma marginal, ao mesmo tempo que propunha que a fachada principal ficasse perpendicular ao eixo da Avenida Emídio Navarro.
Em resposta a Companhia comprovou a impossibilidade de satisfazer as exigências do município, pela exiguidade de terenos, mas comprometeu-se a minorar os problemas apontados e, com esta promessa o município, presidido por Mário de Almeida aprovou o projeto, esperando que “o mais breve possível, seja um facto o importante melhoramento que para a cidade representa a construção da projetada estação de caminho de ferro.”

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Planta de implantação da nova estação inaugurada a 15 de março de 1931

… Apesar destes intentos as obras só tiveram início cinco anos depois e suscitando novamente grande contestação.

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s/a, Estação de caminho de ferro,1954

Os diferendos subsistiram e o projeto aprovado e apresentado pela Companhia em 1923 foi construído sem fazer qualquer das alterações propostas … O edifício da autoria dos arquitetos Cottinelli Telmo e Luís Cunha, apesar da qualidade arquitetónica, em grande medida condicionada pelas limitações do espaço, descurou a inserção urbana e a almejada avenida marginal que ligaria o parque da cidade ao Choupal foi inviabilizada.

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Étienne de Gröer. Esboço da reforma da Baixa, no canto inferior esquerdo visível a nova estação. 1940

… Com efeito uma das principais críticas do urbanista Etiénne De Gröer à Baixa correspondia à implantação da Estação Nova … Este novo edifício devia servir de interface entre o transporte ferroviário e o novo transporte rodoviário … propunha a substituição do Ramal da Lousã por carreiras de camionetas de forma a relacionar a cidade com o rio sem o obstáculo da via férrea a atravessar o Largo da Portagem, principal entrada na cidade.

Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 393-400

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por Rodrigues Costa às 19:35

Quinta-feira, 25.10.18

Coimbra: Largo da Portagem e Cais do Cerieiro 2

Ponte de Santa Clara.jpg

 Ponte de Santa Clara

 …. Com a construção da nova ponte a uma cota mais elevada e o aterro de defesa da cidade contra as inundações, o município pôde finalmente projetar o almejado plano de embelezamento da cidade a partir da sua principal entrada, o Largo da Portagem. O projeto apresentado pelo primeiro engenheiro municipal, contratado especialmente para esta obra previa a construção de um Passeio Público entre o cais das Ameias e a Ponte e, a regularização do Largo da Portagem. Implicou não só um grande aterro, como a expropriação e demolição total de dois quarteirões de edificações. O projeto esboçava uma praça triangular, limitada a norte por um novo edifício a construir no alinhamento da ponte e alargava a entrada da rua da Calçada.

 

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  António José de Sá, “Projecto de uma nova praça a abrir no sitio da antiga portagem …” 1874

 

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 António José de Sá, “Projecto dos melhoramentos a fazer no Largo da Portagem”. 1874

A vermelho os novos edifícios que regularizariam a praça triangular, visível ainda o cais e do lado direito o arranque do parque público

 O resultado não foi o projetado pelo engenheiro António José de Sá que, entretanto, tinha abandonado os quadros da edilidade.

O edifício a marcar o alinhamento da ponte não foi construído e o largo limitado, do lado norte, por um tosco gradeamento servindo de guarda corpos para a rua da Saboaria que se encontrava na cota original quase cinco metros abaixo do novo largo. Só no início do século XX, graças à iniciativa do Banco de Portugal, foi construído o alçado norte mas que, apesar da qualidade do projeto do arquiteto Adães Bermudes, resultou num conjunto de edifícios sem qualquer unidade, marcado por cérceas completamente distintas. Já a marginal abundantemente arborizada, criando o desejado passeio público que permitiu ultrapassar a falta de um projeto de conjunto para os edifícios, que aliás tardaram a ser construídos, só se completando a frente ribeirinha já no início do século XX.

Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 205-211, 241-243

 

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por Rodrigues Costa às 22:02

Terça-feira, 23.10.18

Coimbra: Largo da Portagem e Cais do Cerieiro 1

Também no final desse ano se principiou o alteamento do Largo da Portagem junto à ponte, demolindo a capela, o pelourinho e a devoluta torre de portagem.

(Nota de rodapé: Na sessão de câmara de 28 de Novembro de 1836 deliberou-se a “demolição do torre sobre a ponte em razão de serem necessários os entulhos della para altear o largo da Portagem”)

p. 206 a [para digitalizar. Passado ao Espelho].jp

Largo da Portagem [sendo visível a cadeia demolida em 1857]

p. 206..jpg

 José Carlos Magne, Mapa de ruas desde a Portagem até à capela de St. António da Estrela, último quartel do século XVIII

Verifica-se assim que estas obras, já projetadas e orçadas em 1835, se articulavam com um plano mais vasto que incluía o alargamento da principal rua da cidade e troço da estrada de Lisboa-Porto, bem como a regularização das margens do Mondego e do Largo da Portagem, para além da imprescindível ponte nova a uma cota mais alta.

