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Na continuação da entrada anterior, importa assinalar que, na época, a deslocação de parte da Academia até Tomar foi referida por “Tomarada” ou por “Entrudada”.
No texto que, como já se especificou, é da autoria de Joaquim Martins de Carvalho, um profundo conhecedor de Coimbra e do seu passado, surge a referência às “Escadas de Santa Cruz”, designação toponímica que eu, bem como outros apaixonados pela história da Cidade, desconhecíamos,
O restante trajeto percorrido pelos académicos não levanta grandes dúvidas e passaria por descer a Couraça dos Apóstolos, a atual Rua do Colégio Novo e no cimo da antiga Rua das Figueirinhas, agora “batizada” de Rua Martins de Carvalho, descer para Sansão.
O problema coloca-se neste local, pois talvez os jovens pudessem descer umas escadas do Mosteiro crúzio que iam desembocar na sua horta e eram utilizadas polos cónegos regrantes para, por uma passagem secreta de que ainda restam alguns vestígios, se deslocarem até ao Colégio de S. Agostinho.
Avento a hipótese de serem estas as referidas “Escadas de Santa Cruz”, e lanço o desafio a outros conhecedores da cidade para se pronunciarem sobre esta possibilidade.
O itinerário referido, desde que, na época, fosse possível utilizar as alegadas “Escadas”, permitiria aos dois grupos de estudantes em confronto entrarem, simultaneamente, em Sansão, uns pelo lado Norte e outros pelo lado Sul.
Fica a hipótese e o desafio.
Feito este parêntesis, prosseguimos com o texto que temos vindo a utilizar.
À noite reuniu-se a maior parte da academia no largo da Feira, e aí se espalhou a falsa noticia de que os habitantes do bairro baixo da cidade tratavam de se armar para os ir atacar no bairro alto. Os ânimos, que estavam excitados em virtude dos acontecimentos da tarde, mais se exasperaram com tal boato.
Sé Nova e Largo da Feira. Col. RA
Alguns estudantes menos prudentes, querendo ostentar força, e julgando-se vitoriosos dos acontecimentos da tarde, começaram a incitar os seus condiscípulos para virem ao bairro baixo, e assim mostrar que nenhum medo tinham. Não faltaram conselhos e pedidos para que se não efetuasse semelhante resolução: esses esforços, porém, foram inúteis. Mostrando-se alguns, ainda que poucos, estudantes resolvidos a vir ao bairro baixo, todos os outros os seguiram, uns por espírito de camaradagem, e outros até para evitar as cenas desagradáveis que podiam ocorrer. Desceram em número de perto de 600, parte pelo Arco de Almedina, e outra pelas escadas de Santa Cruz, juntando-se em Sansão.
Largo de Sansão, hoje Praça 8 de Maio. Inicio do séc. XX. Col. RA
Mal constou que os estudantes vinham ao bairro baixo, receou-se que se repetissem os excessos da tarde; e por isso resolveram-se alguns indivíduos, no caso de ser preciso, a repelir a força com a força. Ao mesmo tempo dizia-se, posto que infundadamente, que os estudantes queriam incendiar a cidade; e por isso quando eles desciam a rua do Cego para a praça, foram recebidos por algumas descargas, que lhes atiraram da esquina próxima da igreja de S. Bartolomeu, de que resultou ficarem alguns estudantes feridos, e corresponderem estes também com alguns tiros.
Reconhecendo a imprudência do passo que tinham dado, retiraram-se os estudantes para o bairro alto, dirigindo-se uma parte deles pela Portagem, onde a guarda lhes não consentiu que passassem para a Couraça de Lisboa, senão a dois de fundo. Assim o fizeram, terminando por essa noite os tumultos.
Na quarta feira de cinza correram boatos de que nesse dia haveria ainda maiores desordens. Em lugar, porém, dos sinistros acontecimentos que se receavam, tomaram muitos académicos a resolução de sair da cidade, dirigindo-se para Lisboa.
