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Nesta entrada e na seguinte, divulgamos um texto que nos permite conhecer o percurso deste cenóbio desde a sua construção até à sua transformação numa unidade militar.
Trata-se da obra Sant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel, da autoria de dois militares que ali prestaram serviço, o Coronel Jorge Manuel Vieira Alves Ferreira e o Major-General José Romão Mourato Caldeira.
Sant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel. Op. cit., capa
A fundação do Mosteiro nasce do empenho de uma religiosa do Mosteiro de S. João das Donas de Santa Cruz, chamada D. Joana Pais. Sendo muito devota da Santa Ana … decidiu fundar-lhe um mosteiro numas casas e vinha de que era legítima proprietária por herança.
… A origem da sua fundação e, em particular, da natureza das suas primeiras ocupantes, confunde-se com o fenómeno das “emparedadas”… que consistia numa forma de penitência particular em que certas devotas, para expiar faltas cometidas ou na esperança de altas recompensas após a morte, decidiam privar-se de todos os bens e esperanças da vida secular e se fechavam no interior de pequenas celas (apenas do amanho indispensável) … as devotas faziam-se entaipar entre quatro paredes, enterrando-se em vida, mandando fechar a pedra e cal a porta … eram alimentadas por uma pequena fresta.
… De todas as “emparedadas” parece que as mais antigas teriam sido as “d’a par da ponte” de Coimbra.
A prática terá tido começo nos inícios do século XII e sobre ela se encontram ainda referências no século XV.
… Confirmada pela história a existências das “emparedadas” e o rigor da sua penitência, fica por esclarecer de que modo influíram na origem do primitivo Convento … velho de Sant’Ana “d’A par da ponte” (fundado no último quartel do século XII).
… Cerca de cem anos após a conclusão do edifício, começaram as religiosas a experimentar grandes prejuízos e incómodos devido às grandes inundações do convento, provocadas pelo progressivo assoreamento do rio Mondego. O fenómeno de elevação do nível das águas foi tal que, no final, não ficaram vestígios da construção.
… A doação da quinta de S. Martinho, feita por D. João Soares em 1561, para nela se recolherem as freiras que … viviam ainda nessa altura, no mosteiro velho a montante da ponte.
Quinta de S. Martinho. In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 20.
Embora a quinta de S. Martinho não tivesse condições para uma permanência de longa duração, as freiras ali se instalaram até que o bispo D. Afonso de Castelo Branco lhes mandasse construir o novo edifício do mosteiro, no sítio denominado Eira das Patas.
Tumulo de D. Afonso Castelo Branco, na Sé Velha de Coimbra [inicialmente na capela-mor da igreja do Convento de Santa’Ana} In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 19.
…. Nove anos e meio durou a construção do Convento desde que, a 23 de junho de 1600, fora lançada a primeira pedra, pelo Bispo-Conde D. Afonso Castelo Branco, até à entrada definitiva … ali permaneceram as freiras de Santa Ana até aos conturbados tempos de 1832-34.
… O final das guerras liberais … conduziram ao decreto de extinção das Ordens Religiosas.
… Foi consentido que o convento continuasse como tal enquanto fosse viva a última freira … Esta circunstância só não ocorreu porque a seis de junho de 1885 … optou por se recolher … no Colégio Ursulino, hoje Hospital Militar Regional n.º 2.
A … Fazenda Nacional … por despacho de 13 de agosto do mesmo ano, o cede juntamente com a respetiva cerca ao Ministério da Guerra, para ser transformado em quartel e aqui se estabelecer, juntamente com o Regimento Infantaria 23, um Departamento de Cavalaria.
Ferreira, J.M.V. e Caldeira, J.R.M. Sant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel. 2.ª edição. 2006. Coimbra, Câmara Municipal.
Com a série de cinco entradas que hoje iniciamos chamamos a atenção dos leitores para o trabalho de investigação intitulado Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871), da autoria da Dr.ª Dina de Sousa.
O Convento de Santa Ana
O primitivo convento situava-se na margem esquerda do Mondego, próximo de um local vulgarmente designado por “Ó da Ponte”. Então conhecido por “Cellas da Ponte”, teve como grande impulsionadora D. Joana Pais, devota de Santa Ana, que fundou o convento numas casas e respetiva quinta que recebera por doação de seus pais, tendo sido aí colocada a primeira pedra a 26 de Julho no ano de 1174, precisamente no dia consagrado a Santa Ana. Devido aos seus parcos recursos, o convento ficou dependente dos bispos de Coimbra, que o sustentavam através das suas esmolas.
