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O arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto aderiu mais tarde a este movimento, mas nem por isso deixou de, ao longo dos tempos, o impulsionar ativamente; nascido em Lisboa, depois de ter sido professor na Escola Superior de Belas-Artes deslocou-se a França, a fim de aí aprofundar os seus conhecimentos. Regressou em 1895 e radicou-se em Coimbra, terra que adotou como sua e onde, para além de ter sido diretor e professor da Escola Industrial Brotero e de ter colaborado com a Escola Livre das Artes do Desenho, deixou numerosos trabalhos, alguns deles também relacionados com a arte do ferro.
Augusto de Carvalho da Silva Pinto
António Augusto Gonçalves entregou-se ao ressurgimento do trabalho em ferro com o mesmo fanatismo que lhe era reconhecido no respeitante às outras artes e “encontrando” em Manuel Pedro de Jesus que, por volta de 1900, já era sócio da Escola Livre, aptidões excecionais para a serralharia decorativa, incentivou-o a trabalhar nesse campo. O artista foi contemporâneo e comparticipante, com João Machado, no desenvolvimento e na afirmação, em Coimbra, da arte do ferro forjado.
Quando finalmente, em 1907, na Escola Industrial Brotero, começaram a funcionar as oficinas de marcenaria e talha, de serralharia, de cerâmica e de formação, Manuel Pedro foi nomeado mestre da de serralharia, lugar que, em 1925, voltava a ocupar, sendo-lhe então reconhecida uma enorme competência e a capacidade de saber aliar a um profundo conhecimento prático da sua especialidade, a teoria necessária, para que o ensino resultasse profícuo e consistente.
Os serralheiros da Escola de Coimbra
Provavelmente, Manuel Pedro não se manteve ininterruptamente à frente da oficina de serralharia da Escola Industrial Brotero desde 1907 até depois de 1925, porque se sabe que, em 1914, foi exonerado, a seu pedido, do lugar de mestre da referida oficina António Maria da Conceição “que, enquanto ali esteve, desempenhou esse cargo de modo a merecer elogios de todo o professorado de referida Escola”.
A indústria contemporânea do ferro forjado renasceu em Coimbra com a nova centúria, viveu na cidade, mas espalhou-se por todo o país. Homens e mulheres de bom gosto e fartos meios económicos faziam as suas encomendas aos serralheiros do burgo, que também não eram esquecidos pelos arquitetos lisboetas e não só.
Adães Bermudes, arquiteto de Lisboa e engenheiro das construções escolares, em 1907, ao passar por Coimbra vindo de Viseu, demorou-se algumas horas para entregar os desenhos de umas varandas destinadas a decorar um grande prédio situado num dos mais concorridos lugares de Lisboa e que ele projetara, a fim de elas serem executadas, em ferro forjado, por quatro artistas desta cidade. O convite foi considerado uma honra e a encomenda devia importar em 1:400$00. As peças utilizam o estilo moderno e o ferro curva-se dando o recorte de animais em linhas elegantes, “formando uma renda de um desenho leve e cheio de espírito, sem perder a aparência de solidez que a natureza da matéria impõe como condição essencial”.
Arnaldo Redondo Adães Bermudes
A execução deste trabalho foi entregue aos artistas António Maria da Conceição, João Gomes, Lourenço de Almeida e Manuel Pedro de Jesus; em setembro desse mesmo ano a primeira remessa da tarefa já havia sido enviada e o redator do jornal Resistencia soubera “que o arquitecto ficara satisfeitíssimo com a obra dos serralheiros de Coimbra”.
O Noticias de Coimbra tecera algumas observações acerca dos trabalhos que Adães Bermudes encomendara àqueles artistas e o Resistencia transcreveu os comentários: “Além desta tarefa, destinada a um edifício em construção na Avenida D. Amélia [atual Almirante Reis], em Lisboa, também o mesmo arquitecto confiou ao sr. Alfredo Fernandes Costa a execução de um portão no estilo D. João V, para o palácio do conde de Agrolongo.