Os académicos participaram esta deliberação ao seu prelado, o qual não pôde fazê-los mudar de parecer; e por isso resolveu em conselho de decanos não mandar tocar o sino para as aulas, esperando ainda que se acalmasse tal estado de irritação.
Chegada a questão a estes termos, foi convocado o claustro pleno para confirmar a deliberação do conselho de decanos; porém, sendo chamado a assistir a ele o sr. governador civil, este instou e fez tomar a decisão de que houvesse aulas no dia seguinte e continuasse aberta a universidade.
Na quinta feira de madrugada, 2 de março, mais de 200 académicos se reuniram no largo da Feira, e dali marcharam para Lisboa, a fim de representar contra os habitantes de Coimbra.
Em cumprimento da resolução do claustro pleno, abriram-se as aulas, e os professores foram para as suas cadeiras; mas raros alunos compareceram, havendo classes em que faltaram totalmente os discípulos.
Os académicos que tinham saído de Coimbra caminharam a pé até Tomar. Aí os veio encontrar o sr. Roussado Gorjão, encarregado pelo presidente do conselho, duque de Saldanha, e pelo ministro do reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, de os persuadir a voltar para Coimbra. Os académicos acederam ás razões que lhes foram expostas, e pela maior parte vieram outra vez para esta cidade.
Pelo ministério do reino foi primeiro concedida aos académicos a faculdade de se apresentarem na universidade até ao dia 25 de março, para continuar as aulas, na certeza de que lhes seriam abonadas as faltas que desde o dia 28 de fevereiro tivessem dado nos exercícios escolares. Depois, em portaria de 17 de março, atendendo a que poderia haver alguns académicos ou muitos deles, que, tendo ido para as terras da sua naturalidade como o governo lhes permitira, ou por quaisquer outros motivos, não pudessem concorrer dentro do tempo prescrito para prosseguir nos seus estudos, á semelhança dos que de Tomar tinham regressado á universidade, foi-lhes prorrogado o prazo para se poderem apresentar até ás ferias da Páscoa.
Carvalho, J. M. Graves conflitos em Coimbra pelo entrudo de 1854. In: Apontamentos para a História Contemporânea, 1868: Coimbra, Imprensa da Universidade, pp. 241-248. Acedido em: https://drive.google.com/file/d/1v-_FRydFPXvB6h6mwq3J2w75ylFmkMsd/view?fbclid=IwAR3I0Zqi_2y3soFLcZe6r5fLsX-Q2qn4McLYJbRj10EtL39pkTqs53l7Oys
Começa hoje à meia-noite mais uma Queima da Fitas, esta envolta em alguma polémica. Para melhor compreender esta tradição académica apresentam-se algumas notas sobre a sua génese, assentes na recordação da Queima de 1931.
A Tradição Académica encontra-se associada a diversas celebrações que pontuam o calendário estudantil. Em Coimbra, as primeiras manifestações deste tipo remontam aos festejos do centenário da sebenta, aos que marcavam o início e o fim das aulas, aos do enterro do grau, etc.
Contudo, ao longo dos tempos foram ganhando raízes toda uma série de iniciativas relacionadas com o desenrolar do calendário académico e que, obviamente passaram a integrar a Tradição. Refira-se sem qualquer preocupação exaustiva, a queima das “Fitas” dos Quartanistas surgida por volta de 1896; a prática da Pastada na década de 1920; a introdução da Garraiada em 1929/30; a missa de Bênção das Pastas, em 1930; a invenção das Cartolas e Bengalas por 1931; a introdução da Venda da Pasta pelos finalistas de Medicina da UC, em 1932; o Baile de Gala das Faculdades, em 1933; a Imposição de Insígnias dos Quartanistas Grelados em 1946; a inclusão da Monumental Serenata no programa da Queima das Fitas, em 1949; as latadas de abertura do ano escolar inventadas nos inícios da década de 1950; a adoção do ritual da compra/roubo do grelo às vendedeiras do Mercado Municipal, costume adotado a partir da Revolta do Grelo acontecida em 1903.
