Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A' Cerca de Coimbra


Quarta-feira, 17.01.24

Coimbra: Cataventos

Relembramos um trabalho do Dr. Mário Nunes, editado no ano de 2000, sob a chancela do Grupo de Arte e Arqueologia do Centro.

Cataventos, capa a.JPGCataventos de Coimbra, capa

Nos livros antigos de "Horas" e "Cronicões", as iluminuras quando representam castelos ou palácios, mostram os cumes dos torreões encimados de bandeiras em toda a sua grandeza.

As bandeiras e o seu uso associavam-se à nobreza.

Cataventos. Livro_das_Fortalezas_83-_Miranda_do_DoCastelo de Miranda do Douro. Imagem acedida em; https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_das_Fortalezas#/media/Ficheiro:Livro_das_Fortalezas_83-_Miranda_do_Douro.jpg 

…. As bandeiras, de diversos panos e cores, a drapejar, permanentemente, ao vento, deterioravam-se com facilidade. Surgiram a remediar os efeitos negativos e a substituir o pano, bandeiras de ferro, reduções das de pano, e que passaram a ocupar, também, os pináculos dos castelos, palácios e mosteiros. Avistavam-se ao longe e mostravam o brasão do seu proprietário. Porém, como aquelas bandeiras eram rígidas, houve necessidade, de as tornar móveis em torno de um eixo, para não se danificarem ou caírem quando sopravam ventos mais fortes. E, desta maneira, as bandeiras transformaram-se, de simples ornamentos em indicadores da direção do vento, retomando o préstimo que os gregos e os outros povos lhes tinham dado.

Cataventos Lanternim do zimbÔö£Ôöério da SÔLanternim do zimbório da Sé Nova. Op. cit., pg.  75

Cataventos,  pg. 21.jpgOp. cit., Pg. 21

O cata (procura) vento, é, como referimos nos dados históricos, um instrumento que serve para indicar a orientação do vento, e que atua, também, como motivo ornamental dos edifícios.

 … O FERRO FORJAD0 E OS CATAVENTOS DE COIMBRA

 

Cataventos, pg. 33.jpgOp. cit., pg. 33

Coimbra, a "cidade das grades", na designação de Vergílio Correia, acolheu a arte e a beleza do ferro forjado. Executaram-se "autênticos monumentos", que consagraram o pendor criativo daqueles que lhe deram forma.

Cataventos, pg. 37.jpgOp. cit., pg. 37

António Augusto Gonçalves ao criar, em 1878, a Escola Livre das Artes do Desenho, lançara os alicerces da arte que fez nascer alfobres de artesãos e de artistas.

Cataventos, pg. 71.jpgOp. cit., pg. 71

Em 1900, ao deslocar-se à Exposição Universal de Paris e ao confrontar os trabalhos expostos, rendeu-se à serralharia, um ofício que fornecia objetos aplicados na arquitetura, quer fosse ferro fundido, quer ferro forjado.

 

Cataventos, pg. 45.jpgOp. cit., pg. 45

Ao regressar à Lusa-Atenas não hesitou em introduzir na Escola, juntamente com Joaquim Martins Teixeira de carvalho e João Machado, a arte que o fascinara em Paris. E, a primeira obra saída desta temática foi para o monumento funerário de Olímpio Nicolau Rui Fernandes.

Cataventos. Olimpio b.jpgBase do monumento funerário de Olímpio Nicolau Rui Fernandes. Col. RA

 Nunes, M. Cataventos de Coimbra. Fotografia de António Quinteira, João Azevedo, Mário Afonso Nunes, Coimbra, Grupo de Arte e Arqueologia do Centro.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 12:41

Quinta-feira, 25.05.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 5, O coreto do Passeio Público

A serralharia artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, na intimidade Mestre Gonçalves e Mestre Quim Martins, como lhe chamava a plêiade de artistas do ferro que foram seus discípulos: António Maria da Conceição (Rato), Albertino Marques, António Craveiro, Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, José Domingues Baptista e Filhos, José Pompeu Aroso, e tantos outros. Das mãos dos ‘ferreiros’ saíram obras notáveis, capazes de marcar o ressurgimento daquela arte rude e maravilhosa que, em Coimbra, a partir de meados do século XIX, tanto tinha decaído, limitando-se, a bem dizer, ao fabrico de camas e de lavatórios, como se verificou na exposição, realizada em 1869, no salão da Associação dos Artistas.

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho 01.jpegJoaquim Martins Teixeira de Carvalho

Nesse renascimento, para além dos citados Gonçalves e Quim Martins, podem ainda referir-se os nomes de Manuel Pedro de Jesus e de João Augusto Machado, este também a tentar o ferro e o primeiro que, a partir de certo momento, lhe dedicou todo o seu saber e criatividade; por isso, os podemos apelidar de precursores da serralharia artística aeminiense.

A Câmara Municipal, logo em 1903, entendendo que devia encorajar a nova indústria, abriu concurso para a construção de um coreto destinado a ser colocado no novo Passeio Público que se iniciava no Largo das Ameias. Manuel José da Costa Soares, o artista que emprestara os utensílios a João Machado e o ensinara a bater o ferro, concorreu, a par com algumas firmas industriais sediadas no Porto.

Passeio Público. Coreto 1.jpg

Coreto no Passeio Público

Costa Soares era dono de uma alquilaria, sita à Rua da Sofia, na inacabada igreja de S. Domingos, onde, ao fundo, um pouco afastado da entrada, montara a forja. Mas os seus trabalhos de ferro já eram conhecidos, porque foi ele que arrematou a parte metálica do então Teatro-Circo e também é da sua autoria a cúpula metálica da Penitenciária, feita em 1887.

A comissão nomeada para apreciar as propostas que haviam sido apresentadas acabou por dar o seu aval à do referido industrial, porque, para além do mais, o seu projeto não era uma obra de catálogo, de fabrico em série, mas tratava-se de uma construção inédita. Contudo, foi “o modesto artista sr. João Gaspar, que na officina do sr. Manoel José da Costa Soares forjou as peças do corêto que a camara municipal mandou construir na Avenida Emygdio Navarro”.

