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Um trabalho original de José Maria Mudo
O José Maria, mudo, moço de litografia e tipografia, inteligente, serviçal em extremo, que, ao sentir falta de dinheiro, ou para dar as boas festas, é capaz de fazer o seu verso de pé quebrado ilustrando-o por seu punho.
O Bentinho Sapateiro (Cliché de Joaquim Olaio)
O Bentinho sapateiro, figura caricata e sobremaneira interessante, que se dá ao luxo de vestir à inglesa, indo todos os domingos a certa mercearia buscar um charuto de vintém, dadiva d'um seu amigo velho que andou a estudar em Coimbra e já se formou.
O Bamba
O bebedor emérito, devasso inexcedível, que uma vez arvorou em Rousseau e fez as suas confissões.
Conta-se dele um caso que não deixa de ter espírito. O Bamba queria batizar um filho e queria que o Dom Thomaz de Noronha fosse seu compadre. Para isso foi esperá-lo numa tarde aos Arcos do Jardim, expôs-lhe a sua pretensão e conseguiu ver dentro em breve realizado o seu maior, o seu constante desideratum. Restava, porém, escolher o nome que se devia dar ao petiz e o Dom Thornaz perguntou-lhe qual era o nome de que ele mais gostava e queria para o seu filho. Resposta do Bamba:
– O compadre não é o padrinho do rapaz?
– Sou…
– Não se chama Dom Thomaz?
– Chamo…
– Pois meu filho deve chamar-se Dom Thomaz!...
E após uma sonora gargalhada do padrinho, o petiz ficou sendo, na verdade, o Dom Thomaz…
O Barnabé
O Barnabé que parece ter o dom da ubiquidade, esse pobre diabo que aparece em toda a parte quase ao mesmo tempo. Há um fogo? Lá vai o Barnabé avisar os bombeiros antes que os sinos deem sinal. Há uma desordem? Lá vai o Barnabé avisar a polícia, porque esta só aparece quando é avisada.
Há necessidade de qualquer recado? Eis que surge o Barnabé. Há um batizado, um enterro, um casamento quase em segredo? Não importa. Mesmo assim lá aparece o Barnabé.Com certeza o Barnabé deve lá estar! E quando ele se perfila a uma esquina fazendo continência, de chapéu na mão, ao passar alguém conhecido que interpela sempre desta forma: faz favor de me deitar a sua bênção?... Então a minha mesada? – é certo que apanha dez réis.
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
O Cego da Abrunheira e seu Moço (Desenho de Eduardo Macedo)
A galeria popular coimbrã é vasta, e se nela há vultos de somenos originalidade como lembrando, ao acaso, O Cego da Abrunheira, lugar próximo de Coimbra, que vinha, ás vezes, á cidade em companhia de um moço, ganhar a vida tocando e cantando alguns improvisos, verdadeiros disparates, a quem lhe desse alguma coisa, outros há que merecem um pouco de atenção, como, por exemplo, o Francisquinho Tanana, a Feliciana Pereira, a Maria do Gato Negro e tantos outros que passarei a citar.
O Chiquinho Tanana (Retrato a óleo de Eduardo Macedo)
O célebre Francisquinho Tanana, um velhito magro como um junco, de pele encarquilhada, morava junto ao cemitério, lá no alto do Pio, e passava à tarde para o rio a buscar água num pote de barro que, à volta, trazia à cabeça com muito cuidado. A pobreza do seu vestuário era tão grande que chegava a ser imoral, pois tanto importava esse conjunto de andrajos como nada, o corpo andava quase todo à mostra, e uma vez vi-o eu nesse estado, a gritar como um possesso nuns gritos selvagens e a arrepelar-se todo porque os garotos, além de lhe chamarem Tanana, tinham-lhe feito partir o pote que levava à cabeça e que se desequilibrou ao atirar uma pedra, arma com que se defendia da rapaziada brejeira.
Quando se ouvissem uns gritos agudos, por vezes em falsete, acompanhados de um choro ridiculamente convulso, era certo e sabido que andava por perto o Francisquinho Tanana e toda a gente assomava às portas e ás janelas para ver esse espetáculo miserável da vida das ruas.
O José Maria Mudo
Facto quase idêntico se dava com O Mudo, um calceteiro que a Câmara Municipal tinha admitido ao seu serviço.
Esse não tinha nada com os garotos, só se importava com o pessoal que dirigia, mas, para lhe transmitir as suas ordens, para se fazer compreender, desfazia-se em gestos desesperados e gritos tão agudos que se ouviam com certeza sete léguas em redor. Olhar a fronte cheia de rugas do Francisquinho é trazer à ideia toda uma série de magníficas cabeças de estudo que se encontram nesses mendigos vadios perdidos pelas ruas de Coimbra.
O Rabino
É ver o D. Sebastião, de que já falei, o Rabino, um belo tipo de judeu, de rosto bem vincado, de linhas bem definidas, que vivia de expedientes e tinha o seu dito espirituoso lá de vez em quando.
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
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