Palacete do Conde de Agrolongo. Imagem acedida em https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2016/11/palacete-do-conde-de-agrolongo.html
É com grande satisfação que tornamos públicas estas apreciações aos trabalhos dos nossos conterrâneos que tanto se têm dedicado pelo desenvolvimento da sua arte, deixando ganância para só honrarem os seus nomes de artistas e a sua terra”.
Raul Lino desenhava peças para eles forjarem; Álvaro Machado, quando viu, em Lisboa, a grade de um túmulo executada por Manuel Pedro de Jesus, teve esta expressão: "Mas como é que os serralheiros de Coimbra têm a liberdade para amoldar o ferro como desejam!?". Afirmação feita por um arquiteto de reconhecido mérito que, por si só, era suficiente para legitimar a competência dos serralheiros aeminienses.
Em 1928 o comissário geral representante, em Portugal, da exposição de Sevilha convidou os artistas conimbricenses ligados à serralharia artística para participarem na exposição com trabalhos no estilo D. João V.
Também na exposição que Raul Lino levou a efeito, em Coimbra, nas salas do Instituto, onde apresentou, entre projetos, anteprojetos, plantas, esboços, fotografias, etc., trinta e nove peças, foi feita referência a trabalhos “de distinctos artistas de Coimbra”, concretamente a João Machado, na escultura, e a Manuel Pedro de Jesus e a Lourenço Chaves de Almeida, no ferro forjado.
Raul Lino escolheu a cidade de Coimbra para expor os seus trabalhos, “de construção económica e em estilo português”, em virtude de se estar a programar o bairro do Penedo da Saudade, “onde ficariam muito bem prédios daquele tipo” e também porque “o meio artístico de Coimbra permit[ia] uma avaliação correcta da sua obra”.
Raul Lino
No entanto, para sobreviver, a arte do ferro não podia apenas contar com encomendas vultuosas, teria de se democratizar, como bem dizia o Dr. Quim Martins e, para tal, fazer com que se tornassem necessários os objetos mais simples e de uso corrente, manufaturados naquele metal. A par com os grandes candelabros, com os leitos pompeianos, com os portões da Faculdade de Letras ou do Palácio da Justiça, teriam de surgir as grades das varandas, os pequenos portões de jardins, as bandeiras das portas, as tabuletas de anúncios, os gradeamentos dos muros, os portais dos jazigos, as pequenas grades de campas, os puxadores das gavetas e as dobradiças das arcas. Realmente, a arte do ferro, democratizou-se, a indústria vingou e, para além das peças que ainda hoje ornamentam tantas casas e causam orgulho aos que as fruem, Coimbra passou a ser, como lhe chamou Vergílio Correia, a “cidade das grades”.
Avenida Dias da Silva. Grade de varanda
Largo João Paulo II. Casa dos Martas. Grade da bandeira da porta
Coimbra, “a cidade das grades”.
Ninguém podia imaginar que nas negras e mal apetrechadas serralharias de Coimbra, entre as labaredas rubras das suas forjas e o ruído dos malhos tirando chispas fulgurantes dos vagalhões candentes, existia, latente, à espera de a despertarem, essa força criadora que transforma o ferro duro e de aspeto indomável em peças de requintado gosto artístico.
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.
É já depois de amanhã, 6.ª feira, dia 27 de janeiro que às 18h00, se iniciam as Conversas Abertas deste ano que irão decorrer na Sala de D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra.
E para bem começar o Dr. Mário Araújo Torres irá falar de três personalidades ligadas a Coimbra, que se tornaram marcantes na vida cultural nacional na segunda metade do século XIX, todos autodidatas.
AUC. Pormenor da Folha de Sala
Sobre o Palestrante já tivemos ocasião de escrever, em 17 de fevereiro de 2022
Dr. Mário de Araújo Torres
Sendo a importância da reedição de textos, há muito esquecidos e esgotados, de autores que escreveram sobre Coimbra, inquestionável, lembra-se, mais uma vez, que após a sua jubilação o Dr. Mário de Araújo Torres, se dedicou à recolha e reedição – à sua custa, hoje, com mais de 10 títulos publicados – de autores que em Coimbra desenvolveram a sua atividade.