Passeio Público. Coreto 2.jpgCoreto. Manuel José da Costa Soares com desenho de Silva Pinto

 A estrutura, posteriormente transferida para o Parque Dr. Manuel Braga, foi adjudicada a 18 de fevereiro do ano seguinte, e sabe-se, apenas através do que se encontra escrito em jornais publicados na cidade, que o arquiteto Silva Pinto, “um dos mais calorosos apóstolos do novo culto”, executara o seu desenho e que a edilidade tinha todo o interesse em entregar a obra a um artista da cidade, porque podia, deste modo, implementar a indústria nascente.

Coreto 09.jpgO coreto depois de transferido para a Parque Dr. Manuel Braga

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:09

Quinta-feira, 18.05.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 3, a história da Escola Livre das Artes do Desenho, parte 3

A tradição artística coimbrã assentava as suas bases na pedra, não no ferro. Deste, nos alvores do século XX, e, pese embora, a existência de vários estabelecimentos ‘industriais’ deste ramo, poucos testemunhos significativos se encontravam na cidade, enquanto que, daquela, começaram a surgir, espalhados um pouco a esmo, como dizia Augusto Mendes Simões de Castro, no seu Guia historico do viajante no Bussaco, “verdadeiros primores do escopro e do cinzel”.

Existem muitas razões válidas capazes de explicar este surto artístico, que passa pela proximidade física dos trabalhos dos mestres escultores renascentistas, sem nos esquecermos da relativamente curta distância a que se encontram as pedreiras de Ançã; os blocos dali extraídos, brancos, macios e dóceis, permitem um trabalho fácil e de bonito efeito.

 

Pedra de Ançã, pedreira 3.jpgPedra de Ançã, pedreira

A partir do início da segunda metade do século XIX começaram a realizar-se, principalmente na Europa, Exposições Universais, antecedidas, em cerca de noventa anos, pela efetivação, sobretudo em França e em Inglaterra, de pequenas mostras industriais, que muito contribuíram para o desenvolvimento dos respetivos países; estes certames animavam o aparecimento de novos inventos e funcionavam como parte fundamental da engrenagem da sociedade industrial.

Exposição de máquinas .1900 2.jpgExposição Universal de 1900. Galeria das máquinas.

Nessas apresentações as máquinas não serviam o fim a que se destinavam, mas convertiam-se em objetos destinados a ser observados pelos espectadores, maioritariamente (potenciais) profissionais.

Primeira Exposição Universal, Londres, 1 de maioPrimeira Exposição Universal. Londres. 1851.

… Além disso, estas mostras funcionavam ainda como espelho da sociedade, como festa política, como meio de propaganda e de demonstração de poder. Evidenciava-se ainda a relação direta que se estabelecia entre produtores, comerciantes e consumidores.

Durante todo o século XIX a indústria do ferro (primeiramente empregue como fundido, depois forjado e finalmente sob a forma de aço) progrediu, foi utilizado na arquitetura e toda a sua evolução se encontra patenteada nessas exposições.

As Exposições Universais eram, para o país que as organizava, a expressão do espírito de emulação, de criatividade, do desenvolvimento comercial e industrial, do estatuto das relações económicas internacionais, da afirmação do prestígio nacional, da focalização das questões sociais e da valorização da missão

Exposição de Paris. 1900. Vista geral.jpgExposição Universal de Paris. 1900. Vista Geral

Em 1900, a Exposição Universal de Paris atraía sobre si as atenções de todo o mundo civilizado. António Augusto Gonçalves não podia ficar indiferente a esta manifestação e, por isso, vencidas algumas dificuldades, ei-lo a caminho da Cidade das Luzes, afim de, in loco, entrar em contacto com as maravilhas ali patenteadas. Imagine-se o impacto que a mostra exerceu sobre este homem inteligente e artista, saído de uma longínqua cidade de província, com foros e pergaminhos de culta, mas isolada, fechada e distante de tudo quanto fosse civilização e progresso.

A secção de «ferronerie» “prendeu-lhe muito as vistas e criou-lhe sonhos”. Questionava-se acerca das razões impeditivas de se produzirem peças idênticas em Coimbra, até porque os resultados expressos naquele setor se encontravam dentro da linha de pensamento de uma época que se iniciara alguns anos antes, quando o trabalho em série, feito pela máquina, começou a ser posto em causa. A personalidade e a originalidade do artista deixavam de ter peso na peça fabricada e António Augusto Gonçalves não aceitava de bom grado este facto, até porque ele, na sua Escola Livre orientava os alunos na composição e na execução da peça, mas ‘impunha-lhes’ a obrigatoriedade de o não seguirem servilmente, mantendo e vincando o seu subjetivismo e individualidade.

Ainda a quilómetros de distância, Mestre Gonçalves relembrava e analisava os trabalhos de ferro enviados pelos artistas conimbricenses às últimas exposições locais e constatava que as peças apenas patenteavam habilidade manual.

No regresso, interrogava-se acerca do caminho a trilhar, a fim de modificar este estado de coisas e sonhava desenvolver, em Coimbra e com o ferro, uma arte que atingisse nível similar ao da pedra. Confiou o desejo ao Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o bom Quim Martins, que tanto ajudou, com a pena e com a amizade, os artistas mondeguinos, e transmitiu-o também a João Machado, o burilador para quem a pedra não tinha segredos.

João Machado 2.JPG

João Machado

 A ideia foi germinando e Machado, um belo dia, com quatro pedras, improvisou, ao canto da sua oficina, uma incipiente forja, a fim de tentar manufaturar um florão, destinado a servir de puxador de gaveta. O ferreiro a quem pedira emprestados os utensílios necessários, veio ver e ensinou-o a bater o ferro. O artista entusiasmou-se e pôs de parte, durante algum tempo, o seu amor pela pedra, chegando mesmo a debuxar e a forjar algumas peças.

