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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 10.12.24

Coimbra: Cristianização de Coimbra e do seu aro 1

Na série de entradas que agora iniciamos, iremos abordar um trabalho de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulado Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.

Reliquias. capa.jpgOp. Cit., capa

Reliquias. augustofilipesimoes-2.jpgAugusto Filipe Simões. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/searchview=detailV2&ccid=71m%2FVdQs&idFbad.pt%2Fwpcontent%2Fuploads%2F2023%2F09%2Faugustofilipesimoes

Utilizando uma linguagem romântica própria da sua época, em 6 de junho de 1870, o autor dedica o referido livro “À Cidade de Coimbra”, acrescentando que o mesma ilustra uma das épocas mais remotas e obscuras da sua história; persuade com as provas irrefragáveis, deduzidas do adiantamento das artes, que serviu de berço á civilização portuguesa; patenteia, enfim, que esses homens esforçados, que alevantaram o glorioso edifício da independência nacional, foram, a vários respeitos, muito menos bárbaros que certos apologistas do presente, que assim os reputam.

Inicia a obra com uma longa Introdução, na qual procura explicar o enquadramento histórico da evolução arquitetónica religiosa até ao século XI, no espaço que hoje é Portugal.

Dedica o Capítulo I a Coimbra que analisa até ao final dos séc. XII. No primeiro tema «A imperfeição da arquitetura cristã … o templo … o conimbricense até ao século XI», destaca a relevância atribuída a D. Sesnando, referido como o «povoador e edificador». Dessa parte inicial transcrevemos os primeiros parágrafos.

Raiou muito cedo na cidade de Coimbra a luz do cristianismo. Seus bispos autênticos principiam a ser conhecidos no meado do século VI; já, porém, antecedentemente tinha Sé anexa à de Mérida.

Nessa antiguidade tão remota diminutíssimo deveria ser o número das igrejas pertencentes á diocese conimbricense.

Primeiro que a nova religião se fortalecesse, teve de sustentar porfiosas lutas, resistindo á violência com que reciprocamente se combatiam os povos bárbaros, afrontando suas seitas e heresias, conquistando, enfim, palmo a palmo, o terreno, onde por tantos séculos obtiveram culto geral os deuses dos romanos.

No Capítulo II aborda, especificamente, as igrejas de S. Tiago, de S. Salvador e de S. Cristóvão, textos que serão objeto de entradas próprias, tal como acontecerá com o Capítulo seguinte, dedicado unicamente à Sé Velha de Coimbra.

A problemática das edificações religiosas do norte do País, consequentemente já fora da área de Coimbra, é estudada no Capítulo IV.

Em nota de rodapé à transcrição que acima fazemos de parte do Capítulo I, seja-nos permitido acrescentar, a fim de exemplificar o que seria a religiosidade dos povos então a integrar o aro de Coimbra antes da emergência do cristianismo, um pequeno excerto da nossa publicação, Murtede. O concelho que foi, a freguesia que é.

Referimo-nos, especificamente, à descoberta, em 1957, junto à igreja de Murtede (atualmente uma freguesia do concelho de Cantanhede), de uma ara erigida por Caius Fabius, consagrada a Tadudicus, divindade lusitano-romana.

Reliquia. ara votiva. Imagem cedida por José Enca

Trata-se de uma ara votiva erigida por aquele cidadão romano, descrita por José Rodrigues como sendo uma coluna de 80 cm. de altura, de base quadrada e fuste cilíndrico cingido a meio, por uma grinalda airosamente esculpida, que apresenta a seguinte inscrição:

TADVDICO

FABIVS VIATOR

LA DD

O Doutor José d’Encarnação apresentou a seguinte leitura da epígrafe:

A Tadudico.

O viajante Caius Fabius

Consagra fervorosamente ao Deus Senhor

O mesmo Autor explica, ainda, que se trata de um interessante monumento religioso mandado erigir por um cidadão romano desta região que metido em aventurosa viagem fez um voto à divindade venerada na sua terra, para o caso de sair são e salvo.

Acrescentamos, como refere a Professora Doutora Regina Anacleto, que, frequentemente, as igrejas primitivas cristãs eram edificadas em locais onde, anteriormente, já era praticado algum tipo de culto.

Terá sido esse fator que interferiu na localização das igrejas primitivas de Coimbra?

Rodrigues Costa

Simões, A. F. Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1870. Typographia Portugueza, Lisboa.

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por Rodrigues Costa às 11:05

Terça-feira, 13.02.24

Coimbra: Personalidades, Jorge Gomes 2

Continuação do texto de Manuel Campos Coroa sobre Jorge Gomes.

Jorge Gomes, persistiu no seu método pedagógico por mais de 5 décadas e nunca deixou morrer em Coimbra o legado de Artur Paredes, que de contrário seria, na minha opinião, mais um génio esquecido no tempo.

Identifica como seus mestres, Fernando Rodrigues (irmão de Flávio), José Rodrigues, bem como os estudantes Octávio Sérgio, Arménio Serrão Assis e Santos, a que se somavam também alguns outros guitarristas com quem convivia.

O instrumento que hoje possui, foi-lhe vendido em 1959 por Octávio Sérgio, que o tinha comprado na casa de Olímpio Medina. É uma Guitarra de Coimbra em pau-santo da Baía, da lavra do mestre guitarreiro João Pedro Grácio Júnior, sua companheira de incontáveis serenatas e gravações, que o acompanhou durante a comissão militar em Angola e que iria mais tarde emprestando a alunos de sucessivas gerações, que ainda não tinham guitarra própria, possibilitando-lhes assim a aprendizagem e o uso em eventos especiais.