É exemplo um dos primeiros que editou: a produção etnológica e pedagógica do poeta Afonso Duarte.
Embora sabendo que Mário Araújo Torres é avesso a agradecimentos, temos repetidamente afirmado, e mais uma vez o fazemos, que Coimbra lhe deve um institucional: OBRIGADO.
Na modéstia do conimbricense que somos, pelo nosso lado, aqui fica esse reconhecimento, acrescentando que o Dr. Mário Araújo Torres é credor de todos os conimbricenses de uma palavra simples, mas que diz muito: OBRIGADO.
Agradecimento, que é feito perante o silêncio do Município já tantas vezes alertado para este seu dever.
Coimbra não pode, nem deve, continuar a ser madrasta quer para os seus filhos, quer para quantos fizeram de Coimbra a sua cidade.
Rodrigues Costa
Acerca da Casa de Sub-ripas ainda há poucos anos alguns caturras teimavam a favor da lenda que pusera dentro das suas paredes a tragédia do D. Maria Telles — morta ás mãos do marido por intrigas da irmã rainha.
Rainha D. Leonor Teles, a origem da intriga. Imagem acedida em https://www.google.pt/search?q=leonor+teles
O resultado da intriga. Imagem acedida em http://invitaminerva45.blogspot.com/2017/07/estorias-curiosas-da-nossa-historia-2.html
Isto, apesar de tal invenção estar claramente destruída desde 1871, com a publicação ou aproximação de certas datas históricas e documentos. Entre outros podem ver-se os artigos e cartas publicadas nos n.os 2526, 2527 e 2530 do Conimbricense daquele ano, por J. Martins de Carvalho, Miguel Osório, Senhor das Lágrimas, e Dr. Filipe Simões. Nem mesmo valeria a pena discutir o caso, se não estivéssemos num país onde quase toda a gente prefere seguir e repetir o que ouve a investigar e a refletir por conta própria.
Assim, sempre enfileiro aqui os argumentos que minaram a ingénua invenção.
Em primeiro lugar: da leitura da passagem de Fernão Lopes [Chronica de El-rei D. Fernando – Tomo IV da coleção de livros inéditos de história portuguesa.... pag. 350 a 354] invocada como fundamento da lenda — infere-se exatamente o contrário do que queriam aqueles caturras; pois o pai da nossa história muito positivamente indica como teatro da tragédia uma casa próxima á igreja de S. Bartolomeu — igreja situada no mesmo local onde existe a atual, constituída em 1756. Pertencia essa casa a um homem nobre, de nome Álvaro Fernandes de Carvalho.
— Depois: seguindo Fernão Lopes, também Frei Manuel dos Santos na «Monarchia Lusitana» refere o facto como passado na freguesia ou arrabalde de S. Bartolomeu.
— Há mais: porque é que António Coelho Gasco— escritor do século XVII, autor da Conquista, antiguidade e nobreza da mui insigne e Ínclita cidade de Coimbra —nada menciona do facto? Certamente por estarem já no seu tempo arrasadas ou irreconhecíveis as casas de Álvaro de Carvalho. Mas se a tragédia se tivesse dado na Casa de Sub-ripas ele aí tinha o teatro do crime — e não passaria em silêncio tão importante acontecimento.
— Ainda: nos pergaminhos e papéis do arquivo dos Perestrellos —proprietários históricos das casas de Sub-ripas até há poucos anos — nada apareceu, entre documentos referentes a estas casas, que desse o caso como acontecido nas suas moradas.
Não faço, nesta altura, pesar a circunstância de ver dado como acontecido numa casa quinhentista um facto pertencente ao século XIV; pois os defensores da lenda explicavam: que a casa existente fora levantada sobre as ruínas da casa ou torre do crime. Mas a isto responde-se: no século XVI, mercê de vida nacional mais pacífica e das novas condições da cidade, já podiam ser abandonadas partes da muralhas com as torres — como de resto o prova o documento da doação a João Vaz; enquanto que nos tempos precários — tão abrolhados de perigos o surpresas — do reinado de D. Fernando I não podia estar ainda desprezada a muralha de Coimbra, e convertidas as suas torres do vigia em aposentadorias de princesas.