Assim ressurgiu, em Coimbra e acalentada pela ELAD, uma arte que, durante longos anos, sofrera as consequências do desprestígio; a sua certidão de batismo, que não a de nascimento, foi passada quando Manuel Pedro de Jesus bateu, segundo um desenho e com direção de António Augusto Gonçalves, uma grade para o monumento funerário que então se erigiu no cemitério da Conchada em memória de Olímpio Nicolau Rui Fernandes, o fundador e principal dinamizador da Associação dos Artistas, coletividade criada em 1862. Olímpio Nicolau Rui Fernandes, homem que, nascido em Lisboa, se radicara em Coimbra, onde exerceu o cargo de Administrador da Imprensa da Universidade, maçon convicto, morreu na casa que habitava na Rua da Ilha, a 02 de abril de 1879.

Manuel Pedro de Jesus. Porta e grade de jazigo.jpgManuel Pedro de Jesus. Porta e grade de jazigo

Manuel Pedro de Jesus. Lampião. Casa dos Patudos.Manuel Pedro de Jesus. Lampião. Alpiarça, "Casa dos Patudos"

 Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:38

Quinta-feira, 13.04.23

Coimbra: A Tricana, outra visão 3

Foi com esta maneira de trajar que as Tricanas se apresentavam nas tradicionais fogueiras do Romal, da rua do Borralho, de Santa Clara e da Arregaça. Esse modelo foi aproveitado em pinturas, telas e cartões, e aberto na pedra por muitos artistas.

Há também o trajo referido no livro - «Cartas duma tricana» - do distinto advogado e escritor, Herlander Ribeiro, referente ao período de 1903 a 1908, assim descrito: - «saias pretas de barras de seda, meias de algodão em branco, chinela de verniz, blusas brancas e cor de rosa, de setineta, na cabeça lenços de tonalidades berrantes».

Ainda o sr. Dr. Vergílio Correia, em «Coimbra e arredores», 1939, … refere a Tricana nestes termos: «Terra de estudantes e tricanas costumam chamar a Coimbra. Se os estudantes persistem, as tricanas citadinas não aparecem senão em reconstituições literárias ou em festivais. A mulher da cidade veste-se atualmente segundo as modas correntes na classe a que pertence; mas cobrindo o busto airoso como xaile fino, e diademando a cabeça com a coifa negra, ou a mantilha, sabe distinguir-se entre todas pela elegância comedida das atitudes. A mulher dos arrabaldes conserva as suas saias de pregas, rodadas, os corpetes justos, o xaile traçado sobre o ombro, o lenço caído, elementos valorizadores da sua mobilidade desperta e da graça rítmica de movimentos, acorde com a paisagem e planura.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 578.jpgOp. cit., pg, 578

Assim, é que Mestre Quim Martins, o notável arqueólogo, crítico de arte e saudoso jornalista, já encontra a Tricana em Sexta-feira de Paixão:

- «O lenço de seda, branco enrolar de lírio, cai sobre o xaile preto retesado nos ombros delgados, puxados para diante, sobre o peito fraco, como duas asas. Adiante do cruzamento do chale cai a finura da sua mão talhada em mármore, branca como a cera, afilada como uma pétala de flor».

Rafael Salinas Calado, no seu livro - «Memórias de um estudante de Direito», no capítulo «Tricanas», indicando que ninguém definiu, com mais admiração, a donzela pobre de Coimbra que o «Quim Martins», escreve:

«Esguia, formas graciosas, estilizada, pé pequenino, de tamanquinha ou sapato de verniz, artelho fino, a saia caindo em pregas airosas, o xaile de merino cingido aos ombros delicados e ao corpo de sonho, o lencinho de seda preto deixando ver o seu rosto de delicado contorno de bandós negros, olhos grandes sonhadores e espirituosos, narizinho às vezes arrebitado, boca de maravilha sobrepujada da «ligeira penugem do pêssego a amadurecer», era, assim, a tricana de Coimbra».

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 611.jpg

Op. cit, og, 611

A forma de vestir que se encontra apontada no capítulo desse livro, revela a progressão do trajo das moças desta cidade.

Ao lenço de ramagem substitui-se o de seda e por último a mantilha.

Rocha Madail, bibliógrafo e publicista muito ilustre, no precioso livro «Alguns aspetos do trajo popular na Beira-Litoral», descreve também a Tricana, e transcreve do etnógrafo Luís Chaves estes belos períodos: «A Tricana é a mulher dos campos e baixas do Mondego inferior;  

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 600.jpg

Op. cit., pg, 600

o seu tipo taful concentra-se em Coimbra, a cidade santa de todo o ribeirinho mondeguenho. Está afeita a todos os trabalhos dos campos, pelos arrozais, nas hortas, onde trabalha corno um homem a par dos homens, ora cavando, ora ceifando, ora tirando com movimentos rítmicos a água dos poços baixos com os engenhos primitivos de pau, que surgem de todos os lados, no meio das terras rasas, um aqui, dois acolá, como pernaltas de bico em riste, à espera do peixe que passe...

«Galantes, rápidas, saia curta, amarrada às coxas pela cinta que as enleia com arregaçá-las; camisota leve, de mangas a descobrir-lhes os braços, torneados pelo trabalho; o lenço na cabeça arrochado em nó sobre a nuca ou sobre o cocuruto, arrecadas pendentes das orelhas, elas tudo correm, em toda a parte as vemos; os pés, espalmados, quase não tocam no chão; cantam e riem; sobre o ombro traçam o chale que cruza o peito e a custo cobre as costas, deixando-lhes livres os braços no ritmo da marcha.

 

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 614.jpg

Op. cit., pg. 614

 Em Coimbra enchem as margens dos rios, metidas na água como ninfas do Mondego.

Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 18:22

Quinta-feira, 15.07.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 28

Os obreiros das novas arquitecturas

Os projetistas dos imóveis que neste período se iam edificando na cidade e especificamente no novo Bairro de Santa Cruz, a muitos dos quais já fomos fazendo referência ao longo do texto, eram, na sua maioria construtores civis, embora também encontremos o nome de condutores, mestres-de-obras e similares a riscarem prédios, a responsabilizar-se pela sua construção e a comprometerem-se, de acordo com regras estipuladas pela edilidade, com a segurança do operariado.

