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Esta segunda entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco sobre o sistema de abastecimento de água a Coimbra, será abordada a história das Arcos do Jardim, ou Aqueduto de S. Sebastião.
Fig. 2. Aqueduto da cidade de Coimbra (pormenor). In: Civitates Orbis Terrarum, vol. V, 1598. Op. cit.pg. 220
Assumindo-se hoje como um dos marcos históricos mais emblemáticos da cidade, o mais antigo aqueduto de Coimbra, de duplo orago sebástico – pois foi reconstruído por ordem régia do monarca D. Sebastião (1554|1568-1578) e dedicado ao mártir romano São Sebastião –, tem as suas origens numa construção que remonta ao período da romanização do território que é hoje Portugal.
Aqueduto de S. Sebastião, arco principal. Gravura. Acervo RA
Esta estrutura de abastecimento de água potável à cidade, localizada entre a colina onde se erguia o desaparecido Colégio de Nossa Senhora da Conceição e o atual Convento de Santa Teresa e o Fontanário dos Bicos,
Fontanário dos Bicos, à esquerda. Acervo RA
no Largo da Feira dos Estudantes, em plena Alta Universitária, possui ainda um segundo orago, São Roque, santo que, com São Sebastião, assume o papel de especial protetor contra o flagelo da peste. A escolha destes dois santos patronos está intimamente ligada ao surto pestífero que grassou em Coimbra nos finais da década de 1560, período da construção do aqueduto.
…. Denominadas de fontes de el-Rei e da Rainha, as nascentes que iriam abastecer o centro da cidade com água potável estavam localizadas junto do quinhentista Colégio de Tomar, sobre o qual foi levantado o edifício da Penitenciária de Coimbra nos finais do século XIX, e, nas proximidades da estrada para Celas. Em local próximo encontrava-se ainda a denominada Fonte da Nogueira, atualmente no Jardim da Sereia que, por alvará régio lavrado em 4 de Abril de 1588 e mais tarde reconfirmado em 20 de Abril de 1736, deveria ser vistoriada anualmente pelos oficiais camarários.
Inicialmente com uma extensão de aproximadamente de um quilómetro, o aqueduto de São Sebastião, popularmente conhecido como Arcos do Jardim, é hoje constituído por apenas vinte e um arcos dispostos ao longo da Calçada Martim de Freitas e da Praça João Paulo II. Superando uma relativa depressão territorial, os arcos, uns semicirculares e outros abatidos, estão assentes em robustos pilares de faces externas dispostas em degrau que, por sua vez, suportam no topo o canal adutor. Este, coberto por abóbada de berço, só seria desativado no século XX, por volta do ano de 1942. Quanto ao aparelho construtivo podemos indicar a presença de alvenaria de pedra calcária, fixada com argamassa e reboco, recentemente beneficiado.
A partir do setor nascente do atual edifício do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, a estrutura aquífera continuaria o seu percurso subterraneamente até alcançar o Largo da Feira dos Estudantes, junto da concatedral.
Entretanto, nos finais da década de 1940, no seguimento da reorganização urbanística da Alta para a construção da Cidade Universitária de Coimbra, alguns dos arcos seriam destruídos para a abertura da atual rua do Arco da Traição, enquanto outros, junto ao Jardim Botânico, acabariam por ser desobstruídos do casario habitacional que havia sido edificado ao longo dos tempos.
Aqueduto de S. Sebastião. Arco principal, templete, imagem de S. Sebastião. Acervo RA
Aqueduto de S. Sebastião. Arco principal. templete, imagem de S. Roque. Acervo RA
…. A coroar o respetivo arco principal, sobre o canal adutor, ergue-se um pequeno templete, de planta trapezoidal, composto por colunas dóricas que suportam uma cúpula e lanternim superior. Em cada um dos flancos, cada um dotado com o respetivo nicho, encontra-se as esculturas dos oragos do aqueduto: a de São Sebastião disposta na face sul, e a de São Roque, na face norte.