De forma concertada, mas muito morosa, este primeiro conjunto de intervenções de reforma urbana marcou de forma indelével a paisagem urbana da cidade junto ao rio e materializou o primeiro plano de embelezamento promovido pelo município.

…. Pese embora a boa vontade do município para a execução deste plano, as obras das margens, bem como a ponte, estavam dependentes do poder central, não só pelas debilidades financeiras que caracterizavam as contas municipais, mas porque todas intervinham em domínios de tutela governamental. Os cais, do domínio da Superintendência do Encanamento do Mondego e a Rua de Coruche tal como a ponte, enquanto troço de uma estrada de 1.ª ordem, dependiam do Ministério do Reino. Esta dupla tutela embora vantajosa por permitir a comparticipação dos cofres centrais no custo das intervenções, geralmente retardava as intervenções, dependentes de estudos e da disponibilidade financeira central.

Exemplo desta morosidade é o processo de construção da nova ponte metálica em substituição da antiga ponte manuelina assoreada pelo rio. Os primeiros estudos datam de 1859, mas só três anos depois foi publicado o decreto autorizando o seu projeto e construção e, finalmente, em 1873 teve início a sua construção. O caso da rua de Coruche, embora também tenha sido um processo moroso, ilustra as vantagens desta dupla tutela, consagrada pela alteração da sua toponímia para Rua Visconde de Luz em agradecimento ao Diretor-Geral das Obras Públicas. Apesar de incluída no plano delineado em 1935 só vinte e dois anos depois, sob a presidência de António Augusto da Costa Simões, foi solicitado e aprovado o traçado da rua, proposto pelo Diretor das Obras Públicas do Distrito, João Ribeiro da Silva Araújo.

p. 209.jpg

 João Ribeiro Silva, Projeto da estrada entre as ruas da Calçada e da Sofia, 1857

 Pela dimensão das expropriações e dos consequentes realojamentos, esta obra só se tornou possível pelo auxílio do governo que, comparticipou um terço do valor do seu custo, para além de ter aprovado o empréstimo contraído pela Câmara de Coimbra.

A intervenção assume um caráter exemplar porque, dentro do espirito da época, para além de definir os alinhamentos, procurou traçar uma rua moderna garantindo a qualidade estética do conjunto através de regras que definiam o tipo e altura das cantarias, de portas e janelas, os remates da fachada e a forma e prazos da construção.

Neste sentido, veja-se o plano traçado, na mesma época, para o Cais do Cerieiro, a montante de ponte, mas que por falta de apoio governamental e de verbas do município foi adiado.  Previa a construção de um cais e de um passeio público sobre o rio para recreio da população.

“Ao deplorável estado em que actualmente se acha o sítio denomonado – Logar do Cerieiro – prestou atenção esta Camara, deliberando unanimente proceder alli à construção d’uã doca, e d’um caes em continuação do que já existe, e resguarda a cidade das inundações do Mondego, sendo do mesmo tempo um dos nossos mais bellos passeios … O estrangeiro que visitar Coimbra não encontrará um sitio lúgubre, qual hoje é, em perfeito contraste com tantas bellezas, que aformozeam este lado da cidade, gozará de uma vista aprazível e harmónica que se desenrola em toda esta linha, que banha as aguas do Mondego. Não data de hoje, nem sae de nós o pensamento da obra projectada. A todas as administrações camarárias se tem apresentado a ideia da constinuação do caes, assim abaixo das Ameias, como acima da Ponte, no logar do Cerieiro a terminar na ínsua de João Gomez Vianna; e se ate hoje não foi lavada a efeito esta última parte, as cauzas independente da vontade dos ilustres vereadores, que nos precederam, deram a isso logar. A construcção do caes, como a obra de mais vulto deste municipio, tem sido sempre uã questão económica, que umas vezes a necessidade adiou, outras a proporção dos recursos deixou mesquinha, e acanhada, mas em todas as epochas desde mil oitocentos trinta e quatro fói reconhecida a sua necessidade, e importância, andou sempre na ordem do dia dos melhoramentos municipais de maior alcance e o orçamento traria anualmente para ella a verba d’um conto de reis”.

Apesar da pertinência deste plano, a construção do Passeio Público entre as Ameias e a ponte, o alteamento e regularização do Largo da Portagem e a construção da nova ponte foram adiados até 1873.

 Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 205-211, 241-243

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por Rodrigues Costa às 09:16


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