Este argumento de boa razão fortalece os que nos fornecem os documentos.
Para mais — a lenda é de origem relativamente recente, e nenhum dos escritores que a adotaram o fez como historiador. Sorria-lhes á fantasia.
Mas não há remédio senão passar sem ela.
O interesse que nos merece a Casa de Sub-ripas em nada diminuirá, de resto, por termos afugentado dos seus desvãos e terraços o fantasma da linda e branca Maria Telles, imolada a golpes de bulhão, pelo filho da outra mísera e mesquinha numa madrugada de novembro de 1379.
Coimbra. 25 de março do 1906.
Manuel da Silva Gayo
Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.
O SEGUNDO PERÍODO DE PERMANÊNCIA EM COIMBRA
Quando Alberto Pimentel afirma «que foi entre 1872 e 1873 que Camilo Castelo Branco, pretendendo educar os filhos, residiu em Coimbra», incorre num erro, pois a permanência do escritor foi em 1875 e 1876.
No entanto, em 1874, esteve de facto Camilo em Coimbra, por motivos de saúde, como noticia a «Revolução de Setembro», de Lisboa, em 11 de Março daquele ano: «Chegou à cidade de Coimbra o distinto romancista o Sr. Camilo Castelo Branco, que foi consultar o hábil médico o Sr. Dr. Lourenço de Almeida e Azevedo. Desejamos ao Sr. Camilo o seu pronto restabelecimento.»
É, pois, em 1875 que Camilo Castelo Branco fixa residência em Coimbra, acompanhado de sua mulher, Ana Plácido, e dos seus filhos, Nuno e Jorge, com a finalidade da educação destes. Nesta cidade se demorará até 1876.
Em carta datada do Porto, de 3 de Fevereiro de 1875, dirigida ao seu amigo Adelino das Neves e Melo, residente em Coimbra, prepara Camilo a sua instalação na cidade universitária: «Estou enfardando a bagagem. Tenciono estar aposentado na risonha Coimbra até ao dia 15 de corrente.» E mais adiante: «Preciso de ter aí pessoa a quem possa remeter o conhecimento das bagagens que for transportando. Quer-se pessoa que tome a seu cargo o fazer carrejar a mobília da estação para casa. Lembrava-me de ir eu mesmo dirigir estas enfadonhas coisas: mas receio não poder dormir nos leitos das hospedarias, que são para mim leitos de agonia. É possível que V. Ex.ª conheça pessoa a quem se retribua este serviço; e, cargo da mesma ficaria o cuidado de fazer lavar a casa, e remendar alguma vidraça, bem como assentar fogão na lareira. V´V. Ex.ª vendo quantas importunações lhe delego.»
Demora mais que o previsto, mas chega finalmente, como noticia «O Tribuno Popular», de 17 de Março: «Chegou a esta cidade o sr. Camilo Castelo Branco, que vem aqui estabelecer a sua residência. O ilustre escritor passou já na hospedaria do caminho de ferro, onde se hospedou, para a sua casa do Bairro Alto. Coimbra, a bela cidade do Mondego, ufana-se de ter entre os seus moradores o primeiro romancista português.»
A morada de Camilo situava-se nos Arcos do Jardim, ou Arcos de S. Bento, em casas hoje demolidas. António Cabral descreve-a assim:
Imagem das Casas que existiram dos Arcos do Jardim. Pg. 27
«Residia ele aos Arcos de S. Bento, numa casita que as árvores tufadas do Jardim Botânico, daquele parque ridente cheio de flores, de perfumes, de vegetação e de gorjeios, cobriam de sombra e quase roçavam com os seus ramos frondosos.»