Integrou como instrumentista vários grupos de canção de Coimbra, a começar pelo grupo em que se estreou, tocando viola, numa serenata realizada no antigo colégio Camões (à Av. Dias da Silva), acompanhando os guitarristas Manuel Pais e Frias Gonçalves, com  Fernando Ermida no canto, até ao Grupo Folclórico de Coimbra, passando também por muitos outros agrupamentos de destaque.

Para referir apenas alguns grupos que Jorge Gomes integrou no seu extenso percurso musical, destaco um com David Leandro, outro com o guitarrista/cantor Manuel Branquinho (com quem gravou em estúdio), mas também com os amigos António Ralha e Manuel Dourado, acompanhando regularmente cantores como Serra Leitão, Raúl Diniz, José Manuel dos Santos, Armando Marta, ou também, de forma pontual, Fernando Rolim, ou Glória Correia, entre muitos outros intérpretes.  

Durante vários anos, foi 2º guitarra no grupo liderado por António Pinho Brojo, com Aurélio Reis e Manuel Dourado nas violas, acompanhando o cantor José Mesquita, em espetáculos e gravações de estúdio.

Gravou como violista os discos, Fogueiras de São João I e II, editados pelo Grupo Folclórico de Coimbra,

JG 5 grupo_folclorico_coimbra_passo_fundo.png

Grupo Folclórico de Coimbra, com Jorge Gomes na guitarra de Coimbra. Comemorações dos 500 anos da descoberta. do Brasil, junto ao monumento a Pedro Alvares Cabra, em Passo Fundo, Brasil. 2000.

mas também outros editados pela Secção de Fado da AAC, como “Olhar Coimbra”, integrando à guitarra o grupo “Árreum Pórreum” com temas de música futrica ou ainda o disco da Secção de Fado “Coimbra, Baladas Fados e Guitarradas”, em que gravou a peça de sua autoria “Maio de 78“, composta no edifício Chiado em homenagem ao retomar das tradições académicas, que resultou das conclusões extraídas do primeiro seminário do fado, realizado naquela data no auditório da reitoria da UC.

JG 6 JorgeGomes e Alunos S.F. Santa Cruz.jpgJorge Gomes com alunos da Secção de Fado da AAC. Abril de 2005.

JG 7 JorgeGomes e Alunos S.F. Santa Cruz  2.JPGJorge Gomes com alunos da Secção de Fado da AAC, no café de Santa Cruz. Inícios dos anos 2000.

A sua dimensão pedagógica, é sem sombra de dúvida a que mais se destaca, pelo enorme talento natural para a transmissão de conhecimentos, mas essencialmente porque ensinou sempre de forma dedicada, com um visível gosto pessoal e verdadeira vocação, quer a música quer a História, disciplina em que é licenciado pela FLUC e que lecionou durante anos no colégio de S. Teotónio.

Pude testemunhar em frequentes ocasiões, a grande cumplicidade que se estabelece naturalmente com os jovens e adolescentes com quem se relaciona, acrescentando ao trabalho técnico, alguns episódios de sã brincadeira, que contribuem  de forma decisiva para o fortalecimento dos laços de amizade para a vida.

Os seus alunos de guitarra, para além da aprendizagem técnica e estética da música de matriz coimbrã, absorveram quase sem dar conta, com frequência à volta de uma mesa de lanche ou refeição, conceitos absolutamente essenciais para a correta compreensão e o indispensável enquadramento histórico-cultural das atividades artísticas, promotores de uma formação de base sólida, que estimula de forma decisiva, o sentimento coletivo de pertença.

Mestre Jorge Gomes é, na minha opinião e na de muitas dezenas de cultores, o maior vulto do ensino da guitarra de Coimbra de sempre. Pelo abrangente conhecimento da cultura, da história,  pela consciência da grande importância do contributo para a arte, daqueles que foram passando pela cidade em busca de conhecimento e por  cá deixaram as mais diversificadas influências e que muito contribuíram para o enriquecimento deste “caldo de cultura” que se chama Coimbra, influenciando de forma muito particular a música, nas suas vertentes académica e futrica, elas próprias, verdadeiramente indissociáveis.

O cerne do ensino de Jorge Gomes na arte de bem tocar a Guitarra de Coimbra, reside na transmissão rigorosa de uma técnica de dedilhação apoiada da mão direita, em que polegar e indicador percutem as cordas utilizando em simultâneo a unha (que não deverá ser demasiado comprida, nem ter forma de palheta)  e a polpa dos dedos, ficando estes, ato contínuo, apoiados nas cordas imediatamente adjacentes, quase sempre no uso do polegar e na flexão do indicador, favorecendo desta forma a consistência, a intensidade e a qualidade das notas musicais, o que, aliado à destreza da mão esquerda, contribui de forma decisiva para a qualidade do som extraído da guitarra, que é uma das principais características diferenciadoras no toque da guitarra de Coimbra,   em que Jorge Gomes é exímio.

Importa esclarecer, que não foi Jorge Gomes o “inventor” destas técnicas, mas sim Artur Paredes, como se poderá constatar pela leitura da obra do amigo e 2.º guitarra, Dr. Afonso de Sousa: “O canto e a guitarra na década de oiro da Academia de Coimbra (1920-1930)” – Coimbra Editora 1986.

 Conclusão na entrada seguinte.

 Coimbra, 28 de janeiro de 2024

Manuel Campos Coroa

 

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por Rodrigues Costa às 10:39


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