Através das deliberações tomadas na sessão da Câmara Municipal de Coimbra a 10 de setembro de 1908, fica-se a saber que, para poder assinar a planta de um edifício ou o projeto de modificação de uma qualquer fachada, teriam os autores de ser “engenheiros, arquitectos, desenhadores, ou condutores de obras públicas, ou mestres de obras devidamente inscritos”.

Contudo, um mestre-de-obras, para conseguir o diploma submeter-se-ia, obrigatoriamente, a um exame que, de acordo com o anúncio publicado na folha O Operario de Coimbra, constava “1.º Da leitura de um trecho facil da língua Portugueza; 2.º Das quatro operações sobre inteiras e decimaes; 3.º De calculos de areas e volumes das figuras mais usuaes; 4.º Da intelligencia e explicação de um plano de construcção civil; 5.º Do traçado de um pequeno projecto, copia ou original á escolha do candidato, que poderá servir-se de papel quadriculado; 6.º De noções geraes sobre materiaes de construcção, especialisando-se o que mais directamente se refira a estabilidade da cosntrucção e a segurança dos operários n'ella empregados”.

De entre os mestres-de-obras e os construtores civis a laborar na cidade, e naquele período, podem referir-se os nomes de “Abílio Augusto Vieira, de Cellas; Accacio Theodoro, da Portella da Cobiça; Antonio Augusto Pedro, Mont'Arroyo; Antonio da Silva Feitor, R. dos Militares; Antonio Simões; Benjamim Ventura; Francisco Antonio de Meira; Francisco de Campos; Francisco Collaço; João Antonio Maximo; João Gaspar Marques Neves; Joaquim Augusto Ladeira; Joaquim dos Santos Porto; Joaquim Simões Misarella; José Pedro de Jesus; José dos Santos Marques; Manuel Cardoso”.

Se se pensar, a nível de arquitetos e de acordo com o Annuario Commercial de Portugal, entre 1901 e 1925, apenas um, Augusto de Carvalho da Silva Pinto, aqui residia e mantinha atividade regular; contudo, não se pode escamotear a importância que neste período Raul Lino exerceu no contexto arquitetónico da cidade, quer através dos edifícios que projetou quer através da influência que a exposição dos seus trabalhos desempenhou tanto, lato sensu, na mentalidade da urbe, como no gosto de potenciais encomendantes.

Fig. 49. Assinatura do arquiteto Silva Pinto.jpg

Fig. 49 – Assinatura do arquiteto Silva Pinto.

O primeiro, Silva Pinto, nasceu em Lisboa no ano de 1865 e faleceu na mesma cidade, onde foi procurar cura para os seus males, em 1938. Depois de ter terminado o curso especial de Arquitetura da Escola de Belas-Artes de Lisboa vai completar a sua formação na École des Beaux-Arts parisiense. Quando regressa de Paris, em 1895, fixa residência em Coimbra, dado que o arquiteto José Luís Monteiro, amigo do conde do Ameal, lho recomenda a fim de dirigir as obras de adaptação do colégio de S. Tomás, sito na Rua da Sofia, a residência do titular. A verdade é que se radicou na cidade e nela permaneceu até ao fim da vida, envolvendo-se nos mais diversos empreendimentos arquitetónicos e culturais que então se desenvolviam na urbe. Da sua mão saíram muitos e variados projetos de edifícios que espalham e espalhavam, porque alguns já desapareceram sob o camartelo cego dos poderes públicos, pela cidade; alem disso exerceu o magistério na Escola Brotero e envolveu-se com os cometimentos e com a “política” da urbe, e não só.

Silva Pinto.jpg

Silva Pinto

O arquiteto Raul Lino nasceu em Lisboa a 21 de novembro de 1879 e aí faleceu a 14 de julho de 1974.

Fig. 50. Arquiteto Raul Lino.jpg

Fig. 50 – Arquiteto Raul Lino.

Iniciou a sua formação em Inglaterra e, depois de 1893, continuou-a na Alemanha, onde foi discípulo de Albrecht Haupt, mestre que marcou profundamente o seu pensamento e a compreensão da corrente modernista.

Nos últimos anos do século XIX, certamente por influência de um take off tardio, Lisboa começou a crescer e muitas das novas zonas foram projetadas a partir dos princípios do design moderno vindo de Paris. Mas esses projetos não interessavam a Raul Lino, para quem os valores tradicionais e nacionais, como o amor pela pátria, para além de terem feito parte da sua formação, exerciam sobre ele uma profunda influência.

O alarife nutria uma grande simpatia pelos artistas de Coimbra ligados à ELAD, utilizando mesmo, e frequentemente, nos imóveis que projetava as cantarias e os ferros forjados saídos das suas oficinas; o gosto pela utilização azulejar como elemento decorativo também era comum. Esta afinidade talvez encontre explicação, porque Lino nutria o mesmo empenho, admiração e culto artístico pela arte nacional que encontrava seguidores em António Augusto Gonçalves e nos seus discípulos, homens que, em Coimbra iam “modestamente fazendo a renovação das nossas indústrias de arte”.

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho.jpg

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, ‘Quim Martins’

Quim Martins, no seu jornal Resistencia, escrevia que em Raul Lino se encontra, o que era raro nos arquitetos, a preocupação com “physionomia da região, e com a côr da paysagem” e, além disso, “tira partido de tudo que possa dar um ar pittoresco e regional, á sua construção”.

Casa na Avenida Marnoco e Sousa. Projeto do Arquit

Casa na Avenida Marnoco e Sousa. Projeto do Arquiteto Agostinho da Fonseca. Foto Daniel Tiago, 2006

O artista, que frequentemente se deslocava a Coimbra, ao ter conhecimento de que se encontrava em projeto a abertura do Bairro do Penedo da Saudade, levou a cabo na sede do Instituto uma exposição dos seus trabalhos, porque, de acordo com o «Noticas de Coimbra» “ficariam ali muito bem prédios daquele tipo”; a mostra inaugurou-se no dia 14 de março de 1908.