… De Coimbra escreve também, em 23 de Março de 1875, a Guiomar Torresão, prometendo-lhe colaboração para o «Almanaque das Senhoras», que aquela escritora dirigia: «Escreverei para o Almanach de V. Ex.ª A ideia do escrito suscitou-ma V. Ex.ª em uma linha do seu belíssimo artigo: «uma festa em Pintéus». Diz V. Ex.ª que a Sr.ª D. Maria Amália Vaz de Carvalho é neta de Sá de Miranda. Escreverei um artigo genealógico em confirmação do que V. Ex.ª disse. A demonstração revelará um linhagista bem saturado de circunspeção e... rapé.»
E de facto, no «Almanaque das Senhoras» para 1876 vem publicado o prometido artigo, versando sobre a genealogia de Francisco de Sá de Miranda, trabalho datado de Coimbra, 2 de Abril de 1875.
«O Imparcial de Coimbra. Número comemorativo do Plebiscito Literário.. Pg. 73
Uma outra carta dessa época enviada de Coimbra por Camilo tem a data de 15 de Abril daquele ano, tendo como destinatário Ernesto Chardon, a quem avisa dos perigos que para o editor representaria a edição dos clássicos, de que vira notícia: «O Lopes da Rua do Ouro arruinou-se, editando clássicos baratos, que ninguém quis. A Imprensa da Universidade editou crónicas, que está vendendo a pouco mais do peso, e nem assim lhas querem.»
Camilo era já um homem doente, como acrescenta António Cabral: «Durante o tempo que permaneceu na Lusa Atenas, Camilo, quase sempre doente, pouco saía de casa, cujas janelas se conservavam, dia e noite, cuidadosamente fechadas. Vivia muito retirado, entretendo-se a conversar com os poucos amigos, na sua maioria poetas e literatos, que lhe iam admirar a graça e as cintilações de espírito.»
Andrade, C.S. 1990. Coimbra na vida e na obra de Camilo. Coimbra, Coimbra Editora.
O Dr. Mário Torres, um conimbricense pelo coração, continua na senda a que se propôs, reeditando, às suas custas, obras relacionadas com a história da nossa Cidade.
Coube agora a vez ao livro Apontamentos para a História Contemporânea seguido de A Nossa Aliada!, título com que publica textos de Joaquim Martins de Carvalho.
Apontamentos para a História Contemporânea, capa
Diz Mário Torres: Na presente edição, com atualização da grafia, reproduz-se a 1.ª edição dos Apontamentos para a História Contemporânea»
Apontamentos para a História Contemporânea, 1.ª edição, capa
complementado pelos «Apontamentos aos Apontamentos para a História Contemporânea», publicados por Manuel Lopes de Almeida, e, em anexo, o opúsculo «A Nossa Aliada!» … sobre as relações de Portugal com a Inglaterra.
Na capa do livro, acrescenta: Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres.
Já tivemos ocasião de sublinhar a dívida de Coimbra para com o Dr. Mário Torres, que, ao reeditar textos de grande relevância para a história da urbe, coloca obras inacessíveis ao alcance de todos. Como simples cidadão reafirmo e acentuo, de novo e publicamente, que o dever de gratidão da Cidade continua por saldar.
O livro ora reeditado – ao qual esperamos voltar – centra-se na figura de Joaquim Martins de Carvalho, homem de Coimbra, a quem a cidade tanto ficou a dever e a quem – também a ele – tinha obrigação de prestar um reconhecimento digno, dado que a mera atribuição do seu nome à rua onde morreu, a antiga rua das Figueirinhas, se mostra mais do que insuficiente.
Na badana do livro pode ver-se uma gravura que o retrata
Joaquim Martins de Carvalho
acompanhada da seguinte nota biográfica:
Joaquim Martins de Carvalho nasceu em Coimbra em 19 de novembro de 1822 e aí faleceu em 18 de outubro de 1898.
Órfão muito jovem, o regime de morgadio então vigente determinou que a parte substancial do património familiar fosse encabeçada no filho primogénito, Venceslau Martins de Carvalho. Como filho segundo, fora Joaquim Martins de Carvalho destinado à carreira eclesiástica, ao que ele resistiu.
A sua única instrução formal consistiu na frequência, durante um ano, em !833, da aula de Latim no Colégio das Artes, então dirigida por jesuítas.