Desconhecemos, no entanto, o nome do arquiteto responsável pelo projeto, assim como o dos mestres-de-obras que conduziram os diversos trabalhos construtivos. Embora sem grande consenso, surge, entre alguns autores, apenas um nome, o de Fillipo Terzi.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_%C3%81GUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS
A existência de uma Feira dos Estudantes está documentada desde os primórdios da instalação da Universidade em Coimbra. Os Estatutos da Universidade, de 1597, referem-se a uma “feira franca que se faz na praça dos estudantes”. O lugar que adquiriu o seu próprio nome – Feira dos Estudantes – no séc. XVI, ainda hoje existe, no largo frente à Sé Nova de Coimbra.
Fig. 3 – Foto da Feira dos Estudantes datada de década de 70, do séc. XIX (col. Alexandre Ramires).In: Passado ao Espelho. Máquinas e imagens das vésperas e primórdios da Photographia.
Felizmente, sobreviveu no tempo um volume dos almotacés da feira, com o preço dos géneros ali vendidos (1796-1809). Os almotacés eram sempre doutores ou graduados na Universidade, que eram eleitos para o cargo, para taxarem os preços dos produtos vendidos e verificarem a qualidade dos mesmos.
É esse volume que podemos consultar, para conhecer o que a Natureza produzia ao longo das diversas estações do ano e que géneros alimentares existiam na feira, sejam os legumes, as frutas ou mesmo o peixe.
Assim, em maio e junho de 1804 (Fig. 1) podemos ver o registo dos preços das ervilhas (tortas e direitas), as favas, o feijão verde, mas também o ruivo, a pescada, o cação, a tainha, a raia, a sardinha, o robalo, as enguias, etc. Entre maio e julho, surge sempre o registo das cerejas, cuja produção, na estação própria, certamente trazia à feira o fruto tão saboroso, havendo também a designação de “cereja preta”.
Fig. 1 - Registo dos produtos almotaçados na feira dos Estudantes, de 23 de maio a 19 de junho de 1804
Os adágios populares espelham bem esse devir do tempo e a passagem dos meses e estações do ano, como o que escolhemos para introduzir um exemplo dos alimentos nos meses de final de ano: em novembro, prova o vinho e semeia o cebolinho.
Fig. 2 – Registo dos produtos almotaçados na feira dos Estudantes, de 29 de novembro a 13 de dezembro de 1803
A informação sobre a venda, em 29 de novembro de 1804, de “penduras de uvas brancas” também identificadas como “uvas de dependura”, diz respeito às uvas que, fora da estação própria, depois da vindima, se podiam conservar, dependuradas, para se consumirem nos meses de setembro a dezembro. Assim como se referem as “uvas secas” ou passas de uvas. Quanto a outra fruta, saboreavam-se as “maçãs doces da Beira” e a “fruta doce da Beira” (v. dias 29 de novembro e 13 de dezembro de 1803). Também a castanha, fora da sua estação, se poderia consumir seca. E aí está, a designação “castanha longal seca”, tal como a castanha rebordã e a castanha longal, vendidas em abril ou em junho, certamente com outras formas de conservação.
Os testemunhos dos hábitos alimentares da população estudantil, e de todos os docentes e funcionários da Universidade que poderiam abastecer-se na feira, são um interessante tema de estudo, existindo, felizmente, estas fontes documentais que atestam a diversidade de produtos, em cada estação.
Os queijo e paios do Alentejo, esses não respeitam qualquer estação e, pela sua qualidade, estão presentes ao longo do ano, com registos de preços, desde 1796, sem tirarem o lugar aos “queijos do Sabugueiro”, pela forma como, repetidamente, surgem registados.
Bandeira, A. M. Estações. Maio pardo e ventoso faz o ano farto e formoso. Acedido em Acedido em https://www.uc.pt/cultura/estacoes/maiopardo/
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