Av. Marnoco e Sousa, placa toponímica.JPG

Av. Marnoco e Sousa, placa toponímica

O “festejado artista” vira já os seus méritos reconhecidos pela intelligenza da cidade que o fizera, em 1904, sócio do Instituto de Coimbra.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 18:36

Terça-feira, 20.03.18

Coimbra: Carnaval doutros tempos 1

O primeiro documento que conseguimos encontrar sobre os festejos do Carnaval em Coimbra é o anúncio que a seguir se reproduz:

Carnaval. Baile 02a.jpgCarnaval de 1894, anúncio de baile carnavalesco

 

Na sua edição de 21 de fevereiro de 1907, o jornal Resistencia, escrevia que (atualizamos a grafia), a sociedade Comba-Club [fundada numa data que escapa ao nosso conhecimento, mas composta essencialmente por comerciantes e industriais] tinha decidido meter ombros, com bem pouca probabilidade de sucesso nesta sonolenta Coimbra, à organização de festejos tendentes a “civilizar o carnaval”.

 De acordo com o articulista, provavelmente Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o conhecido Quim Martins, “civilizar o carnaval é uma frase feita, mas má”, porque o carnaval não se civiliza, o carnaval fica o que foi ou desaparece.

Carnaval. Baile 01a.jpgCarnaval de 1907(?), anúncio de Baile de Mascaras

 

O carnaval não tinha sido sempre a festa licenciosa, suja, brutal e sem graça vivida na época medieval, mas no período renascentista evoluiu e apareceu, nessa altura, o cortejo e a mascarada espirituosa que encheram a rua de alegria decorativa e de um grande exibicionismo artístico.

Portugal não acompanhou a evolução acontecida nos outros países onde se passou de uma cerimónia seiscentista á graça amorosa, espirituosa e fina do século XVIII.

Contudo, o nosso amor aos jogos, danças e torneios a cavalo, veio dar ao entrudo nacional uma feição própria que ainda, no final do século XIX, fazia do carnaval uma ocasião de ostentação artística, materializada em jogos de destreza capazes de provocar o sorriso e de, por vezes, gerar uma alegria ruidosa face às surpresas das cavalhadas.

Do programa proposto pelo Comba-Club salientavam-se os bailes organizados na sua sede e na “Casa do sobrado” ou “Casa da pandega”, situada na periferia, bem como cavalhadas e récitas no Teatro-Circo. O cortejo carnavalesco constituía o ponto alto dos festejos.

Carnaval de 1907 02.JPG

 Carnaval de 1907, carro das Especialidades de Coimbra a passar na Praça do Comércio

Illustração Portugueza, 52, Lisboa, 1907.02.18, p. 200; Resistencia, 1181 e 1183, Coimbra. 1907.02.10 e 1907.02.21.

 

 

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 09:23

Terça-feira, 06.03.18

Coimbra: Centenário da Sebenta ou a história de um monumento efémero

Mário Torres tem vindo a publicar na sua página do FB uma excelente recolha de imagens e de textos relacionados com o “Centenário da Sebenta”.

O “Centenário da Sebenta”, festa académica acontecida em Coimbra nos dias 28, 29 e 30 de abril de 1899, teve por objetivo fazer uma crítica – violenta – ao principal instrumento de ensino então utlizado, a sebenta litografada.

O programa dos festejos consubstanciava uma paródia aos muitos centenários cívicos, todos eles imbuídos de forte matriz política, que, nos últimos anos do século XIX, vinham acontecendo em Lisboa e no Porto.

Apresentação1a.jpg

 Joaquim Martins Teixeira de Carvalho

 O Professor Doutor Joaquim Martins Teixeira de Carvalho – conhecido na cidade por Quim Martins – na altura em que passavam dez anos sobre a referida festividade académica relembrou-a, relatando no “seu” jornal Resistencia, órgão do Partido Republicano de Coimbra, que dirigiu entre 1895 e 1907, um episódio certamente desconhecido de muitos e que então ocorrera.

Trata-se de uma verdadeira obra-prima do espírito académico de então, para a qual fui alertado por uma Amiga que conhece bem este período, quando com ela comentei a recolha que Mário Torres vem meritoriamente fazendo.

É essa verdadeira pérola coimbrã que aqui se divulga.

Centenário da Sebenta. Monumento 01a(1).jpg

 Monumento à Sebenta. Busto de Alois Senefelder, inventor da litografia

 

O monumento da Sebenta

 

João Machado – esculptor

Dr. Quim Martins – architecto

 

E’ historico.

Ha dez annos.

Eu descia para a Baixa ao anoitecer.

Da escuridão do arco de Almedina avançou para mim o Xandre, esbaforido, a face da pallidez das sombras heroicas dos Elyseos...

– Vou ter com o Gonçalves para elle me fazer o monumento da 'Sebenta ...

– Para quando?

– D'aqui a quatro dias…

– Estás doido! Não faz. Agora é que tu pensas nisso...

– Tenho tido mais que fazer. Eu...

– Já sei. E's um homem arrombado

– Você, Quim, é que podia…

– Eu?!

– E' uma coisa simples. Quero um monumento todo de cebo, e em cima, de cebo tambem, um busto de Senefelder, inventor da lithographia, e portanto pae da Sebenta. Você ri-se? Não foi elle quem inventou?...

– Foi.

– Bem. Julguei que era asneira ...

– A asneira está em tu quereres um monumento de cebo.

– A ideia não é boa?

– E', mas deve ser feito em gesso, a fingir cebo…

– Como quizer. Mas encarregue-se d'isso, doutor! Salve-me. E'· salvar-me a honra, é mais que salvar-me a vida…

– Bem, pois então vamos lá a salvar essa honra D'esta vez não é preciso attestado?...

– O' doutor, eu nunca abusei…

– Deuses immortaes! Quem tal suspeita?...

–  Bem! Fico descançado. Não torno a pensar mais nisso. Gaste o que quizer. Paga-se tudo!...