Mas, no século passado, a festa de maior impacto realizada em Coimbra e que assinalava, grosso modo, o final do ano letivo era a “Queima das Fitas”.
Em 1931 integrava o cortejo um carro de bois que transportava alguns caloiros, dois deles identificados pela pessoa que nos facultou a fotografia.
Data desse mesmo ano de 1931 o cartaz da Queima das Fitas que, deteriorado pelo passar dos anos, não permite uma leitura integral.
No entanto, face ao interesse do documento, apresentamos a transcrição possível e pedimos que nos auxiliem na sua leitura integral. Permitimo-nos chamar a atenção não só para estilo da escrita, como para o aliciante programa nele anunciado.
Coimbra da tradição e da lenda
QUEIMA DAS FITAS
As mais bizarras festas académicas que se realizam na Europa
De 24 a 27 de maio de 1931
Domingo, 24
Imponente garraiada, no Colizeu de Coimbra, em homenagem aos Quartanistas de todas as Faculdades «Diestros» dos mais afamados de Coimbra.
À NOITE Maravilhoso festival no Parque da Cidade
Segunda Feira, 25
À TARDE Grandioso desafio de foot-ball no campo de Santa Cruz entre… de Lisboa
À NOITE Na Associação Académica conferência sobre … académicos do passado
Terça Feira, 26
À TARDE Entram os caloiros em Coimbra. Grande … caloiral no Largo da Feira e entrega das insígnias e mais atributos
À NOITE Imponente Sarau no Teatro Avenida promovido pelo nosso Orfeon
Quarta Feira, 27
A Queima das Fitas
Grandioso cortejo burlesco que sairá da Universidade pelas 14 horas. Queima dos Grêlos no Largo da Feira, desfile do imponente cortejo pelas ruas da Cidade.
Carros….
À NOITE … no Parque da Cidade. Maravilhoso fogo de artificio dos … de Viana do Castelo
….
Uma breve nota informativa para dizer que o Colizeu de Coimbra referido no cartaz era a praça de touros, inaugurada em 26 de julho de 1925, e destruída por um grande incêndio no dia 4 de abril de 1935. Estava erguida no atual Parque Verde do Mondego, justamente no local da Praça da Canção.
Pertencia à Congregação dos Cónegos seculares de S. João Evangelista, denominados vulgarmente «os Loios», em virtude da cor azul dos seus hábitos.
... D. João III atraiu a Coimbra os Cónegos regulares de S. João Evangelista, e confiou-lhes a provedoria e administração do hospital real (Hospital Real de Nossa Senhora da Conceição, na praça de S. Bartolomeu, ao qual se deu princípio no ano de 1503), para cujo edifício foram viver.
Colégio dos Loios
... Em 1597 obtiveram umas casas, perto do castelo e não longe da Universidade, para onde logo mudaram. Auxiliou-os a boa-fortuna; viram em breve ampliada a área do seu terreno, e angariaram recursos para a construção dum edifício amplo e majestoso, a defrontar-se com o magnifico templo, então em via de construção, do vizinho Colégio de Jesus.
A 6 de Maio de 1631 ... foi solenemente benzida e colocada a primeira pedra do edifício ... Correram rápidas as obras, e assim, em 1638, colocava-se sobre a fachada príncipe, que olha ao Norte, a estátua colossal do «Discípulo dileto», sob a qual se lê em grandes carateres a indicação daquele ano.
Colégio dos Loios claustro
Ficou o edifício com três fachadas: - a do Norte é voltada para o largo da Feira, a do Sul com a rua Larga que dá acesso direto à Universidade, e a do Poente acompanha a rua dos Loios, cujo nome se refere aos colegiais desta casa.
... Extinto o Colégio de S. João Evangelista em 1834, foi logo o edifício abandonado pelos seus proprietários.
... Hoje (em 1938) lá funcionam: o Governo Civil, a Auditoria Administrativa, a Junta de Província da Beira Litoral, a Direção de Finanças, e a Policia de Segurança Pública.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 222-225, do Vol. I
Nota: Este edifício viria a ser destruído por um violento incêndio que ocorreu em 18 de Novembro de 1943.