Deve-se ao seu abnegado esforço de autodidata a aquisição de vastíssimos conhecimentos, sobretudo nas áreas da história e da bibliografia.
Na sua juventude exerceu as modestas profissões de empregado comercial e de latoeiro, que lhe valeu o epiteto de «Doutor Latas» ou «Lord Latas».
Convicto lutador liberal, esteve vários meses preso na cadeia do Limoeiro, em 1847, como membro do Partido Popular («patuleio») contra o cabralismo.
Depois de libertado, dedicou-se ao jornalismo, essencialmente no «Observador» (1847-1853), a que sucedeu, logo em janeiro de 1854, o «Conimbricense» de que foi proprietário, diretor e principal redator, até à sua morte, em 1898.
Liberal progressista, foi membro da Maçonaria e da Carbonária Lusitana.
Promotor do associativismo. sobretudo no sentido do progresso económico da região de Coimbra e da defesa das classes laboriosas, nos domínios da instrução e do mutualismo. Foi membro de diversas instituições científicas, designadamnte a Academia das Ciências de Lisboa e o Instituto de Coimbra.
Os Assassinos da Beira, capa
Em vida publicou dois livros, com seleção de artigos e estudos seus saídos em «O Conimbricense»: «Apontamentos para a História Contemporânea» e «Os Assassinos da Beira».
Carvalho, J.M. 2021. Apontamentos para a História Contemporânea» seguido de A Nossa Aliada! Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres. Lisboa, Edições Ex-Libris.
As «Ordenações Filipinas» (1603), livro I, título 88, Parágrafo II, legislavam sobre os filhos ilegítimos, obrigando a família da criança, até ao terceiro grau, tomá-la à sua guarda e criação, e na falta de familiares a serem entregues em hospitais e albergarias. O mesmo princípio era aplicável aos filhos de religiosos ou de mulheres casadas, com os maridos ausentes.
... A Misericórdia de Coimbra tinha já no seu «Compromisso» de 1620 um capítulo que tratava «De como se há-de acudir aos meninos desamparados», e onde se dizia não lhe caber o encargo com os meninos abandonados ou enjeitados, que pertencia sim às Câmaras Municipais, mas tão-somente lhe pertencia a defesa daqueles a quem as mães morriam, ou adoeciam demoradamente, e não tivessem família para as acolher
... as provisões régias de 7 de Maio de e 14 de Novembro de 1708 fizeram passar para o total encargos das Misericórdias o acolhimento de todos os expostos.
... vindo a ser oficialmente reconhecidas as «rodas» no reinado de D. Maria I, através do seu ministro Pina Manique, e, pela lei de 24 de Maio de 1783.
... em 19 de Setembro de 1826 é publicado um decreto que ... criava em cada distrito administrativo, e a ser suportado economicamente pelas Câmaras ... «rodas» para criação de expostos.
... em 19 de Março de 1839 que se «assentou em princípio» tomar conta daquela administração, fazendo publicar um regulamento, contido em 106 artigos, e cujo preâmbulo abria com as palavras «a Câmara Municipal desta Cidade de Coimbra compelida pela lei a tomar sobre seus já sobrecarregados ombros o fardo da Administração dos Expostos, fardo tanto mais pesado quanto é certo o lamentável estado a que por força das circunstâncias se acha reduzido um estabelecimento tão pio...»
... constantes foram as dificuldades da Câmara na sustentação, proteção medico medicamentosa, e até de alojamento, para centenas de crianças, que no clamor horrorizado de Martins de Carvalho «os infelizes expostos estão também sofrendo o péssimo estado da receita das câmaras municipais. Há dias abriu-se o pagamento às amas do trimestre de Outubro a Dezembro de 1856. Pagou-se a quantia de 1.200$000 réis, que existiam em cofre, e suspendeu-se o pagamento às amas que restavam, que eram ainda mais de dois terços.»