No dia immediato, fui ter com o João Machado, levando já 'um mau retrato de Senefelder, e disse-lhe no que me metera.:

Ele poz-se a rir, e a contar os dias, e as horas de: trabalho pelos dedos.

Havia apenas tres dias, contando o da inauguração…

– Vamos a isso! disse elle, continuando a rir.

Chamou um aprendiz e mandou-lhe buscar carvão, papel, barro e gesso, comentando:

– Vem tudo de uma vez! Não ha tempo a perder. Ainda áhi estás? Corre. Avia-te!

Eu fui aos meus doentes. Voltei quatro horas' depois. João Machado tinha já o busto desenhado a carvão, numa linha de um desenho tão fino que eu perguntei-lhe:

– Foi o João Machado que fez isto?

– E' boa! Já o Sr. Pinto [Arquiteto Silva Pinto] se admirou tambem. Em pouco me têem os senhores…

–  E' que está muito bom, O que aqui está desenhado não é facil.

– E isto?...     

Voltei-me e dei com João Machado que, a rir, modelava o 'busto de Senefelder, já adiantado.

–  Palavra que está muito bom!

– Diga agora que aqui não ha talento!           

– Bom! Se o João 'Machado está alegre, o successo da obra é certo.

– Já viu? Tenho ali modelo vivo.

– Aonde?

– Ali! Na ratoeira…

– Um rato!...

– Pois! E' que ha de roer a sebenta e o cebo. Estudo ao natural, trabalho consciencioso ...

– Boa vae ella! Ha que tempo o não vejo tão satisfeito. Bom! Vou ver um doente e volto...

Fez-se o busto, e lá ficou como emblema decorativo o ratito preto, de

olhos tão vivos, que nunca mais tornei a ver…

João Machado, que me sabia afadigado, foi elle mesmo collocá-lo no

Largo do Museu, de noite.

Eu, nem quiz por lá passar ao saír do teatro e fui deitar-me a dormir algumas horas.

No dia irnmediato, levantei-me, fui ver, e desci a correr á officina do João Machado. Ainda lá não estava.

Entrava d'ahi a pouco, muito enroscado no casaco, porque a manhã estava fria.

– Fui ver a obra, disse eu.

– Passei lá quasi a noite toda.

– Obrigado. Mas é necessario irmos lá, senão perde-se o valor da sua obra.

–  Não posso! E' dia de féria. Tenha paciencia. sr. doutor ...

- Não póde, não póde! Acabou-se...

– Está-se a zangar. Eu não queria, mas não posso. Emfim, vá lá. Vou! Ao meio dia...

– Qual meio dia, nem qual carapuça! Já! Já! E leve homens, e madeira, e aboboras e cebolas...

– Seja! Vamos lá para casa do Benjamim Ventura.

Fomos. Elle poz-se a rir, e foi-nos ao quintal buscar uma couve

magnífica para o monumento. Eu pedi mais tres e um cabo de cebolas.

E lá foi a caravana a rir.

Chegámos ao largo do museu.

O Seneffelder que estava a olhar para o museu, voltou-se para o Largo da Feira, a entrada do largo.

Confiscou-se um carro de pedra que passava para uma obra e despejou-se para fazer a rocaille do jardim que havia de rodear o monumento.

A' Feira mandei comprar um alguidar verde para fazer o lago decorativo.

Os empregados -do museu riam, emquanto eu e o João Machado, muito serios, dispunhamos, 'em 'festões decorativos, cabos de cebolas, botas velhas, hortaliças varias, abanos, e laranjas.

–  Francisco, disse eu, chamando pelo meu velho servente de anatomia, faz-me um favor!

– Ora essa. Sr. Doutor!...

–  Vae ao mercado e compra-me um cisne, para o lago.

–  O' sr. Dr., mas no mercado não ha cisnes a vender...

– Compra-me um pato marreco…

– Lá isso ha...

- Então que é mais o pato que o cisne? O cisne é um pato, mais janota, de pescoço mais alto. Mais nada! Traga lá o cisne!

O Francisco foi-se a rir. e a encolher os hombros, comprar o pato.

 

– João Machado, vamos ás legendas. Ahi na frente escreva: Ao Mousinho da Sebenta a mucidade agardecida, Mocidade com u já se vê.

–   Isso não sr. dr., eu não escrevo isso

– Pois escrevo eu. Dê cá o pincel. E vae hagardecida, com h, pois então!...

O monumento ficou obra acabada

Sobre a piramide, cujas arestas cortadas eram decoradas com os rolos lithographicos a escorrer de tinta, levantava-se branco. de cebo, a

desfazer-se, o bom Senefelder que começara a vida a gravar música e por isso estava logicamente predestinado para descobrir o modo de reproduzir a Sebenta.

Do fundo do pedestal, adeantando medrosamente o focinho. olhava ironicamente para Senefelder o rato: que o havia de comer.

Pelo pedestal corriam com intenção decorativa as cebollas, as botas, as coisas mais estranhas que João Machado pintava de oxidações artisticas, dando-lhes a côr dos bronzes monumentaes

Não se ouviam senão murmurios de admiração.

Eu e João Machado, muito sujos, muito pingados de tinta, tinhamos o ar descuidado dos immortaes.

Alguem fez notar que era uma pena que dessem cabo de tão bella obra.

– Quem?

– Ora sr. dr., alguem por inveja. Elle anda por ahi cada um...

– O melhor era ir buscar um policia.

– Um policia?...

– Se o sr. dr. pedisse na esquadra, lá davam-lhe um...

– Vá, sr. dr., vá buscar um policia...

Eu fui á esquadra da Feira.

D'ahi a pouco entrava eu no largo do museu com um policia.

Ao fundo apparecia então o Francisco com o pato...

Uns gostavam mais do pato, outros do policia. 

Eu não escolhera. Trouxera o que me deram.         '

Um duplo triumpho.

 

Em breve nadava o pato no alguidar vidrado, que na frente do monumento simulava o lago simbolico em que melancholicamente se devia mirar o rosto pensativo de Seuefelder.

Ao pescoço sustentava o chocalhinho, emblema da commissão das

festas.