Belisário Pimenta nasceu em 3 de Outubro de 1879 ... prédio com o número 11 da Praça do Comércio, a velha praça burguesa da Baixa coimbrã. A sua primeira canção de embalar foi o ronronar cadenciado das máquinas da tipografia do avô materno, instalada nos dois andares de baixo.
... Na sessão em que ingressou na Academia Portuguesa de História, em 28 de Janeiro de 1966, Belisário Pimenta apresentou-se como “homem do Século Dezanove" ... Ansiando pelas grandes batalhas, Belisário Pimenta não perdia de vista que a luta se travava também noutros patamares, ainda que menos decisivos. Empenhava-se no movimento para instalação em Coimbra do Jardim-Escola João de Deus ... Participou na instalação da delegação de Coimbra da Sociedade da Cruz Vermelha ... Foi membro da Sociedade de Propaganda e Defesa de Coimbra.
... No Verão de 1900, concluídos os preparatórios na Universidade, foi admitido na Escola do Exército
... Era no Lusitano, nas longas conversas com os seus amigos republicanos, que retemperava o ânimo. Ia do quartel diretamente para lá, muitas vezes ainda com a farda de serviço ou até, como no dia da visita do Rei a Coimbra, de grande uniforme, causando escândalo entre os oficiais talassas, frequentadores do passeio em frente, do outro lado da Calçada.
Os passeios da Calçada não deixavam margem para equívocos ou para manifestações dúbias. Ali, os campos estavam rigorosamente definidos. O Tenente Belisário Pimenta, oficial do Exército e do Regimento de Infantaria n.º 23, nunca largava o Lusitano e nunca ia ao outro passeio. E fazia questão nisso: “O passeio do Lusitano é dos republicanos, tendo como pontos de concentração o café, a relojoaria do Ferreira; ao passo que o passeio do outro lado, do lado da Havaneza, é dos monárquicos, tendo como pontos de reunião principais a Havaneza para a gente fina, intelectuais, a casa das máquinas Singer para os oficiais do exército talassas e a farmácia Donato para uma certa gente ociosa, franquistagem reles e alguns oficiais correspondentes.”
... No Domingo, dia 9 (de Outubro de 1910), foi chamado ... ao gabinete do Governador Civil, este puxou-o para uma das varandas que davam para o Largo da Feira e fez-lhe a proposta que já esperava. Belisário Pimenta alinhou todos os argumentos que pôde para evitar o que entendia vir a ser um desastre. Mas Fernandes Costa opôs-lhe que o momento não era azado para dúvidas e que “achava pouco patriótico e pouco próprio de um republicano não fazer um sacrifício […] quando a República nascente precisava de todos” ... ao descer as escadas do Governo Civil, já com a posse tomada (de Comissário da Polícia de Coimbra) e com o alvará dobrado no bolso, deu ordem ao primeiro guarda que viu para que houvesse, daí a pouco, formatura geral do corpo de polícia, para fazer a sua apresentação. A corporação esperava-o, formada por esquadras no claustro ... Depois dos lugares comuns, fez-lhes “uma antevisão do que seria o serviço policial com o regime democrático, simples missão de cordura e de paz, com prestígio e força moral, com delicadeza e respeito.”
... Por essa altura, em 1932, já Belisário Pimenta dedicava preferencialmente o seu trabalho de investigação à história militar ... legou à Biblioteca Geral da Universidade Coimbra a sua livraria, os arquivos pessoais e a coleção dos seus originais autógrafos ... Aí, está disponibilizado, para além de um conjunto de 67 fotografias obtidas a partir da coleção de negativos de vidro que faz parte do legado, o acervo de originais manuscritos.
Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 7, 8, 14, 39, 43, 57, 119
Chafariz da Feira
Estava situado na praça de S. Bartolomeu, conforme se pode ver ... na vista panorâmica da cidade de Coimbra, de Jorge Braunio ... onde aparece com a designação de “fons fori” ... Foi mandado construir ... em 1573, por carta régia de el-rei D. Sebastião ... No ano de 1747, este Chafariz beneficiou da limpeza e desobstrução dos canos ... No ano de 1864 ... voltou a ser reformado, tendo sido adicionadas na frontaria as armas da cidade e a data de 1864. Manteve o número de três bicas e o depósito de água suficiente para acudir aos incêndios.
Chafariz da Sé Velha
Terá sido construído no adro da igreja ... junto ao ângulo noroeste, onde existia um deposito provisório de águas. A transformação efetuada nesse depósito, no ano de 1573 ou 1574, teria dado lugar ao chafariz de uma só bica, em cumprimento da ordenação na carta régia ... de el-rei D. Sebastião ... Cerca de sete anos depois da sua edificação ... foi beneficiado passando a dispor de duas bicas, tendo a ladeá-lo dois brasões ... foi modificado, para ampliação do depósito e retirada de uma bica e, em 1898 foi recuado
Fonte dos Bicos
O nome estava relacionado com a arquitetura singular das suas pedras quadrangulares cortadas em pirâmide formando um bico ... terá sido mandada construir ... quando o rei D. João III fixou definitivamente a Universidade em Coimbra, no ano de 1537. O Marco da Feira, na zona norte da Alta, servia de terraço à Fonte dos Bicos, que ligava o lado nascente do Largo da Feira à Ladeira do Marco da Feira, depois Rua dos Estudos ... O Marco da Feira nasceu da cobertura da cisterna que alimentava a Fonte da Feira.
Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra. Direção de Arte de Fernando Correia e Nuno Farinha. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 163, 166 e 167, 182
... o que é uma “República” e o que são as “Repúblicas” ... Tomando a palavra de Agostinho Correia de Sousa ... “Criadas há séculos, as “Repúblicas” mantém-se como outrora – núcleos destinados a permitir o convívio dos estudantes, desde a faceta habitacional à do convívio puro, e a potenciá-lo, o que não é virtude menos importante. Mantêm-se os aspetos tradicionais da praxe e juntam-se-lhe as outras funções de raiz que as determinaram – criação de uma ambiência especial e harmónica.”
... as Repúblicas têm sido sempre o modo mais tradicional da vida académica e o mais seguro baluarte das suas tradições, englobando uma parte da Academia que constitui uma espécie de classe dentro da classe académica, com os seus problemas próprios, o seu espírito próprio e os seus interesses específicos, os quais são comuns às diversas Repúblicas que têm existido. E esses problemas e interesses específicos são de todas as ordens, de todos os tempos e de todas as “Repúblicas”.
... à semelhança do que acontecia em outros países, a junção de estudantes, em pequenos grupos, cada um dos quais com comunhão de mesa e habitação, formando as célebres “repúblicas, com os nomes das terras de naturalidade, ou das ruas onde se situavam e ainda outros. Assim, por exemplo: República Minhota; Transmontana; Scalabitana; dos Grilos, dos Palácios Confusos; dos Sete Telhados; das Cozinhas; dos Apóstolos; da Matemática; Soviete Supremo. Na sua quase totalidade situavam-se no Bairro Alto, que podia dizer-se ser inteiramente académico.
Cada agremiado mobilava o seu quarto, e bem modestos eram os trastes no meu tempo, que já se compravam apropriados: uma cama de ferro com o respetivo colchão e travesseiros; um lavatório também em ferro, com bacia, jarro e balde, mesa cadeira e uma pequena estante, tudo em madeira de pinho ou de cerejeira, pintados de uma cor avermelhada e um candeeiro de petróleo.
Cada mês administrava um, que colhia dos colegas a respetiva mensalidade e tomava diariamente à ‘servente’ as contas do mercado e da mercearia.
A ‘servente’, além do arrumo dos quartos e da limpeza da casa, cozinhava o almoço e jantar, recolhendo seguidamente a sua casa. Em regra não se serviam pequenos-almoços nas “Repúblicas”.