Um século após a edificação do convento, “(...) por causa das cheias do Rio Mondego com as quais o dito Convento estava devastado e as ditas freiras por muitas vezes estiveram em perigo de vida”, tornou-se insustentável a continuidade da comunidade naquele espaço.
Coimbra no final do sec. XVI, ruínas das “Cellas da Ponte”. Pormenor da gravura de Coimbra, de Hoefnagel
No “anno de 1561, em que as sucessoras de D. Joanna viram não poder elle continuar a ser habitado”, recorreram ao bispo D. João Soares, tendo-lhes sido feita doação da Quinta de S. Martinho para nela se recolherem, até ser construído um novo edifício.
Quinta de S. Martinho (Vestígios do Convento). In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 20.
Este seria mandado edificar pelo bispo–conde D. Afonso de Castelo Branco, situado no local outrora conhecido por Eira das Patas, numa colina fronteira à cerca de São Bento e ao aqueduto. O seu domínio estendia-se até ao atual Penedo da Saudade. A 13 de Fevereiro de 1610, as religiosas ingressam no novo convento de Santa Ana, passando a usar o hábito das Eremitas de Santo Agostinho.
Refira-se que esta comunidade acolheu a jovem Josefa de Óbidos. Além dos ensinamentos religiosos, ali recebeu aulas de pintura. Assim, foi nesta cidade que Josefa começou a pintar, pois, parece que a sua obra mais antiga data de 1644, uma série de gravuras de Santa Catarina e São José. Como não seguiu a vida religiosa regressou a Óbidos, em 1653, trabalhando para conventos e igrejas. Mais tarde, foi convidada pela família Real, para fazer os retratos da rainha D. Maria Francisca de Saboia e da sua filha, a infanta D. Isabel.
Josefa de Óbidos. Santa M aria Madalena.1650. Museu Nacional de Machado de Castro. Imagem acedida em:https://www.wikiart.org/pt/josefa-de-obidos/santa-maria-madalena-1650
Josefa de Óbidos, A Anunciação, 1676. Imagem acedida em: https://ilustracaoportugueza.wordpress.com/2016/08/15/josefa-de-obidos-a-anunciacao-1676/
Tal como aconteceu em outros espaços monásticos, em 1810, as religiosas perderam muitos dos seus bens, devido às Invasões Francesas. Poucos anos depois, as guerras liberais vieram agravar a sua frágil situação económica, no contexto da extinção das ordens religiosas masculinas, em 1834. Assim, as ordens femininas ficaram proibidas de receber noviças, pelo que se regista um envelhecimento da comunidade, necessitando de mais cuidados.
O convento é considerado extinto a 6 de Junho de 1885, altura em que a última prelada, D. Maria José de Carvalho, de idade já avançada, e desprovida de bens económicos, abandona Santa Ana, juntamente com mais algumas idosas que com ela viviam, na sua maioria criadas e encostadas. Consigo levou apenas alguns objetos como recordação de um espaço no qual entrara quando tinha sete anos de idade. A sua mudança dá-se para o Real Colégio Ursulino das Chagas, instalado no extinto Colégio de S. José dos Marianos.
Colégio de S. José dos Marianos, atual Hospital Militar
O edifício conventual patenteia uma arquitetura modesta, bem ao espírito dos Eremitas de Santo Agostinho, valorizando a sua fachada dois pórticos que, entretanto, foram retirados e que hoje estão, respetivamente, na Igreja de S. João de Almedina
Pórtico do Convento de Santa Ana, aplicado na Igreja de S. João de Almedina. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https%3A%2F%2Fimages...
e na fachada do Museu Machado de Castro.
Pórtico do Convento de Santa Ana, aplicado na entrada do Museu Nacional Machado de Castro. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https …
De estrutura quadrangular, desenvolvida em torno de dois claustros e de dois pátios internos, na sua primitiva construção, no piso térreo encontrava-se a entrada para a Igreja e para o pátio das hospedarias, a roda e as grades, o refeitório, a cozinha e a casa da botica. Existiam outras dependências: casas para criados, celeiro, forno, duas arrecadações e a cerca amuralhada que abrangia a entrada do Penedo da Saudade.
No primeiro andar situavam-se os dormitórios, a casa do noviciado e as enfermarias.
Sousa, D. Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871). Texto acedido em: https://www.academia.edu/116755957/Comer_e_curar_no_Convento_de_Santa_Ana_de_Coimbra_1859_a_1871_?email_work_card=title
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