– Um pato da cornmissão?! dizia a rir um dos enthusiastas que chegava.

– Que queres?! Na commissão não poude encontrar-se um cisne!...

E mentalmente pedi desculpa ao Lopes Vieira da mentira vil que dizia para fazer um dito de espírito.

Já não era a primeira.

E tinha eu então menos dez anos…

Centenário da Sebenta. Monumento 02a.jpg

 Inauguração do busto de Alois Senefelder, inventor da litografia. Centenário da Sebenta, sábado, 29 de Abril de 1899, às 13h00

 

– Parabéns, doutor! Voltei-me era uma senhora, minha doente, que me estendia a mão. – V. ex.ª gosta?          ,

– Muito. Está um apetite…

E' de notar que a pobre senhora padecia do estomago.

Um apetite!.... Estaria curada'?

O' força dominadora da arte!...

T.C.

 

Resistencia, 1405, Coimbra, 1909.04.30.

Fontes das ilustrações: Carvalho, J.M.T. 1921. A livraria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra : estudo dos seus catálogos, livros de música e coro, incunábulos... Coimbra,  Imprensa de Universidade. Acedido em http://purl.pt/335/4/#/1; Sá, O. Álbum "Centenário da Sebenta - 1899, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Cota: O.S. A.2).

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 09:07

Quinta-feira, 08.06.17

Coimbra: Avenida Sá da Bandeira na leitura de um coimbrinha

Mão amiga enviou-me o texto de um artigo de autor só identificado pelas iniciais C e F, publicado no início do século XX que reflete, de uma forma expressiva, uma das facetas menos positivas de uma figura típica da nossa Cidade: o “coimbrinha” que crítica, crítica e... não passa da crítica!

Sendo um texto que reflete uma época, penso que pela sua graça importa rever e analisar.

 

A minha architectura. Raul Lino

No sud express de anteontem, chegou a esta cidade o architecto Raul Lino, artista de mérito e rapaz muito sympáthico, que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente, e que, com mais um amigo meu, acompanhei num pequeno passeio pelo bairro de Santa Cruz, onde brevemente se levantaram algumas construcçõces delineadas por aquelle novo architecto.

Encaixados num caleche, sob um sol abrazador, aí pela 1 hora, passámos pela Avenida, e mostrámos-lhe, primeiro que as nossos bellezas architectónicas, aquella galeria de monstrosinhos, que os honestos, mas pouco artistas, mestres de obras, cá da terra, e mais alguns, têem ido poisando por êsse bairro de Santa Cruz fóra.

Manutenção. Anais. 1920-1939.TIF

Edifício da Manutenção Militar

 Apresentámos lhe aquelle mostrengo da padaria militar, sellado na frontaria, como todas as coisas, e fizemo lo admirar aquelle caprichosinho ingénuo e ridiculo, de uma casolita de boneca, feita de tijolo, e encarrapitada na chaminé da mesma padaria.

Teatro Avenida (Principe Real) a.jpg

Teatro Príncipe Real, depois Avenida

 Mostrámos lhe depois a pequena cartonagem da casa de bombeiros e a boceta - Theatro, barriguda e atarracada, como o Santos Lucas, e, por fim, aos pouco, fomos-lhe apontando aquellas frontarias chatas, em rectangulo, com janellas em rectangulo, e portas em rectangulo, monótonas variações sobre o mesmo thema, - o rectangulo, ou então construcções estylo cartão de visita, como espirituosamente lhes chama um amigo nosso.

Olhar de alguma consideração mereceu-nos apenas uma casa, que fica quasi ao meio da rua, e que é a melhor casinha do sitio.

Ao chegar ao largo, fallámos-lhe desta nossa geral e exaggerada preoccupação das frontarias, e do absoluto desprezo das fachadas lateraes, justificado, provavelmente, por uma razão análoga á que podem apresentar os sujeitos que não cuidam da roupa branca, porque ella se não vê.

Para confirmar as nossas maldizencias, apresentamos-lhe uma das fachadas dum grande edifício, pintado de côr de rosa, na frente, e de branco, nos lados, onde, aos zig-zags, corria a bicha amarella da do canno das latrinas, e onde, apenas se abriam umas estreitas frestas.

... Sou má lingua, e não percebo nada disto. Sou o que quizerem; mas deixem-me fallar.

Eu sempre embirrei com esta mania de pôr chalets numa rua urbana, com est’outra de trazermos para o seio do nosso clima ameno, edifícios carrancudos dos paises frios, com telhados de lousa, empinados por causa das neves ... Eu quero que a casa diga com o clima e com o morador.

Ver um castello no meio dum jardim, e avistar-lhe, nos minaretes, os calções e as fraldas dos meninos a enxugar, embirro.

Ver um brutamontes, mettido num destes edificiosinhos, caixas de bonbons, que a França nos tem mandado, estragando com as botifarras, o encerado do parquet, - ou arrotando, em mangas de camisa, os gazes do jantar na sua varanda janota, embirro.

Ver estas casas burguesas, pretenciosas, com ornamentações de mausoleu, embirro e embirrarei.

Quero luz, quero limpeza, quero hygiene. Concordo em que as janelas sejam bem rasgadas, os quartos amplos, as estrebarias em pavilhões affastados, as latrinas isoladas e as casinhas á parte. Mas não quero que se façam casas como quem faz caixotes.

... Diz se que a casa, que se suppõe ser nossa, existe lá fora, nas habitações da mesma epocha. Concordo; mas imprimimos-lhes ou não lhes imprimimos um cunho nosso? Adaptamo-las ou não?

... E agora, meus amigos. Terei dicto muita asneira, nesta minha carta; o Quim se cá estivesse talvez me tivesse puxado as orelhas, por castigo, mas, ao menos, fico com a consolação de que disse o que sentia.

F., C. A minha architectura. Raul Lino, “Resistencia”, Coimbra, 1902.09.28.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:52

Quarta-feira, 26.04.17

Coimbra e as suas Personalidades: José Barata

De seu nome completo José dos Santos Sousa Barata, foi sócio fundador e um dos primeiros e dos mais ilustres alunos da Escola Livre das Artes do Desenho fundada em 1878 por António Augusto Gonçalves de quem foi um discípulo dileto.