... Conheci casas muito antigas nos Largos do Castelo e da Feira, nas ruas do Borralho, dos Militares, da Matemática, das Flores e em outros, que desde há muitas dezenas de anos, algumas rondando por duas ou mais centenas, deviam ter servido quase sempre para habitações dos estudantes.
... É muito comum dizer-se que “República” é a casa em que vive um conjunto de estudantes”. Eu direi que “República” é o conjunto de estudantes que habita uma mesma casa em espírito de República”. Porque, o importante aqui, não é a casa, é a comunidade humana constituída por aqueles estudantes.
Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 101 a 104
O traçado das ruas da cidade romana é indeterminável, pois os únicos edifícios romanos descobertos – o criptopórtico e a cave em frente da Sé Velha – são insuficientes para nos determinarem orientações.
A mediévica Porta do Sol era provavelmente, já no período romano, umas das entradas da cidade; ficava situada ao cimo da rampa natural que o aqueduto romano acompanhava. Do facto de quase todas as inscrições funerárias romanas de Coimbra terem sido achadas metidas nos muros do Castelo, ou nos panos da muralha entre este e a Couraça de Lisboa, V. Correia concluiu que o cemitério romano deveria ficar situado na encosta de S. Bento e do Jardim Botânico, isto é a poente da ladeira que subia até à Porta do Sol.
Desta entrada da cidade, divergiam muito possivelmente duas vias: uma delas, que na Coimbra moderna (mas anterior à demolição da Alta da cidade) era chamada Rua Larga, conduzia ao sítio que o edifício antigo da Universidade presentemente ocupa. Aqui, não pode deixar de ter existido um edifício romano importante, provavelmente publico … Outra via descia do sítio da Porta do Sol ao antigo Largo da Feira e daqui, pelo Rego de Água e Rua das Covas ou de Borges Carneiro, ao largo da Sé Velha. Se este era o principal arruamento da cidade romana no sentido leste-oeste, é tentador ver, na Rua de S. João ou de Sá de Miranda e na de S. Pedro, o eixo principal norte-sul. Nogueira Gonçalves, porém, considera esta última um corte artificial, talvez operado no século XVI.
Se o monumento romano à Estrela era um arco honorífico, devia marcar o início de uma rua da cidade. Esta seria a do Correio ou de Joaquim António de Aguiar, que António de Vasconcelos representa na sua planta de Coimbra no século XII. Na mesma planta, um outro arruamento, de antiguidade bem provável, é definido pelas ruas da Trindade, dos Grilos ou de Guilherme Moreira e da Ilha. Da antiguidade da Rua do Cabido, representada ainda na mesma planta, duvidamos algum tanto; inclinamo-nos mais a ver na Rua do Loureiro outra das principais vias antigas.
Tudo isto, porém, é conjetural.
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 39 a 40
A ocupação pré-romana da cidade é provável, ainda que não provada.
… Na área da cidade, mesmo da cidade alargada do nosso tempo, não se encontraram nunca vestígios pré-romanos. Os mais próximos são os da Caverna dos Alqueves.
Fica situada entre as aldeias da Póvoa e Bordalo, a poente de Coimbra, nas traseiras do mosteiro novo de Santa Clara. Descoberta pelo Dr. Santos Rocha, que aí fez explorações em 1898, foi escavada também por A. Mesquita de Figueiredo, em 1900 e 1901. O espólio encontrado é neolítico.