E seria o Mesmo Martins de Carvalho que explodindo em raiva, escrevia pouco depois «consta-nos que no mês de Agosto findo entraram na roda desta cidade 24 expostos e faleceram 32! Isto é horrível e extraordinariamente desumano! Por esta forma está a roda convertida em um açougue. Desgraçado do recém-nascido que entre o limiar daquela casa”
... 1863-15/XI – O Asilo da Mendicidade aloja-se na casa da Travessa de Montarroio onde antes estivera a Roda dos Expostos
... 1864-21/III – A Junta Geral do Distrito alija de si a manutenção da Roda dos Expostos que atribui, nos termos legais, à Câmara, mantendo-se assim até 1872, ano em que se passou a denominar de «Hospício»
... 1865-10/III – Muda-se a roda dos expostos da casa de Montarroio para o dormitório do Pilar, de Santa Cruz
... Expostos no período de 1849 a Outubro de 1857
1849 - Expostos entrados, 648; Expostos falecidos, 536
1850 - Expostos entrados, 597; Expostos falecidos, 343
1851 - Expostos entrados, 683; Expostos falecidos, 338
1852 - Expostos entrados, 604; Expostos falecidos, 262
1853 - Expostos entrados, 470; Expostos falecidos, 52
1854 - Expostos entrados, 600; Expostos falecidos, 60
1855 - Expostos entrados, 462; Expostos falecidos, 224
1856 - Expostos entrados, 477; Expostos falecidos, 339
1857 - Expostos entrados, 404; Expostos falecidos, 239
22 de Fevereiro de 1911, é publicado o Decreto que extinguiu o «hospício».
Silva, A.C. 1972-1973. Anais do Município de Coimbra. 1840-1869. Pg. XIX a XXI, LII a LVIII
A Câmara, com a saída das últimas tropas de D. Miguel, reúne extraordinariamente em 7 de Maio, véspera da entrada em Coimbra das tropas liberais vindas da Mealhada, e a contragosto, ou por fracas convicções políticas, a Câmara da presidência do Vereador mais velho, Dr. Joaquim da Costa Pacheco, delibera «proclamar Dona Maria II Rainha de Portugal, com geral satisfação e entusiasmo não só dos membros da mesma Câmara. Mas de toda a cidade, de cujos sentimentos estão sabedores os mesmos representantes da Cidade e da Câmara.»
Esta deliberação foi levada ao comandante das forças liberais, estacionadas, como se disse, na Mealhada, forças que «passaram» por Coimbra no dia seguinte, sob o comando do Duque da Terceira.
Aquela «satisfação e entusiasmo» era postiça dado que a cidade, pela situação especial de nela estar a Universidade, o Bispado, e os numerosos Colégios religiosos, fora sempre mais para a banda da fação de Dom Miguel, só que a repentina metamorfose dos edis não obstou à sua substituição imediata.
Quanto à Câmara, parece que nada mais aconteceu que esta mudança, já o mesmo não se dando com o Bispo Dom Joaquim de Nazaré, que indo despedir-se, ao Alentejo, de Dom Miguel, foi preso no regresso a Coimbra, em Arraiolos, e depois levado para o Castelo de Lisboa, onde esteve preso cinco meses.
E os saneamentos também chegaram à Universidade, sendo dela expulsos quarenta e seis lentes e numerosos estudantes.
O período que se seguiu àquele 8 de Maio, após uns dias de euforia liberal, foi o que era de prever, como reação a anteriores perseguições miguelistas. Dos partidários miguelistas, os mais notáveis que não puderam fugir, foram presos e alguns assassinados nas ruas.
Martins de Carvalho, impoluto liberal, que sempre combatera o miguelismo e por isso se homiziara e sofrera prisão, escreveu atribuindo esses crimes a exaltados, não escondendo que, em Coimbra, se instalara a anarquia e pela Beira era grande a inquietação, formando-se quadrilhas de bandidos e assassinos como os Brandões e outros.
Silva, A. C. 1988/89. Notas para a história da zona envolvente do Mosteiro de Santa Cruz. Separata de Arquivo Coimbrão, vol. XXXI-XXXII. Coimbra. Câmara Municipal. Pg. 26 e 27
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