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho refere ainda que foi aluno da Escola Brotero e discípulo de João Machado.

Na Exposição de 1884, expõe um busto da Vénus de Milo, estudo feito em pedra de Outil, obra que foi premiada.

A primeira grande obra conhecida em que participou data de 1886 e foi a casa neomanuelina da Rua do Corpo de Deus.

A partir de 1897 colabora na obra do que é hoje o Palace Hotel do Buçaco, sendo referido em O Conimbricense, de 8 de Julho de 1899 como um dos artistas que mais se têm distinguido pela mestria e perfeição com que têem executado delicadissimos lavores em pedra.

Em 1898, em parceria com João Machado e sob a batuta de António Augusto Gonçalves, interveio no restauro do pórtico principal da Sé Velha.

Em 1904, Joaquim Martins Teixeira de Carvalho refere-o como um dos artistas conimbricenses que trabalha nas obras do Palácio da Regaleira, em Sintra, afirmando, que lavra como nenhum outro artista portugues, em estilo manuelino

Em 1916 esculpiu a fonte do palacete Garcia (hoje Vila Marini).

José Barata. Palacete Garcia. Fonte  cor.TIF

Fonte do Palacete Garcia

 Em 1927 concluiu a magnifica pia batismal da igreja de Santo António dos Olivais.

José Barata. Ig. S. Anto. Olivais. Pia baptismal

 Pia batismal da igreja de Santo António dos Olivais

 No Despertar de 26 de Fevereiro de 1930 é referido numa nota necrológica: Decorador distinto do manuelino, tendo também executado diversas esculturas, deixou espalhada pelo país (Buçaco, Sintra, etc.) obras admiráveis de beleza e elegância. A pia batismal da paróquia de Santo António dos Olivais, a ornamentação de um prédio na Rua Alexandre Herculano e um jazigo em manuelino foram as suas últimas obras, revelando nelas o seu talento de artista, José Barata, pode também dizer-se, foi quem melhor interpretou o estilo manuelino.

Nota: Esta entrada só foi possível pela investigação e disponibilidade da Senhora Professora Doutora Regina Anacleto que, para a mesma, me cedeu as fotografias e as suas fichas referentes a José Barata.

O meu profundo agradecimento.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 22:02

Terça-feira, 04.04.17

Coimbra: Ourives Conimbricenses do Ferro 1

Coimbra, nos finais do século passado (XIX) e inícios deste (XX), apenas saía da pacatez que a envolvia, quando festejava qualquer santo da sua devoção, quando se realizavam as tradicionais feiras ou quando aqui se deslocavam personalidades, quase sempre, do foro político ou cultural. Nessa altura, o quotidiano das gentes do burgo sofria alterações.

Na urbe, grosso modo, intelectuais e artífices movimentavam-se em quadrantes espaciais diferentes e, enquanto os primeiros gravitavam em torno da velha alcáçova, os segundos haviam-se instalado na zona baixa, já fora de portas, em ruas estreitas, que se desenrolavam circularmente em torno dos já inexistentes muros, apenas a adivinharem-se no perímetro urbano da cidade.

Mas, em Coimbra, o desenvolvimento industrial era lento e penoso, até porque se tratava de uma terra quase provinciana, de parcos recursos económicos, onde muito pouco havia para investir.

Mesmo assim, nos finais de Oitocentos, existiam na cidade fábricas de fiação e tecelagem, de sabão, de lanifícios e de cerâmica e, para além destas, O Conimbricense, ainda referia as de massas, as de moagem e as padarias.

A fundição e a serralharia apresentavam então um certo desenvolvimento, não só porque os estabelecimentos existiam em número considerável, como eram credenciados, uma vez que recebiam “numerosas encomendas para esta cidade, e para fora d’ellla”. Contudo, parece-me que estas oficinas gravitavam em torno de trabalhos que se relacionavam, essencialmente, com as necessidades do quotidiano, com a lavoura e com os transportes.

... A tradição artística coimbrã assentava as suas bases na pedra, não no ferro. Deste, nos alvores do nosso século, e, pese embora, a existência de vários estabelecimentos ‘industriais’ deste ramo.

Palácio da Justiçaa. Portico.tif

 Palácio da Justiça. pórtico

... a Exposição Universal de Paris atraía sobre si as atenções de todo o mundo civilizado. António Augusto Gonçalves não podia ficar indiferente a esta manifestação... A secção de serralharia fascinou-o!

...No regresso, questionava-se acerca do caminho a trilhar, a fim de modificar este estado de coisas e sonhava desenvolver, em Coimbra e com o ferro, uma arte que atingisse nível similar ao da pedra; acabou por confiar o desejo ao Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o bom Quim Martins, que tanto ajudou, com a pena e com a amizade, os artistas mondeguinos e transmitiu-o também a João Machado, o burilador para quem a pedra não tinha segredos.

A ideia foi germinando e o artista, um belo dia, com quatro pedras, improvisou, ao canto da sua oficina, uma incipiente forja, a fim de tentar manufaturar um florão, destinado a servir de puxador de gaveta. O ferreiro a quem pedira emprestados os utensílios necessários, veio ver e ensinou-o a bater o ferro. Machado entusiasmou-se e pôs de parte, durante algum tempo, o seu amor pela pedra; chegou mesmo a debuxar e a forjar algumas peças.

Assim ressurgiu, em Coimbra e acalentada pela Escola Livre das Artes do Desenho, uma arte que, durante longos anos, sofrera as consequências do desprestígio; a sua certidão de batismo, que não a de nascimento, foi passada quando Manuel Pedro de Jesus bateu, segundo um desenho e com direção de António Augusto Gonçalves, uma grade para o monumento funerário que então se erigiu no cemitério da Conchada em memória de Olímpio Nicolau Rui Fernandes.

Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do Ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 1, 4, 7-9

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:23


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Abril 2025

D S T Q Q S S
12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
27282930