É provável que o festo da colina onde, no nosso tempo, se instalou a cidade universitária, tenha sido ocupado desde épocas recuadas. O sítio é excelente. Dois vales profundos cavam um fosso natural em redor da colina. O primeiro corresponde à atual Avenida de Sá da Bandeira. Por ele corria um ribeiro chamado ‘torrente de balneis Regis’ no documento de 1137 demarcatório da freguesia de Santa Cruz. O ribeiro, que tomava a direção da Rua da Moeda, tinha caudal suficiente para moer, na Idade Média, as azenhas instaladas nesta rua … O segundo vale corresponde ao Jardim Botânico e à sua mata. Uma rampa natural, que o aqueduto de S. Sebastião, ou dos Arcos do Jardim acompanha, separa os dois vales … Este morro é ainda fendido a meio por aquilo que Fernandes Martins chamou expressivamente uma «cutilada»: um valeiro que, saindo do antigo Largo da Feira, «e seguindo pelo Rego de Água em direção à Rua das Covas, ganha declive cada vez mais rápido, para se despenhar por Quebra-Costas, a caminho da Porta de Almedina». Em 14 de Junho de 1411, segundo revela Nogueira Gonçalves, uma enxurrada de tal sorte se precipitou por este córrego, que arrancou as portas chapeadas de ferro da cidade…
Um sítio naturalmente defendido e cómodo para assento de povoado fica assim definido entre a Couraça de Lisboa e o córrego da Rua das Covas ou de Borges Carneiro. Se nenhuns vestígios de épocas pré-históricas foram aí encontrados, isso se deve, certamente, ao facto de os trabalhos para a instalação da cidade universitária não terem sido acompanhados por arqueólogos.
Na área da atual cidade, outro ponto que os povos pré-históricos poderiam ter ocupado, é o morro da Conchada; não se conhecem aqui, porém, vestígios arqueológicos. Uma «necrópole com sepulturas antropomórficas abertas em rocha», provavelmente medieval, foi descoberta no vale de Coselhas.
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 25 a 27
Coimbra tinha, na primeira metade do século XIX, três mercados que satisfaziam as necessidades alimentares dos seus habitantes: um, com raízes seculares, na Praça de S. Bartolomeu (hoje oficialmente denominada Praça do Comércio, e igualmente conhecida por Praça Velha); o mercado de Sansão, em frente da fachada principal do Mosteiro de Santa Cruz e da sua Igreja (atual Praça 8 de Maio) e ainda um mercado semanal às terças-feiras no antigo Largo da Feira, frente à Sé Nova, reminiscência da chamada Feira dos Estudantes, instituída no século XVI por D. João III, para a comunidade da Universidade, após a sua transferência definitiva para a cidade.
… resolveu a Câmara, em 13 de Junho de 1840, que as vendedeiras de cereais de Sansão passassem para o então denominado Pátio de Santa Cruz, situado no local que é hoje o início da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes …
Pouco depois, em 6 de Maio de 1857, nova alteração surgiu, com a mudança do mercado dos cereais para a antiga horta do mosteiro … continuando a existir a velha praça em S. Bartolomeu
… Era, ao tempo, consensual a necessidade da construção de um mercado, pois a velha praça instalada em S. Bartolomeu não satisfazia as condições mínimas …as opiniões dividiam-se quanto à sua localização. Alvitravam-se dois locais: a horta de Santa Cruz e a Sota, na velha Baixa Coimbrã … sendo decidido pela Câmara da presidência do Dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, em 5 de Janeiro de 1866 … escolher o terreno da horta de Santa Cruz, em detrimento da Sota … iniciam-se em Outubro de 1866 as obras, com a escavação de 3.695 metros cúbicos de terras, para nivelamento dos terrenos … em 21 de Outubro de 1867 aprovado o regulamento, data em que se decidiu dar ao novo empreendimento o nome de Mercado D. Pedro V … de facto, no dia 17 de Novembro de 1867, era, finalmente inaugurado o novo mercado que tanta polémica levantara … O novo mercado seria contemplado com um candeeiro a gás, a que em breve se juntariam mais quatro.
… logo em 1872 temos notícias de reparações …Até ao fim do século XIX, foi o mercado alvo de pontuais reparações, cobertura de barracas, ou instalação de esgotos … em 12 de Janeiro de 1899, viria a ser tomada a tão útil e necessária decisão de mandar vedar o recinto do mercado.
Andrade, C.S. 2001. Mercado D. Pedro V. Uma História com História. Texto publicado em suplemento especial no Jornal de Coimbra de 14 de Novembro de 2001
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